Destino preferido antes da aposentadoria de deputados e senadores, o Tribunal de Contas da União (TCU), por conta dessas influências políticas, costuma ter um rigor inversamente proporcional ao posto ocupado pelos governantes que são alvos de suas auditorias. O tacão geralmente é mais duro sobre prefeitos de pequenas cidades do que contra presidentes, governadores, ministros e parlamentares. A opinião vem de auditor do próprio TCU, Rosendo Severo. Rosendo resolveu subverter a prática comum para a ocupação dos cargos de ministro do tribunal. Ele candidatou-se à vaga aberta com a aposentadoria do ex-ministro Ubiratan Aguiar. O TCU é um órgão do Poder Legislativo, e os ministros são indicados após votação na Câmara e no Senado. Assim, o mais comum é que os cargos sejam preenchidos por ex-parlamentares, caso, inclusive, do ex-deputado Ubiratan Aguiar. Na disputa, Rosendo concorrerá exatamente com outros deputados federais, como Ana Arraes (PSB-PE), apoiada pelo ex-presidente Lula; o ex-relator do Código Florestal Aldo Rebelo (PCdoB-SP); Sérgio Barradas (PT-BA), e Átila Lins (PMDB-AM). A candidatura de Rosendo é quase um ato de protesto dos auditores. Geralmente, seus relatórios, quando chegam às mãos dos ministros, acabam abrandados por conta das conveniências políticas.
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“A gente vê os gestores pequenos sendo tratados com maior rigor do que os maiores, de níveis mais altos”, acusou Rosendo, em entrevista exclusiva à Rádio Congresso em Foco. Para ele, tal politização das decisões do tribunal “não é conveniente”. E emenda: “O tribunal tem de manter o rigor independentemente de afiliação partidária e de nível de gestão, municipal, estadual ou federal.”
Na disputa com os deputados, Rosendo reconhece que seus concorrentes, por conta dos votos que obtiveram nas eleições, têm a representação da sociedade. Mas ele rebate com seu conhecimento técnico, com a expertise de auditor para combater os desvios de dinheiro público, que são o tema frequente das análises do TCU.
Aos 51 anos, o engenheiro mecânico virou auditor nos anos 90 e está há 21 anos no tribunal. Agora, entrou de forma inédita na disputa pela vaga do ex-ministro Ubiratan Aguiar, um ex-deputado do PSDB do Ceará. O curioso é que a candidatura de Rosendo surgiu de uma iniciativa do próprio ex-deputado Ubiratan. Ele sugeriu à União dos Auditores Federais de Controle Externo (Auditar) a campanha “Ministro cidadão” (www.ministrocidadao.org.br): por ela, cada auditor filiado à entidade sugeriu um nome técnico, e não necessariamente político, para ocupar a vaga deixada por ele.
A Auditar recebeu indicações de 60 nomes. Alguns eram políticos, como a ex-candidata do PV à Presidência Marina Silva e os senadores Demóstenes Torres (DEM-GO) e Pedro Taques (PDT-MT). Mas só 23 dos indicados, incluindo Rosendo, confirmaram que queriam disputar. Todos os que aceitaram eram servidores de carreiras de tribunais de contas. Na disputa entre seus pares, Rosendo ganhou. Ele, porém, não se considera um candidato da corporação, mas da sociedade, já que conta com o apoio de organizações como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Instituto Ethos e o Conselho Federal de Engenharia (Confea).
Na entrevista ao Congresso em Foco, feita pouco antes de retomar sua campanha para convencer os deputados a votarem nele, Rosendo se diz um inconformado com os desmandos no Brasil. “Isso me motiva a participar desse processo e colocar meu nome à disposição”, conta o candidato a ministro, que já foi office boy, escriturário e servidor do Ministério da Indústria e Comércio. Além de engenharia mecânica, o pernambucano Severo estudou análise de sistemas.
Supersalários
Na conversa, ele condenou o pagamento de salários a políticos e funcionários públicos além do teto constitucional, hoje de R$ 26.723 por mês, os chamados supersalários. “É inconstitucional, não tem razão de ninguém ganhar acima da Constituição. Teto é teto”, criticou Severo. Para ele, não pode haver exceção para cálculo da remuneração máxima, nem mesmo para as horas extras ou para as fontes de renda recebidas de órgãos diferentes.
Rosendo também elogiou a postura da presidenta Dilma Rousseff de afastar os suspeitos de corrupção na Esplanada dos Ministérios. “É o mínimo que ela tem que fazer. A corrupção não pode ser tolerada. Na dúvida, afasta. A Dilma está corretíssima.” Entretanto, o candidato a ministro criticou os movimentos do Planalto e da base aliada para enfraquecer o poder do Congresso e do TCU de suspenderem o repasse de dinheiro para obras com suspeitas de irregularidades. Para ele, essa é a única forma de corrigir o problema e não se pode colocar a população contra os órgãos de controle. “O que atrapalha a política pública é a corrupção”, enfatiza.
Mostrando as divisões que o tema causa dentro do tribunal, Severo não é radicalmente contra o modelo de licitações simplificadas para a Copa do Mundo e as Olimpíadas, questionado na Justiça pelo Ministério Público. “O regime diferenciado não é ruim nem bom. O problema não está nas leis. Qualquer que seja a regra, vai ter alguém tentando burlar”, afirma o candidato. Para o auditor, o importante é manter a fiscalização rigorosa nas obras públicas.
Ouça os principais trechos da entrevista
“O cargo de ministro exige menos articulação e mais conhecimento técnico”
Outras opiniões de Rosendo Severo, candidato a ministro do TCU