Rose, a grande incógnita na eleição da Câmara
Espaço que, segundo ela, corre o risco de ser nenhum na Mesa da Câmara a partir de fevereiro se o seu nome não for acolhido para a presidência. A deputada aponta a sub-representação feminina como apenas uma das provas de que “esta não é uma Casa democrática”. A exclusão, no seu entender, atinge a maioria dos deputados eleitos, privados de ter uma participação de acordo com as suas expectativas em razão das barreiras impostas pelos procedimentos legislativos em vigor e pelo poder imperial da cúpula parlamentar, em especial do colégio de líderes partidários.
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“A desmotivação nesta Casa é maior do que se pensa. Entre os novos parlamentares, é comum ouvir: ‘Não sei o que vim fazer aqui’”, diz Rose, que associa “a prática das últimas administrações” à figura do líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves, apoiado pelos principais partidos para a presidência da Câmara, cargo também almejado por ela.
“Não é todos contra o Henrique. Mas alguns a favor de nova mentalidade para a Casa. Se a Casa não mudar, não me interessa mais ser deputada. Trabalhar igual à escrava Isaura para isso?”, questiona.
Ela também defende mais eficiência por parte dos parlamentares e admite que muitos deles votam muitas matérias sem fazerem a menor ideia do que estão votando. Uma situação que atribui aos erros do processo legislativo atual, no qual poucos decidem quase tudo e quase todos são impedidos de participar ativamente das deliberações. Só vamos sair deste lugar quando a Casa inteira entender que não estamos só legislando em causa própria, que não somos uns preguiçosos, aproveitadores do dinheiro público e desrespeitadores da vontade popular”, arremata Rose.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista que ela deu ao Congresso em Foco.
Congresso em Foco – Por que a senhora decidiu enfrentar um candidato que é líder do seu partido e tem apoio do PMDB e de outros grandes partidos?
Rose de Freitas – Ele é só o líder, não o dono do partido. Um líder que apoiamos. Até sugeri o nome dele para líder há sete anos. A política em que acredito é aquela em que você pode exercer a democracia na plenitude. Faz parte do processo democrático discutir candidaturas e propostas. As pessoas encarnam o papel que elas acham que devem encarnar no processo. Ele teve sempre o nosso apoio. O Henrique tinha compromisso de fazer rodízio na liderança. Reconheço que havia dificuldade em encontrar pessoas que pudessem exercer a liderança com a aceitação que ele passou a ter. Mas sete anos acho muito longo. Falei isso para ele. Poder pelo poder não se justifica. Até a legislatura passada, o PMDB era a maior bancada da Casa. Por isso, teve a presidência pelo Michel Temer, que ganhou a eleição com 257 votos. Ao Michel não faltou nem a competência, nem o apoio nem a identificação de um político realmente credenciado a ser candidato a vice-presidente da República. Não houve no PMDB nenhuma reunião para escolher o nome para a presidência da Câmara. Nós queríamos levantar bandeiras do PMDB que já vêm de muito tempo. No antepenúltimo apoio que dei a Henrique, pedi a ele que fizesse compromisso de encabeçar o movimento pela votação da reforma política. Tínhamos feito compromisso para fazer rodízio na liderança e acabar com as listas para a escolha do líder. Nada disso foi cumprido. Não que ele tenha desafetos no PMDB. Mas há pessoas que querem mudar, oxigenar a liderança do partido. Acho um absurdo a presidenta ter de discutir uma saída agora porque nós não votamos o Fundo de Participação dos Estados no prazo estipulado pelo STF. A minha candidatura não nasceu de uma vontade. Se fosse por vontade, gostaria de terminar algumas coisas como um livro que estou fazendo. Já parei 399 vezes. É o relato de dois personagens, que, oportunamente, quando tiverem alma, falarei deles. E o documentário “Por elas”, que é sobre a violência contra a mulher. Gostaria também de fazer andança pelo Brasil para falar sobre a situação da mulher na política no Brasil. Temos uma presidenta da República porque um operário, com uma visão mais socializada e justa da política, que tinha bom capital político, viu que aquela mulher poderia presidir o Brasil. Se ela fosse para o partido dela disputar, perderia. Se eu fosse disputar no meu partido, também perderia. Porque não há preparação política para essa questão do espaço da mulher. Nossa representação na Casa não chega a 10%. Precisamos de uma mulher para ir para a Mesa, mas os partidos nunca indicaram uma mulher para uma composição, como também não indicariam para a presidência. Quando eu me manifestei, algumas pessoas, como o nosso líder, disseram que iriam brigar para nos dar uma suplência. Eu não aceitei. Anos e anos, nós agora com visibilidade maior, com a primeira mulher na presidência da República…
A senhora foi a primeira mulher a assumir um cargo na Mesa e a presidir uma comissão mista…
Sim, e esse negócio de ser a primeira só é importante se você abrir espaço. Acho que nesta nova Mesa, se eu não for eleita, não haverá nenhuma mulher. Na Mesa atual, éramos cinco disputando. Lógico que contei com a simpatia do Henrique. Eu o apoiei sempre. Não me sinto quebrando regra de convivência com ele, porque a política tem de ter parâmetro. Minha vida está pautada no que acredito que posso fazer com decência. Se tiver de esconder, não está do jeito que penso que deve ser a vida com relação a tudo. Quando sentei ali para trabalhar, fiz levantamento na Casa, vi as mudanças que a Casa queria. Discuti com o Henrique. Minhas conversas todas reportavam sempre às falhas. Fica um contencioso que a gente precisa superar. Não acredito que o Henrique irá mudar a Casa pela forma com que ele exerceu a liderança. Apesar da nossa amizade, porque nós sempre nos tratamos com respeito.
O que a senhora pretende mudar?
Muitas coisas. Esta não é uma Casa democrática. Ela exclui. Há um equívoco muito grande. Esta Casa não tem baixo clero. É um equívoco. Por falta de criatividade ou noção da realidade, as pessoas remontam a episódios lá atrás para justificar falta de entendimento do presente. Nesta Casa, todo mundo está no mesmo nível. Todos têm a mesma linguagem e a mesma postura. Eu, que estou falando como candidata a presidente da Casa, não mudei minha postura. Inseri alguns comportamentos no andamento da sessão, mas eles esbarravam todos no regimento interno, que nunca foi mudado. Basta levantar a voz e solicitar verificação de quórum. Aí não vai ter votação e vai embora.
A senhora quer tornar mais difícil essa verificação de quórum?
Não. Quero torná-la mais ágil. As reuniões sobre pauta devem ocorrer sob amplo conhecimento da Casa. Hoje cada partido diz que esse ou aquele projeto interessa à bancada. Mas a maioria dos deputados nem sabe que o projeto dele poderia ser inserido ali. Essa pauta é feita por um petit comité.
É a chamada ditadura dos líderes?
Sim, ela é menor do que era no passado, porque os líderes hoje sofrem mais pressão dos deputados. No passado, os líderes votavam pelos liderados. A Câmara precisa dar espaço para que os projetos dos parlamentares sejam conhecidos. Entram projetos fantásticos, frutos de debates. Os debates realizados nas comissões, muitas vezes, são de grande importância. Não há nenhuma sintonia entre as comissões e o plenário. No final, só se vota consensualmente nesta Casa. É um erro. Por isso, estamos há 20 anos falando sobre a reforma política. Ou vai com todo mundo aprovando, ou não vai. Ora, isso é impossível, porque a síntese da sociedade brasileira está aqui. Temos uma direita expressiva, o centro, os socialistas… Isso não tem como ser matéria consensual. Tem político que vive aqui desse revezamento de poder. Ele se elege deputado, depois se elege prefeito, bota um vice de confiança. Volta para a Câmara. Em municípios de extrema pobreza, isso funciona como uma mola. E o Brasil vive sucumbindo nesse processo. A sociedade pede reforma política. Coincidência de mandato é unanimidade nacional. E não votamos, porque os políticos que sobrevivem desse expediente não permitem. O líder que quer chegar à presidência não quer contrariá-los. Esta Casa vive do clientelismo e do fisiologismo. Eu sou a que mais defende emendas, porque o governo não vai in locoverificar as necessidades das regiões. Os políticos ganham as eleições em cima disso. Fui a que mais levou recursos para saneamento e água no meu estado. Isso não pode ser plataforma política, tem de ser obrigação do estado e da União. No meu estado, rico e belo, tem região que não tem água para beber. Quando você leva uma emenda parlamentar ou um projeto e o insere no orçamento da União, você vira Deus na região. Isso está errado.
Como mudar isso?
A Casa tem de discutir, na aprovação do orçamento, projetos regionais. As bancadas têm de ter um programa elaborado pelo governo e discutido pelos parlamentares com a inserção das prioridades regionais. Nunca é assim. O deputado atua na ponta, fazendo as emendas de bancada, que nunca saem, ou as individuais. Vamos abrir o debate, antes da elaboração do orçamento pelo Executivo, para que as bancadas regionalmente apresentem suas prioridades e fazer parceria sintonizada com o governo. Outro ponto é que as emendas individuais deveriam ser impositivas. O que estiver lá tem que valer.
Até que ponto a não execução das emendas individuais ao orçamento contribuiu para os problemas que o governo tem enfrentado no Congresso, na votação de projetos como Código Florestal e royalties?
Isso não é novidade do atual governo, todos os governos sempre usaram essa prática de reter a execução do orçamento pelas mais diversas razões. Eu diria até que no governo Dilma a situação melhorou, embora o problema persista. Tanto que defendo que as emendas sejam impositivas. Precisamos ser sinceros. Sou da base governista, mas esse é um governo que já demonstrou várias vezes ter problemas de articulação aqui no Congresso. O governo precisa ser mais claro nessa relação com o Congresso. Definir suas prioridades, dizer claramente e com antecedência, não em cima da hora, qual é a sua posição sobre os principais temas em debate. Ter uma melhor articulação e saber prestigiar os parlamentares que lhe dão sustentação aqui. Defendo o diálogo permanente e democrático com Executivo e Judiciário.
O que mais a senhora pretende fazer para mudar o Congresso?
Quero valorizar a atividade parlamentar, quero aumentar o espaço para projetos de autoria dos deputados, mas também quero que sejamos mais eficientes e que saibamos prestar contas do que estamos fazendo. Não tem sentido esta Casa discutir durante 20 anos a reforma política e não votar nada. É um absurdo a presidenta Dilma ter buscado às pressas um acordo com o Supremo porque não fomos capazes de votar o FPE e deixamos os estados com o risco de não receber esses recursos, sem os quais a maioria dos estados simplesmente não pode funcionar. Não podemos encerrar o ano, como aconteceu agora, sem votar o orçamento. Em 2011, eu me empenhei pessoalmente e [na condição de vice-presidente do Congresso, cargo acumulado pelo primeiro-vice da Câmara] não sosseguei até aprovar o orçamento. A presidenta Dilma me agradeceu por isso. Precisamos tornar ágil a tramitação dos projetos e votar aquilo que a sociedade espera e nos cobra. Também quero mudar a questão das viagens. Hoje, o parlamentar viaja, a Câmara paga, e essas viagens não têm relatório, não há retorno do que se fez com aquilo que se gastou. A Casa tem de mudar. Só pode ser feito isso com finalidade. Ela vai ter de mudar através de exigências básicas. Ninguém quer chatear ninguém, mas o parlamentar precisa no mínimo relatar se o objetivo da viagem foi cumprido, descrever o que ele fez. Outra coisa. Se você convoca sessão extraordinária e está pronto o projeto do parlamentar, tem de votar. A desmotivação nesta Casa é maior do que se pensa. Entre os novos parlamentares, é comum ouvir: “Não sei o que vim fazer aqui. Eu era melhor como deputado estadual. Lá pelo menos estava perto do povo”. Isso é corriqueiro. A cara de paisagem de muitos parlamentares na hora da votação é outro problema. Eles votam pelo painel.
A maioria não sabe o que está votando?
Não sabe. Os avulsos são distribuídos na hora. Mas o problema nem é esse. É que os assuntos em votação não frequentam as reuniões das lideranças, que deveriam ser semanais. O líder deveria mandar uma resenha, toda semana com os assuntos que podem ser votados, as implicações das emendas e dos destaques. Informar se o partido pretende fazer destaque, para que o sujeito saiba o que está votando. Só vamos sair deste lugar quando a Casa inteira entender que não estamos só legislando em causa própria, que não somos uns preguiçosos, aproveitadores do dinheiro público e desrespeitadores da vontade popular.
Esse discurso está embalado para ganhar a eleição?
Não sei se você pensa assim, mas não faço tudo por qualquer coisa, não. Alguém me falou ontem para falar sobre a equiparação dos salários [dos parlamentares] com o (dos ministros do] STF, e não tocar no fim do 14º e 15º salários. Mas tem muita gente nesta Casa que pensa como eu. Não inventei essa candidatura. Outro dia houve um desfile na Mesa de gente me pedindo para que eu me candidatasse à presidência.
Qual a posição da senhora em relação ao fim do 14º e do 15º salários?
Temos de acabar com isso. Já levei essa proposta à Mesa algumas vezes. Você fica sem condição moral de falar com a opinião pública num assunto em que você é o privilegiado da história. Não acho que a maioria seja contra essa mudança. Apresentei a proposta, mas ela não foi votada. O Senado já acabou. Por que nós não acabamos?
Para acabar lá não tem de acabar aqui?
Não necessariamente. Muitos deputados dizem que são a favor, mas que tem gente na bancada que é contra. Então abre-se o painel e vamos votar. Não pode ser decisão de Mesa. Vamos votar e muita gente vai ficar contrariada.
A bancada feminina está fechada com a senhora?
Não pedi até este momento nenhum voto. Agora que estou começando a fazer isso.
Que apoio a senhora tem?
Não posso falar em partido. Tem alguns líderes apontando numa direção e o corpo do partido indo para outra. Montamos grande estrutura para a votação do Michel. Vencemos com 257 votos, no limite. A cabeça do parlamentar funciona também diferente do partido. Na verdade, aumenta sua responsabilidade quando a campanha vai andando. Não tenho a capacidade, talvez seja algo do meu inconsciente, para somar ou prever votos. Quando abri o carômetro [lista com foto de cada parlamentar e a tendência de voto] ontem, vi numa página, com 20 parlamentares, que tínhamos 12 votos. Na outra, tínhamos só um. Não vou olhar mais isso. Fui dormir com isso na cabeça. Vomitei de madrugada.
Num eventual segundo turno, todos os demais candidatos vão se unir contra Henrique?
Fiquei até com pena do Henrique do jeito que você falou. Todos contra Henrique? O nome não é importante. Ele tem de ter uma proposta que consiga ganhar a confiança da Casa. É preciso ressaltar que não há nada de pessoal nisso. Minha relação com o Henrique sempre foi excelente, de simpatia e carinho. A gente conversa. Lógico que ele queria que eu tivesse o apoiando. Ele também poderia estar apoiando minha candidatura. A prática das ultimas administrações teve a parceria dele. Ele também fez parte dessa casta pequena que excluiu os demais e não discutiu as coisas. Quem disse que a gente queria votar o Código Florestal daquele jeito? Não é todos contra o Henrique. Mas alguns a favor de nova mentalidade para a Casa. Se a Casa não mudar, não me interessa mais ser deputada. Trabalhar igual à escrava Isaura para isso?
E por que, como na primeira vice-presidência da Câmara, a senhora não fez essas mudanças?
Porque estava fora do alcance. Tentar, levar essas discussões para a Mesa, eu levei. Mas eu não tive nunca o poder para fazer temas como a reforma política andarem.
A senhora pretende sair candidata ao governo do Espírito Santo em 2014?
Nós estamos mal no Espírito Santo. A violência aumentou bastante. Sou superamiga do Renato [Casagrande, governador do Espírito Santo], mas eu o critico. Quem trabalha pelo governo aqui sou eu. Nós perdemos escolas, o governo não adéqua, é difícil. Mas o governo não está nos meus planos. Tenho sido incentivada a disputar o Senado, mas não sei. Vamos ver.
Se houver segundo turno entre Júlio Delgado e Henrique, a senhora apoiará Júlio?
Tenho grande tendência de apoiar o Júlio, porque ele está na linha da mudança. A menos que o Henrique nos convença – e vai ter de ser com documento em cartório assinado e com reconhecimento de firma – porque todos os anos tudo entre a gente foi na palavra. A última promessa dele era priorizar a reforma política.