Istoé
Uma ONG da saúde no esquema de Agnelo
Pela primeira vez desde que foi revelado o esquema montado pelo atual governador do DF, Agnelo Queiroz, no Ministério do Esporte, surge uma testemunha que não tem envolvimento político no caso. Hematologista com mais de 30 anos de serviço público, a médica Jussara Oliveira Santa Cruz de Almeida não é ligada a nenhum partido político, é bem-sucedida e reconhecida internacionalmente por seu trabalho com hemofílicos. Há dois anos, recebeu um certificado da Federação Internacional de Hemofílicos atestando proficiência na área. Este ano, porém, na condição de dirigente da Associação dos Voluntários, Pesquisadores e Portadores de Coagulopatias (Ajude-C), Jussara se viu arrolada pelo TCU, teve suas contas reprovadas e foi condenada a devolver à União mais de R$ 300 mil. Na semana passada, em entrevista à ISTOÉ, a hematologista abriu o jogo e explicou como tudo aconteceu. Disse que foi usada pelo esquema de Agnelo de desvio de recursos do Esporte por meio de ONGs e acabou virando sua cúmplice. “Tínhamos que cumprir uma série de requisitos, fazer licitações, prestar contas de pagamentos a fornecedores. Eles, então, me apresentaram ao João Dias, dizendo que ele poderia me ajudar”, afirma a médica.
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Ela e Agnelo, que também é médico, se conheceram nos tempos de residência no Hospital de Base, de Brasília. A amizade foi o que levou a médica a procurar o então ministro em busca de apoio para projetos envolvendo a prática esportiva no tratamento da hemofilia por meio da Ajude-C. A parceria começou em 2004, quando o Ministério apoiou a realização da I Olimpíada Latino-americana de Portadores de Coagolupatia. Foi através de Agnelo que Jussara caiu na teia do esquema pilotado por João Dias.
A médica foi apresentada ao policial militar João Dias, durante um congresso de capacitação de gestores, por meio de outra funcionária do ministério, chamada Racilene Santiago, a Lene, esta indicada a Jussara por Rafael Barbosa. Logo depois, o policial militar a levou ao comerciante Miguel Santos Souza, responsável por criar empresas laranjas e recrutar ONGs fantasmas, conforme revelou ISTOÉ em sua última edição. Jussara Almeida conta que Miguel ficou responsável por toda a parte legal, organizando pregões de fachada e emitindo notas frias. As empresas que participaram da concorrência funcionavam no mesmo endereço, na 711 Norte. Quem venceu a licitação fraudulenta da Ajude-C foi a JG Comércio, a mesma que conseguiu contratos em cinco ministérios, no STF e nas Forças Armadas. O esquema para prestação de contas era todo forjado, desde as notas fiscais até os contratos com entidades parceiras. Segundo Jussara, que conseguiu dois convênios num total de R$ 280 mil, João Dias arrumava tudo. Quando havia alguma pendência que o policial não conseguia resolver, a médica ligava diretamente para o ministro que, por sua vez, indicava Rafael.
Propina no ministério de Lupi
Uma acusação pesada bate às portas do gabinete do ministro do Trabalho, Carlos Lupi. Além das denúncias envolvendo o desvio de dinheiro público por meio de ONGs, agora o gabinete do ministro é acusado de extorquir sindicatos para desviar recursos do imposto sindical à central controlada pelo PDT e por assessores de Lupi. Quem faz a denúncia é o presidente do Sindicato de Trabalhadores em Bares e Restaurantes da Baixada Santista, Litoral Sul e Vale do Ribeira (Sindrest), João Carlos Cortez. Na semana passada, ele gravou uma entrevista à ISTOÉ, na qual afirma que existe um esquema de venda de cartas sindicais montado dentro do Ministério do Trabalho. O sindicalista afirma que “tudo é operado por pessoas ligadas diretamente ao ministro”, que falam e agem em nome dele. “Prometeram reativar nosso registro desde que eu repassasse um percentual da arrecadação do sindicato”, afirma Cortez. “Exigiram-me propina numa sala do gabinete onde funciona a Secretaria de Relações do Trabalho”. O caso aconteceu no fim de julho de 2007. Ele conta que procurou Lupi para tentar regularizar o registro de sua entidade. Segundo ele, foi marcada uma reunião pelo deputado federal Paulo Pereira da Silva, o Paulinho da Força (PDT-SP). Ela aconteceu no quarto andar do ministério, na sala onde despachava o então secretário de Relações do Trabalho, Luiz Antônio de Medeiros – homem da total confiança do ministro.
Cortez alega que não tinha ideia de que estava diante de um esquema ilegal de arrecadação. Em seguida, diz ele, na presença de todos, perguntou o que poderia ser feito e mostrou um parecer da AGU favorável à regulamentação do seu sindicato. Carneiro, um ex-policial federal que acompanha Lupi há anos, sorriu e falou para o sindicalista ficar tranquilo. “Vamos resolver o seu problema, me disse.” Em seguida, Lourenço explicou o que precisava ser feito. Em vez de procedimentos burocráticos, o sindicalista recebeu uma orientação pouco republicana. “Me fizeram uma proposta indecente, um pedido de propina ali dentro do ministério”, conta. Coagido, ele aceitou. “Eu não tinha outra saída,” justifica. O pedágio consistia em repassar à conta bancária da Força Sindical (central ligada ao PDT e comandada pela dupla Paulinho-Medeiros) um total de 60% de toda a arrecadação sindical que seria obtida pelo Sindrest nos três anos seguintes. Um valor superior a R$ 12 milhões, segundo cálculos do próprio Cortez, com base nos 100 mil trabalhadores que compõem a categoria na região de atuação do sindicato e que têm descontados seus contracheques anualmente em cerca de R$ 205.
O negócio, segundo o sindicalista, teria sido sacramentado duas semanas depois. Luciano Martins Lourenço marcou novo encontro com Cortez, desta vez em Santos (SP), numa tradicional padaria perto do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas da Baixada Santista (Sindquim). Lourenço, além de presidente do PDT de Santos, é membro da diretoria do Sindquim. Enquanto tomavam um café, ele retirou de uma pasta três folhas de papel e mandou Cortez assiná-las. Consistiam num chamado “Termo de Compromisso de Doação”, pelo qual João Carlos Cortez, na qualidade de presidente do Sindrest, se comprometia a realizar os repasses pré-combinados nos anos de 2008, 2009 e 2010. “O Luciano me disse que estava a mando do deputado e do Medeiros, que falava em nome do ministro Lupi. Ele levou os documentos prontos para eu assinar. O termo de compromisso, a título de doação à Força Sindical, servia para encobrir, na realidade, o pagamento da propina. Tudo foi presenciado por outro diretor do Sindrest, Luiz Claudino da Silva”, diz Cortez. Depois daquele dia, o sindicalista diz ter participado de várias audiências com Medeiros e Luciano Lourenço, além de assessores, tanto no gabinete em Brasília como na Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo, onde o secretário também fazia plantão. Passados alguns meses, no entanto, a situação do sindicato não foi regularizada. Cortez suspeita que o grupo de Lupi sofreu pressão de lideranças do PDT em São Paulo, como Francisco Calazans Lacerda, presidente do Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares de São Paulo (Sinhores).
Bancada acima da lei
Na política brasileira, há vícios de todos os tipos. O expediente é curto, as mordomias são grandes e a impunidade garante os desvios de conduta. As Casas Legislativas têm servido até mesmo de refúgio para gente que, segundo decisão dos Tribunais Superiores, poderia estar na cadeia. ISTOÉ mapeou os casos registrados nas diferentes esferas judiciais e encontrou nada menos do que 15 condenados à prisão que continuam a exercer seus mandatos parlamentares. Há exemplos por toda parte. No Congresso, dois deputados federais, Natan Donadon (PMDB-RO) e Asdrúbal Bentes (PMDB-PA), já foram julgados em última instância e condenados pelo Supremo Tribunal Federal, mas, graças a recursos, eles continuam nos cargos com tudo a que têm direito. Os crimes desses dois deputados são de naturezas distintas. Donadon foi condenado a 13 anos de reclusão por desvio de recursos públicos e peculato, enquanto Asdrúbal Bentes recebeu pena de três anos de prisão por praticar esterilização cirúrgica em troca de votos. Graças a embargos declaratórios, em que pedem explicação para as sentenças, ambos continuam a circular livremente pelos corredores do Congresso.
A Justiça também já tentou mandar para a cadeia os deputados Anthony Garotinho (PR-RJ) e Paulo Maluf (PP-SP). No caso do ex-governador do Rio de Janeiro, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região condenou-o a dois anos e seis meses de prisão por formação de quadrilha. Mas a pena foi revertida em serviços comunitários aliada à proibição de assumir cargos públicos. Mesmo assim, Garotinho recorreu e segue exercendo seu mandato na Câmara. No caso de Paulo Maluf, que responde a mais de 20 processos, uma dezena de pedidos de prisão se acumula e o ex-governador de São Paulo está na lista negra da Interpol. Se deixar o Brasil, Maluf pode ser preso na primeira escala internacional. Enquanto esperam que seus recursos caminhem na fila dos milhares de processos pendentes no STF, políticos como Donadon ainda legislam em causa própria. Apresentam projetos de lei que muitas vezes servem justamente para aumentar o espaço para a corrupção. É de autoria do peemedebista, por exemplo, uma proposta que cria órgãos destinados a fiscalizar os Tribunais de Contas nos Estados e a que permite que empresas inidôneas continuem executando contratos com órgãos públicos, mesmo depois de denunciadas. Maluf, por sua vez, é padrinho da polêmica proposta que limita os poderes do Ministério Público, seu principal algoz.
Recaída ruralista
A exemplo do que aconteceu na Câmara, os ambientalistas esperavam que o governo atuasse para diminuir a influência ruralista sobre o texto do novo Código Florestal, durante a votação no Senado. Na Câmara, o relator foi o deputado Aldo Rebelo (PCdoB), hoje ministro do Esporte, sensível às causas dos setores ligados ao agronegócio. Mas o Planalto tornou o projeto mais equilibrado, graças às pressões, no início do ano, do então ministro da Casa Civil, Antônio Palocci. Na última semana, porém, o governo praticamente ignorou a votação da proposta no Senado. Essa omissão permitirá que o relator, senador Luiz Henrique (PMDB-SC), flexibilize as normas que impõem regras para a recuperação de Áreas de Preservação Permanentes (APPs). Pequenos e médios proprietários ficarão isentos da obrigação de recompor as áreas agredidas, quando o projeto inicial obrigava todos os proprietários de terras em margens de rios a recuperar a mata ciliar. O comportamento do Executivo tem sido criticado por especialistas, que o acusam de colocar o destino da legislação nas mãos de políticos ligados ao agronegócio. “A impressão que temos é que o governo desistiu do Código Florestal. Está atuando como esquizofrênico nesse processo e o resultado disso é esse retrocesso de lei prestes a ser aprovada”, comenta Marcio Astrini, representante do Greenpeace no Brasil.
Devido à inércia do governo, na semana passada, quando se depararam com propostas de emendas capazes de dar um novo rumo ao código, hoje com um claro viés ruralista, os senadores trataram de adiar as votações para etapas seguintes. Foi o que fizeram com uma mudança defendida pelo senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), que aumenta as áreas abrangidas pelas regras de reflorestamento. “Acredito que vamos conseguir aprovar melhorias, apesar das críticas que a proposta vem recebendo”, diz o senador Rollemberg. O otimismo do parlamentar, no entanto, não parece retratar nem de longe o sentimento da sociedade. Ao perceberem a ausência do governo nas discussões, ambientalistas e estudantes partiram para a guerra por conta própria. Manifestantes invadiram o Senado, xingaram parlamentares e foram agredidos pelos seguranças da Casa. Do outro lado do ringue, políticos proprietários de terras ameaçaram se rebelar caso as mudanças que desejam não sejam aprovadas.
Um STF menos conservador
Nem sempre o cavalo que larga na frente, nas tradicionais corridas de cancha reta no Rio Grande do Sul, acaba vitorioso. Muitas vezes o vencedor desponta a poucos metros da chegada. Na acirrada disputa pela vaga aberta com a aposentadoria prematura da ministra Ellen Gracie no Supremo Tribunal Federal, o resultado também trouxe surpresa. Sabia-se que a cadeira de Ellen, a primeira mulher a chegar ao STF, permaneceria em poder do sexo feminino. E muitos nomes foram citados nos últimos três meses, entre eles os de ministras do Superior Tribunal Militar, do Superior Tribunal de Justiça e também de advogadas e promotoras experientes. Mas a escolhida pela presidente Dilma Rousseff foi a gaúcha Rosa Maria Weber, 63 anos, atual ministra do Tribunal Superior do Trabalho. Torcedora fanática do Internacional, Rosa fará companhia à mineira Cármen Lúcia e aos demais nove ministros do STF até 2018. “O Supremo ganha uma magistrada exemplar de sólida formação jurídica e humanística”, festejou o presidente do TST, ministro João Orestes Dalazen.
Não se trata de uma mudança rotineira. A chegada de Rosa Weber ao STF altera o equilíbrio da balança na mais alta corte da Justiça brasileira. Ellen Gracie costumava se aliar à ala “legalista” do tribunal, como são chamados os ministros que definem seus votos estritamente pela letra fria da lei. Com Ellen, o lado de perfil mais conservador geralmente prevalecia nos julgamentos, somando seis votos contra cinco dos juízes qualificados como “humanistas” – aqueles que preferem interpretar as leis levando em conta as demandas sociais do País. Com a aposentadoria de Ellen Gracie, os empates vinham sendo comuns nos julgamentos do STF. Por esta razão, inclusive, o presidente do STF, Cezar Peluso, pressionava para que a presidente Dilma Rousseff definisse logo a nomeação de um novo ministro. Rosa Weber, reconhecida entre seus pares como uma juíza mais progressista, não vai apenas desempatar as votações, mas tende a virar o jogo em favor dos “humanistas”. A posse da nova ministra, prevista para fevereiro, poderá representar uma guinada expressiva no STF.
Época
Chantagens, propinas e contradições
O patrimônio do governador Agnelo Queiroz aumentou 413% entre 2006 e 2010. Personagens do submundo de Brasília o acusam de se beneficiar de desvios de dinheiro público nesse período. O passado recente do governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT), bate a sua porta a todo momento. Nas últimas semanas, Agnelo foi atingido por uma sequência de denúncias sobre suas passagens pelo Ministério do Esporte e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nos dois casos, Agnelo se atrapalhou nas explicações. Falta esclarecer suas verdadeiras relações com o policial militar João Dias, responsável por desvios de dinheiro público de convênios do Esporte. Nesse caso, o governador terá oportunidade de apresentar suas justificativas ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Agnelo não convenceu ao tentar justificar um depósito de R$ 5 mil em sua conta bancária feito por Daniel Almeida Tavares, um lobista do setor farmacêutico. Disse que o dinheiro era o pagamento de um empréstimo pessoal. A Polícia Federal investiga as acusações de que, na Anvisa, Agnelo beneficiou grandes laboratórios em troca de doações para sua campanha eleitoral de 2010. No rol de suspeitas, há casos mais graves. Agnelo é acusado de receber propina nos dois cargos ocupados no governo Lula.
Agnelo também tem dificuldades para explicar o crescimento de seu patrimônio no período em que pertenceu ao governo federal. ÉPOCA teve acesso a um processo que tramita na Justiça Federal no Rio de Janeiro. Nele estão anexadas suas declarações de Imposto de Renda entre 2003 e 2007. Não há bens declarados, apenas rendimentos auferidos com salários. Agnelo afirma que seus bens estão registrados no Imposto de Renda de sua mulher, Ilza Maria Santos Queiroz. À Justiça Eleitoral, no entanto, a cada eleição que disputa, Agnelo apresenta declaração sobre seus bens. Chama a atenção nessas declarações o salto do patrimônio próximo de 413% entre 2006 e 2010. Em 2006, quando se candidatou ao Senado, Agnelo relacionou bens – contas bancárias, três automóveis e um apartamento – com valor declarado de R$ 224 mil. Naquele ano, Agnelo declarou ter recebido R$ 187.899 de remuneração. Desse valor, Agnelo doou a seu partido de então, o PCdoB, R$ 42.368 – o equivalente a 22,7% de sua renda bruta.
A maior batalha de Lula
Um câncer na laringe, provavelmente causado pelo cigarro, ameaça a voz do ex-presidente da República. Como Lula enfrenta o tratamento e qual o impacto da doença no jogo político de 2012. Foi no grito que o operário Luiz Inácio Lula da Silva liderou as assembleias e as greves no ABC paulista no fim dos anos 1970 e começo dos 1980. Uma das imagens mais marcantes do período é Lula discursando para uma multidão no Estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, sem microfone. Cada frase sua era repetida pelos mais próximos, depois repassada para a turma de trás, formando uma onda que levava a mensagem até as bordas mais distantes do estádio. Falando e discursando demais, Lula fundou o PT, defendeu as Diretas Já, chegou à Presidência, foi reeleito e construiu uma sucessora. No gogó, encantou plateias selecionadas até se firmar como um fenômeno de popularidade internacional. Para horror dos detratores e orgulho dos fãs, Lula não consegue ficar calado.
Nos próximos meses, Luiz Inácio Lula da Silva deve falar menos. O câncer de laringe diagnosticado no dia 28 de outubro o obrigará a poupar a voz. Lula tem pela frente uma luta árdua para se manter vivo e preservar sua razão de viver. Num vídeo de agradecimento gravado na última terça-feira, pouco antes de deixar o Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, Lula dá mostras da importância que atribui A sua capacidade de mobilizar as pessoas por meio da fala. “Lamento não poder dizer um ‘companheiros e companheiras’ bem forte.” Com a voz cheia de falhas, despede-se assim: “Até a primeira assembleia, o primeiro comício ou o primeiro ato público”. Lula tem consciência de que, na essência, é aí que reside seu maior talento. A voz do ex-presidente Lula, caracteristicamente rouca, não era a mesma havia cinco semanas, quando ele fez uma palestra remunerada para o Banco Santander, em Londres. Na plateia, estava José Camargo, seu amigo e conselheiro do Instituto Lula. Segundo Camargo, a alteração no timbre de voz era perceptível. Cansado e indisposto, em decorrência de problemas estomacais, Lula fez uma opção pouco fiel a seu estilo: leu um discurso ao longo de quase 60 minutos. Não empolgou. Terminado o evento, saiu rapidamente. “Ele estava muito diferente do orador que, meses antes, arrancou aplausos em pé dos funcionários da Telefônica na mesma Londres”, diz Camargo.
O Rio vai ficar nu?
Dono de 80% da produção nacional de petróleo, o Estado luta para não perder dinheiro com a aprovação de novas regras para a distribuição de royalties. A palavra royalty vem do inglês royal (real). Surgiu na Idade Média. Era uma taxa paga ao rei pela extração de recursos naturais. No Brasil do século XXI, o Rio de Janeiro, dono de 80% da produção nacional de petróleo, é o rei dos royalties. Recebe 45% do valores pagos no país. Uma nova lei de distribuição do benefício, porém, pode fazer o Rio perder a majestade. Caso seja aprovada, o Estado passaria a receber 20%. Seriam R$ 48,9 bilhões de perdas até 2020. O rei, ou melhor, o Rio ficaria nu? O Estado luta para não perder. Na quinta-feira, um protesto organizado pelo governador Sérgio Cabral reuniu cerca de 150 mil pessoas. Caravanas de 92 municípios engrossaram a multidão. Políticos de partidos diversos apareceram. Nenhum discursou. A atriz Fernanda Montenegro leu um manifesto. Artistas como Lulu Santos e Xuxa subiram ao palco.
Hoje, 61% dos royalties vão para Estados e municípios produtores. Com as alterações, esse índice diminuiria gradualmente até chegar a 24% em 2019. O Brasil passaria a ser o único país do mundo onde Estados que produzem petróleo – e sofrem com danos ambientais e explosão populacional – recebem menos que o conjunto dos que nada produzem. Isso não ocorre em nenhum dos 13 países pesquisados pelo professor de finanças públicas italiano Giorgio Brosio, num trabalho para as Nações Unidas. A disputa pelos royalties começou com a descoberta do pré-sal. Uma emenda do ex-deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) estabeleceu que os Estados não produtores também entrem na partilha. Aprovada pela Câmara, foi vetada pelo presidente Lula em 2010. Mas a discussão da divisão dos royalties foi retomada pelo Congresso – e a situação piorou para o Rio. Uma nova proposta, de autoria do senador Vital do Rego (PMDB-PB), prevê uma nova fórmula de distribuição já em 2012, mesmo sem pré-sal. “Querem garantir o dinheiro para as eleições”, diz o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ). O projeto de Vital passou pelo Senado e agora vai para a Câmara, sem previsão de votação. Depois, seguirá para sanção ou veto da presidente, Dilma Rousseff.
Carta Capital
Há vagas para novas lideranças
Ao não discursar na manifestação de defesa dos royalties do petróleo, que reuniu milhares de pessoas na Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, o governador Sérgio Cabral deu uma clara demonstração de falta de liderança. Circula bem entre poderosos – apesar de não estar sabendo lidar bem com a presidente e com os representantes do Rio no Congresso – mas perde cada vez mais o traquejo com o público, ao qual por vezes qualifica de vândalo e vagabundo, dependendo do assunto e da oportunidade de mostrar sua força.
O evento, da maior importância, que provocou um ponto facultativo na cidade, com transportes gratuitos na parte da tarde, reuniu cariocas em torno de uma causa que representa a saúde econômica do Estado e dos municípios. Mas muitos deixaram de comparecer. Talvez, em função de quem ocuparia o palanque principal. Por um lado, o prefeito Eduardo Paes não é um bom orador e tem uma trajetória política confusa. Fez parte de uma oposição dura ao ex-presidente Lula, mas, no final, pela força das circunstâncias, deu as costas para os tucanos e beijou a mão do ex-presidente, pregando a estrela petista na lapela – e se transformou no principal aliado do PMDB na cidade. Até quando, não se sabe. Os ventos podem mudar de direção. A administração de Cabral, por sua vez, é marcada por aspectos muito contraditórios. Bons por um lado, muito ruins por outro, o que impede que a população o reconheça como uma liderança confiável. Os êxitos da política de segurança de José Mariano Beltrame, por exemplo, reforçados ontem pela prisão de Nem, o chefe do crime organizado da Rocinha, a principal favela da Zona Sul da cidade, contrastam com denúncias de superfaturamento de obras e serviços, além de favorecimento de empreiteiras no Estado. Sem falar das frequentes viagens do governador ao exterior e do abandono das obras de recuperação da Região Serrana, depois das trágicas chuvas de janeiro de 2011.
Reforma política, a indigesta macarronada
“Uma vez, há muito tempo, eu disse a Ulisses Guimarães que estava preocupado com o nível dos parlamentares no Congresso Nacional. E ele me respondeu: ‘Você não viu nada ainda, aguarde’”. Essa frase, citada por Luiz Gonzaga Belluzzo, economista e conselheiro editorial da CartaCapital, resume parte dos motivos de o Brasil precisar de uma ampla reforma política. Belluzzo a citou durante o encontro Caminhos Estruturais, organizado pelo Fórum de Líderes Empresariais, em São Paulo, na sexta-feira (11), organizado para discutir o tema. Belluzzo debateu sugestões para a reforma ao lado do empresário Ricardo Young, candidato a senador pelo PV na eleição passada, e do sociólogo Luiz Felipe D´Ávila, diretor-presidente do CLP (Centro e Liderança Pública). O economista ressalta a necessidade de fazê-la em um momento em que, ao seu ver, a política mundial gera insatisfações múltiplas em vários países do mundo. “Quem tem poder, vai usá-lo, e a política tem ficado cada vez mais refém da economia, sobretudo a financeira. A política foi capturada pelo sistema financeiro, então deixa de responder pelos anseios da população. O (movimento) Occupy Wall Street surgiu daí”, diz. A discussão sobre a reforma política no Brasil existe há vários anos e segue empurrada com a barriga na Câmara dos Deputados. A partir dela seria modificada parte da estrutura de governança e, consequemente, das eleições brasileiras. O projeto que está para ser discutido tem aproximadamente 200 emendas de parlamentares. Ou seja: virou um monstro do Doutor Frankenstein. “Nestes moldes, nunca vamos aprovar uma reforma política neste País”, diz Luiz Felipe D´Ávila.
As duas faces de FHC
Pelas funções que ocupou, Fernando Henrique Cardoso é o mais conhecido e ilustre integrante da oposição aos governos do PT. Criticar é um direito natural do cidadão e no caso de FHC é, além de tudo, tarefa partidária. No artigo que escreve semanalmente para o jornal O Globo ele atacou, no domingo 6, o problema da corrupção a partir da demissão de ministros do governo decididas por Dilma, a partir de denúncias veiculadas pela imprensa. “Há (…) uma diferença essencial na comparação do que se vê hoje na esfera federal. Antes, o desvio de recursos roçava o poder, mas não era condição para o seu exercício. Agora os partidos exigem ministérios e postos administrativos para obter recursos que permitam sua expansão, atraindo militantes e apoios com as benesses que extraem do Estado.” A tese do sociólogo, que se espatifa diante dos fatos, é a de que a corrupção a partir do governo Lula tornou-se sistêmica. Dias antes, no mesmo jornal, o sociólogo tucano Bolívar Lamounier feriu a mesma corda. Desavisado, lamentou que a corrupção agora estivesse sem controle. Deixa -entrever que, sob controle, a corrupção seria tolerável. Eu não acho.
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