CARTA CAPITAL
Roberto Gurgel: Uma estranha mudança de parecer a favor do banqueiro Daniel Dantas
Às vésperas da aposentadoria, Roberto Gurgel, em parceria com a mulher, altera de forma inexplicável um parecer e aceita acusações falsas contra o deputado Protógenes Queiroz
Em boa medida, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, caminhava para uma aposentadoria tranquila. Desde a sua recondução ao cargo, em 2011, havia se tornado símbolo de um moralismo seletivo e, por consequência, ídolo da mídia. O desempenho no julgamento do “mensalão” petista o blindou de variados lapsos e tropeços, digamos assim, entre eles o arquivamento das denúncias contra o senador goiano Demóstenes Torres, dileto serviçal do bicheiro Carlos Cachoeira, como viria a demonstrar a Operação Monte Carlo.
A três meses de se aposentar, Gurgel decidiu, porém, unir-se à frente de apoio ao banqueiro Daniel Dantas. E corre o risco de se dar muito mal. Em uma decisão inusual no Ministério Público Federal, ele e sua mulher, a subprocuradora-geral da República Claudia Sampaio, alteraram totalmente um parecer redigido por eles mesmos um ano e três meses antes. Não é só a simples mudança de posição a despertar dúvidas no episódio. Há uma diferença considerável entre os estilos do primeiro e do segundo texto. E são totalmente distintas a primeira e a segunda assinatura da subprocuradora-geral nos pareceres.
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O alvo principal da ação é o deputado federal Protógenes Queiroz, delegado federal responsável pela Operação Satiagraha, investigação que levou à condenação em primeira instância de Dantas a dez anos de prisão. Há duas semanas, Gurgel e Claudia Sampaio solicitaram a José Dias Toffoli, ministro do Supremo Tribunal Federal, o prosseguimento de um inquérito contra o parlamentar que a própria dupla havia recomendado o arquivamento. Pior: basearam sua nova opinião em informações falsas provavelmente enxertadas no processo a pedido de um advogado do banqueiro, o influente ex-procurador-ge-ral da República Aristides Junqueira.(…)
Nesse primeiro texto, Gurgel e Claudia Sampaio anotam: “O Ministério Público requereu a declaração de incompetência do citado juízo para processo e julgamento do feito (…); a declaração de nulidade da prova colhida de ofício pelo magistrado na fase pré-processual, bem como o desentranhamento e inutilização”.
O segundo parecer é completamente diferente. Em 12 de março deste ano, o casal solicita a Toffoli vistas dos autos. Alegam, no documento, que um representante de Dantas os procurou “diretamente” na PGR com “documentos novos”. O representante era Junqueira, e os “documentos novos”, informações sobre uma suposta apreensão de dinheiro na casa de Queiroz e dados acerca de bens patrimoniais do delegado. Tudo falso ou maldosamente distorcido.
Pela hora da morte: Por que o Brasil está tão caro
O Brasil parece imerso em uma loucura coletiva. Comprar um imóvel, irao restaurante, mobiliar a casa, adquirir um carro, cortar o cabelo, fazer as unhas, recorrer a um eletricista… Pense em um produto ou serviço consumido por qualquer classe social e o valor, se não foro mais alto do mundo, invariavelmente estará entre os maiores. Duvida? Vejamos alguns exemplos:
No Rio de Janeiro, São Paulo e capitais do Nordeste, é possível encontrar apartamentos de 200 metros quadrados vendidos por 4 milhões de reais. Há inclusive imóveis de altíssimo luxo por 30 milhões, no caso da capital carioca, um dos epicentros da escalada de preços no País. Às vésperas da Copa e a caminho das Olimpíadas, além dos investimentos atraídos pela exploração de petróleo na camada do pré-sal, a capital carioca tem no bairro do Leblon o metro quadrado mais caro do País, “desempenho” favorecido por seu tamanho diminuto (215 hectares onde vivem 46 mil habitantes em 22 mil residências).
São consultas médicas de 600 reais ou mais. Restaurantes cuja conta subiu, segundo calcula o IBGE, 140% na última década, com variações ainda maiores nos estabelecimentos mais vistosos (e nem sempre os melhores). Mensalidades escolares para crianças de 6 ou 7 anos a partir de mil reais.
Em uma loja especializada em São Paulo, um laptop MacBook Pro (tela de 15 polegadas e 4 gigabytes de memória), da Apple é vendido por 8 mil reais. O mesmo modelo é encontrado pelo equivalente a 3,9 mil reais em Nova York. A diferença paga uma passagem aérea na baixa temporada, o que explica o fato de ir às compras em Miami ter virado um hábito para uma parcela de brasileiros.
Vitimados pela síndrome punitiva
O governo vai rever as regras que engessam a pesquisa nas universidades
O GOVERNO DILMA Rousseff vai voltar atrás em uma polêmica decisão que causou alvoroço nas universidades federais e recebeu críticas contundentes de reitores e pesquisadores. Desde fevereiro, as instituições de ensino superior estavam proibidas de utilizar fundações de apoio à pesquisa para captar recursos. E mais: o montante arrecadado por elas em empresas teria de passar primeiro pelo caixa federal, em vez de ser usado por conta própria nas universidades. A intenção era melhorar o controle do dinheiro, afirma o governo. Para a comunidade científica, as pesquisas estavam ameaçadas pelo excesso de burocracia.
As regras prestes a serem revistas integram uma “Coletânea de Entendimentos” que impôs um padrão de comportamento financeiro às universidades federais e às escolas da rede federal de educação profissional, científica e tecnológica. Enviado às 59 universidades e 40 escolas técnicas, o calhamaço de 122 itens foi feito com base em leis existentes e em jurisprudências de tribunais. Foi a saída encontrada pelo Ministério da Educação e pela Controladoria-Geral da União para enquadrar as instituições de ensino de forma rápida e sem editar novas leis ou decretos.
VEJA
Dudu traz a tempestade
O homem da foto diz ser o dono de meio milhão de reais achados na cueca de dois passageiros flagrados no aeroporto de Brasília. É mentira. Os donos são outros. E Dudu é só a ponta de um grande escândalo prestes a estourar
Um passageiro flagrado no portão de embarque de um aeroporto com muito dinheiro vivo em seu poder não chega a ser uma novidade no Brasil. Tampouco causa grande surpresa se o tal passageiro tiver escolhido, como local para acondicionar as notas, suas roupas íntimas. Tudo isso já se viu — e tudo isso se repetiu na manhã do último dia 16 no Aeroporto Juscelino Kubitschek, em Brasília. Nesse dia, uma quinta-feira, a Polícia Federal flagrou dois homens que tentavam embarcar para o Rio de Janeiro com 465.000 reais escondidos em suas meias e cuecas. A dupla foi detida para esclarecimentos e o dinheiro, apreendido. Horas depois, um terceiro homem se apresentou à polícia dizendo ser o dono da bolada. Identificou-se como Eduardo Lemos, disse que os homens eram seus funcionários e que a quantia se destinava a comprar um imóvel no Rio. Indagado sobre os motivos de ter recorrido ao método (ainda) pouco usual para transporte de dinheiro, respondeu apenas que carregar valores em espécie não é crime. E ainda esnobou os policiais: para ele, o quase meio milhão de reais apreendidos nem era “tanto dinheiro assim”. Para comprovar o que dizia, fez questão de exibir o relógio de 120.000 reais que carregava no pulso e de informar que havia chegado ao prédio da polícia a bordo de um Porsche. O homem declarou ainda não ter nenhuma relação com políticos e disse que o dinheiro que seus empregados carregavam não provinha dos cofres públicos. A realidade é bem diferente, conforme apurou a reportagem de VEJA. Eduardo Lemos, na verdade, é Carlos Eduardo Carneiro Lemos, um operador de mercado conhecido por fazer negócios com fundos de pensão de empresas estatais, e o flagrante em que ele acaba de se envolver é o princípio de um grande escândalo.
Ao contrário do que disse aos policiais, Dudu, como é chamado pelos amigos, tem excelentes contatos no mundo da política. Por essas conexões, foi parar há oito anos no banco da CPI dos Correios, que investigou o mensalão. Lá, teve de dar explicações sobre transações milionárias que fez quando ocupava o cargo de gerente de investimentos da Prece, o fundo de pensão dos funcionários da companhia de saneamento do Rio. Ele foi escolhido para o cargo pelo PT — mais precisamente por Marcelo Sereno, homem de confiança do ex-ministro José Dirceu —, com a bênção do aliado PCdoB. No posto, Dudu comandou operações que contribuíram para um prejuízo de mais de 100 milhões de reais ao fundo, pelas contas da própria CPI. As transações funcionavam da seguinte forma: corretoras amigas compravam papéis de pouco valor no mercado e os repassavam à Prece por um preço muito acima do real. O fundo ficava com o prejuízo, Dudu e seus amigos, com os lucros da operação. Era ele o responsável por autorizar os negócios. No ano passado, os golpes lhe renderam uma punição da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Num veredicto inédito em processos que envolvem fundos de pensão, ele foi condenado a pagar uma multa de 3,3 milhões de reais. Também em 2012, Dudu foi formalmente acusado pelo Ministério Público Federal de tramar operações prejudiciais aos cofres de outros dois fundos — a Refer, dos funcionários da Rede Ferroviária Federal, e o Núcleos, da Eletronuclear.
Apesar de ter sido investigado e condenado, continuou operando. Hoje, usa como fachada a Fides Advisor Consultoria Financeira, aberta há pouco menos de dois anos, que tem como sede uma sala de escritórios virtuais num bairro nobre de Manaus. A empresa, que ele fundou em sociedade com um amigo, é apontada como fonte dos 15 milhões de reais que o operador diz faturar anualmente. Embora a sede da Fides seja em Manaus, o centro das atividades de Dudu fica mesmo em Brasília.
VEJA apurou que o dinheiro apreendido no aeroporto é a ponta aparente de um esquema grandioso que mistura interesses públicos e privados, passa por operações financeiras prejudiciais a fundos de pensão e resulta em dividendos que beneficiam, além dos envolvidos nas negociatas, também políticos que dão sustentação aos dirigentes dos fundos responsáveis por chancelar cada negócio. Dudu, o milionário do Porsche, é só um personagem dessa rede, e sua atribuição principal é distribuir os lucros provenientes das operações. Para dificultar o rastreamento do fluxo do dinheiro, a rede inclui empresas de factoring, serviços de doleiros e contas em paraísos fiscais. Os lucros obtidos são partilhados em dinheiro vivo. Cada pagamento — inclusive aos políticos — é cuidadosamente registrado em planilhas, com nomes e valores. O dinheiro apreendido no Aeroporto JK deixou rastros. E as conseqüências de sua apreensão mostrarão que ela não tem nada de corriqueira.
Roberto Civita (1936-2013)
A obra, a determinação, as lições e as memórias do criador de Veja
Perdoados
Para atender a potenciais financiadores de campanha, o governo brasileiro perdoa dívida de países chefiados por nababos que enriqueceram à custa do povo
Na comemoração dos cinquenta anos da fundação da União Africana, realizada na semana passada na Etiópia, a presidente Dilma Rousseff deu aos anfitriões um presentão de 840 milhões de dólares. O valor equivale ao total da dívida que doze países do continente haviam contraído com o Brasil e que a partir de agora não terão mais de se preocupar em pagar. O governo brasileiro os perdoou. Na foto oficial do evento, em que os chefes das nações beneficiadas aparecem sorridentes ao lado da brasileira, estão Teodoro Obiang e Omar al-Bashir. O primeiro é o mais longevo ditador africano. Sua biografia inclui o assassinato de inimigos, entre eles um tio. Ao longo dos 34 anos em que comanda com mão de ferro a miserável Guiné Equatorial, acumulou uma fortuna que inclui uma frota de 32 carros de luxo, entre eles sete Ferrari, cinco Bentley, quatro Rolls-Royce, dois Maserati, dois Lamborghini, dois Maybach, dois Mercedes, dois Porsche, um Aston Martin e um Bugatti. Jamais, porém, seu governo pagou os 12 milhões de dólares que deve ao Brasil. Seu colega Omar al-Bashir — 24 anos de poder, dois mandados internacionais de prisão e 9 bilhões de dólares em paraísos fiscais, segundo um promotor do Tribunal Penal Internacional — acaba de ter perdoada a dívida de 43 milhões de dólares que seu país tinha para com o Brasil. Habituados a enriquecer à custa de suas populações, Obiang e Al-Bashir agora darão prejuízo também ao contribuinte brasileiro.
Distribuição de mentiras
Para gerenciar a crise provocada pelos boatos sobre a extinção do Bolsa Família, o governo escolheu semear a confusão e esconder a verdade
A imagem de um constrangido presidente da Caixa Econômica Federal admitindo diante das câmeras de TV que a instituição mentiu à população foi o auge de uma série de episódios tristemente grotescos que envolveu o governo e o Bolsa Família. Há cerca de três semanas, passaram a circular boatos sobre a iminente extinção do maior programa social do país. Os rumores alimentaram uma onda de saques e resultaram em uma sucessão de quebra-quebras de agências bancárias e casas lotéricas em doze estados. Dado que o Bolsa Família é também o carro-chefe da campanha à reeleição da presidente Dilma Rousseff, não é conveniente que seja associado a falcatruas ou barbeiragens gerenciais. Para evitar isso, integrantes do governo decidiram recorrer aos expedientes menos recomendáveis: primeiro, mentiram. Depois, puseram a culpa na oposição. Não tendo sucesso, voltaram a mentir e a mentir mais ainda, para só quando desmascarados se curvarem aos fatos.
Uma afronta inaceitável
Ao metralhar uma base da polícia no Complexo do alemão, no Rio, a bandidagem dá mostras de poder e deixa claro que a guerra contra o crime está longe do fim
A entrada e a permanência da polícia no Complexo do Alemão, território estratégico para a principal facção criminosa do Rio de Janeiro, foram um marco na guerra contra a bandidagem — mas nem de longe a última batalha. Desde novembro de 2010, quando os tanques da Marinha abriram caminho no local para a implantação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), os marginais já haviam dado diversas demonstrações de força. No último dia 26, quiseram deixar bem claro que não arredaram pé de seu bunker, e o fizeram na presença do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame. Ele estava no complexo como anfitrião do encontro Desafio da Paz, uma corrida de rua cujo trajeto pretendia refazer a rota de fuga dos traficantes na tomada do morro pela polícia dois anos atrás. Pouco antes da largada, porém, rajadas de fuzil foram disparadas durante cinco minutos ininterruptos contra a base da UPP, a apenas 100 metros da multidão. Parte dos 2 300 atletas se escondeu sob marquises e dentro dos banheiros químicos; outros saíram em disparada do Alemão.
ÉPOCA
A conta sobrou para você
Por que a velha classe média é quem mais sofre com a inflação – e paga o preço dos erros do governo
Doutora Hollywood
A bizarra – e cinematográfica – obsessão de uma advogada pelo novo indicado ao Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso
Há dois anos, a advogada Marta Bittencourt procurou a Justiça do Rio de Janeiro com uma denúncia gravíssima. De acordo com ela, Luís Roberto Barroso, um dos maiores advogados do país e, agora, novo indicado para ministro do Supremo Tribunal Federal (STI:), a agredira fisicamente e prometia “vingar-se” dela após o fim de um relacionamento de cinco anos. Marta disse que era vigiada a mando de Barroso, que seus amigos eram “manipulados” por ele e que ele a filmara em “atos íntimos”. Além de “psicopata invejoso”, Barroso era, segundo Marta, caloteiro e desonesto. Ela garantia ser responsável pelo sucesso das principais causas advogadas por Barroso no Supremo, como o reconhecimento da legalidade das uniões homossexuais e o fim do processo de extradição do italiano Cesare Battisti -trabalhos pelos quais ela diz não ter recebido um centavo. Nada, porém – nem os processos mais difíceis no STF, nem o trabalho como promotor, nem o mestrado em Harvard -, preparara Barroso para o que estava por vir.
Aos 31 anos, a advogada Marta, formada em Direito no Instituto Metodista Bennettt, afirmava à Justiça: Barroso roubara dela os direitos autorais por filmes como O incrível Hulk com Encantada. Por seriados de sucesso como Friends, Two and halfmen e The big bang theory. For músicas da cantora Wliitncy Houston. Pela campanha publicitária dos Jogos Olímpicos do Rio. E — bazinga! – por uma coreografia apresentada por um competidor num campeonato de patinação artística em Brasília. Eram movimentos de patinação artística “de nível contorcionista”, ela dizia. Marta não apresentou provas do que dizia.
“A narrativa é evidentemente fantasiosa e provavelmente fruto de alguma patologia psiquiátrica grave”, afirma Barroso numa petição à Justiça. Ele diz que nunca viu Marta. “Trata-se de uma pessoa doente, que precisa de tratamento psiquiátrico e compaixão.” Marta entrou com outras ações contra Barroso. Perdeu, mas não se conformou. Na última, resolveu acusar Barroso (“o chefe da quadrilha”) e todos (“os neonazistas”) que arquivaram seus processos: um desembargador, duas juízas, uma procuradora e dois policiais. O processo foi parar no STJ. Na ação, ela afirma que Barroso “não lhe pagava porque esta é melhor do que Barroso em tudo; tem mais juventude, beleza e inteligência do que ele”. Marta pede uma “caução” de míseros RS 100 milhões e uma indenização de outros R$ 100 milhões. Quer que ele mantenha 250 metros de distância dela – e que seja proibido de “falar, ler ou até mesmo escutar qualquer tipo de informação” sobre ela. Na quarta-feira, a ministra Eliana Calmon, relatora do caso, arquivou tudo. “Nunca vi uma maluquice dessas”, disse Eliana a amigos.
O berrante
Como o empresário José Batista Júnior, um dos homens mais ricos do Brasil, pretende domar a boiada da política
Na adolescência, quando, do alto de sua mula, tocava os bois da família por fazendas e estradas em Goiás, José Batista Júnior, ou Júnior da Friboi, como é conhecido hoje um dos maiores bilionários do Brasil, terminava o dia marrom. Naquela faina de peão, nada escapava à poeira do Cerrado: camisas, calças, chapéus, cintos, sapatos – tudo ficava imundo. Júnior acompanhava a retaguarda da comitiva, na culatra, onde cercava os animais propensos a desgarrar-se do rebanho. Era um goleiro de bois. Atento, observava que o líder dos boiadeiros sempre chegava ao local de repouso, no final do dia, com as roupas limpinhas. O líder ia à frente das reses, tocando seu berrante, longe da poeira levantada pelo caminhar dos animais. Júnior atinou que, se aprendesse a tocar berrante, deixaria de comer poeira. Foi o que fez, depois de pelejar com o artefato por noites consecutivas. Há duas semanas, no dia 15 de maio, quase 40 anos depois de domar a buzina de chifre, Júnior carregava um berrante durante a cerimônia que oficializou sua filiação ao PMDB, em Goiânia. O berrante, para Júnior, tornara-se uma espécie de amuleto, um símbolo da tenacidade que lhe permitiu construir, em poucas décadas, a maior empresa exportadora de carne de mundo. Ficou muita poeira para trás.
O berrante ressoou alto no auditório da Assembleia Legislativa de Goiás. Uma boiada de centenas de cabos eleitorais estava em júbilo. Seguravam faixas de apoio, gritavam palavras de ordem, faziam barulho – providenciavam o espírito de comício e consagração que o momento (e o patrão) exigia. “Tá do lado de cá, Júnior Friboi é PMDB. Tá com íris (Rezende, dono do partido no Estado), tá com a gente, tá com Goiás e com você”, repetia, a todo volume, o jingle sertanejo preparado para a ocasião. Tudo ali levava a crer que não se tratava de um mero evento local. Júnior se cercara dos melhores marqueteiros e operadores políticos do país, para se assegurar de que debutaria na política com a devida fanfarra. Estavam lá, entre outras estrelas da política nacional, o vice-presidente da República, Michel Temer, do PMDB, e o governador de Brasília, Agnelo Queiroz, do PT. Testemunhavam a metamorfose do Júnior empresário no Júnior político, e, com ela, o nascimento de sua candidatura ao governo de Goiás, em 2014.
A criatura nascia meio sem jeito para a coisa. Mas com clara disposição para aprender rápido. Pegou o microfone e cumpriu o primeiro item no manual do político em campanha – beijar criancinhas. Botou seu filho mais novo, José Batista Neto, de 4 anos, no colo. Disse à platéia que pensa no futuro das crianças. Júnior ainda não domina a arte de exibir crianças e discursar ao mesmo tempo. Segurava o filho apenas com o braço esquerdo. Erro de novato: políticos mais experientes usam os dois. Júnior sentiu o peso da política e teve de soltar o filho rapidamente. Em seguida, veio, inexorável, o segundo item do manual: bater nos adversários. Nesse caso, era fácil, fácil. Seu adversário na eleição do próximo ano será o atual governador de Goiás, Marconi Perillo, do PSDB. Apesar das ligações com o bicheiro Carlos Cachoeira, ele quer mais um mandato. “Goiás está cansado do jogo do bicho, do patrimônio mal explicado, da arapongagem, do jogo sujo”, disse Júnior, animando a boiada.
“Dar dinheiro não resolve a miséria”, diz banqueiro dos pobres
O economista Muhammad Yunus, premio Nobel da Paz em 2006, foi um visionário ao apostar na concessão de microcrédito e no empreendedorismo para reduzir a miséria em Bangladesh, onde ele nasceu e vive até hoje. Fundador do Grameen Bank, em 1976, e autor do livro O banqueiro cios pobres (Ed. Ática), Yunus contribuiu de forma decisiva para popularizar o microcrédito em todo o mundo. Segundo ele, o empreendedorismo é uma solução mais eficaz do que programas assistencialistas, como o Bolsa Família, para reduzir a pobreza. “Dar dinheiro para os pobres não é uma solução para a miséria”, diz. “É uma forma de mascarar o problema.”
Afastado do Grameen há dois anos, Yunus agora se dedica a outros negócios sociais, como uma companhia que vende painéis de energia solar de baixo custo, uma escola de enfermagem e um hospital oftalmológico. Na semana passada, ele esteve no Brasil para anunciar o lançamento de um fundo local de investimento em negócios sociais e participar da abertura do ciclo de eventos do Movimento Empreenda, promovido pela Editora Globo, que edita ÉPOCA. Nesta entrevista, ele fala sobre sua tentativa frustrada de abrir uma base do Grameen no Brasil durante o governo Lula, sobre a tentativa do governo de Bangladesh de desacreditá-lo e de estatizar o banco e sobre os empreendimentos em que está envolvido.
O aquecimento global parou. Cadê o apocalipse?
O aquecimento global deu um tempo? Aposentou-se? A humanidade, afinal, é inocente? Nos últimos meses, essas perguntas vêm sendo feitas num tom de voz cada vez mais elevado, graças a um gráfico publicado num blog pelo climatologista britânico Ed Hawkins, da Universidade de Reading. Nele, Hawkins mostra que desde 1998 as temperaturas médias da atmosfera do planeta simplesmente não subiram. Não só isso. Hoje elas estão quase abaixo da curva ascendente traçada pelos modelos de computador que projetam o clima da Terra. A persistir a tendência, ou a falta dela, em breve o mundo real mostrará um planeta que não esquenta mais. Se a Terra não esquentou, a polêmica pegou fogo. Segundo a ciência do clima, as temperaturas devem subir à medida que as concentrações de gases perigosos, como o carbônico, aumentam na atmosfera devido a atividades humanas, como a queima de petróleo e carvão. Em maio último, o gás carbônico na atmosfera atingiu sua maior concentração em pelo menos 3 milhões de anos. Cadê o apocalipse climático?
O fato de a temperatura não ter acompanhado a escalada do gás carbônico tem levado alguns a supor que a interferência humana no clima tem sido uma espécie de ilusão coletiva dos cientistas. Ou até uma conspiração anticapitalista. Não poderia haver época mais propícia para desacreditar a climatologia. A crise econômica iniciada em 2008 refreou o ímpeto da humanidade em promover a transição dos combustíveis fósseis para a energia limpa. O acordo climático global, que deveria ter sido fechado em Copenhague em 2009, foi postergado para 2015. Desde que Wall Street derreteu, o apoio dos americanos ao financiamento para energias renováveis caiu 21%, segundo uma pesquisa do Centro para Comunicação de Mudança Climática da Universidade George Mason, nos Estados Unidos. O número de americanos preocupados com o aquecimento global caiu de 63%, em 2008, para 52%, em 2013. Dos que acreditam, 49% acham que ele é causado pela humanidade, em comparação com os 57% em 2008. Apenas 45% dos americanos acham que existe consenso científico a respeito.
ISTOÉ
O império espírita de Zíbia Gasparetto
A médium mais famosa do Brasil transformou o espiritismo em um grande empreendimento com seus filhos e netos. Ela escreveu 41 livros, vendeu 16 milhões de exemplares e está presente na tevê, no rádio, na internet e no teatro
Toma lá, dá cá
Saiba o que os homens fortes do Congresso estão cobrando de Dilma pelo apoio ao governo
A presidenta Dilma Rousseff nunca teve talento e disposição para discutir pedidos e picuinhas dos políticos. Avessa à troca de favores e defensora do jogo bruto quando o assunto é chantagem parlamentar, Dilma tem se tornado vítima da falta de habilidade da própria articulação política. As negociações de última hora em torno de medidas provisórias prestes a perder a validade e a dificuldade em fazer o Congresso votar projetos relevantes apenas com base no mérito estão tornando a presidenta refém de um seleto grupo de aliados capazes de socorrer o governo e mudar o desfecho das votações. Como se viu na Medida Provisória dos Portos, essa ajuda de última hora pode funcionar. A questão é que aliados desse tipo têm um custo alto. Em troca do apoio, cobram cargos, distribuição de poder, liberação de emendas – que somam R$ 7,1 bilhões – e até interferências em decisões do Executivo que ainda estão sendo discutidas nos gabinetes ministeriais.
O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), é um dos que apresentam a fatura. Além de ter sido um fiel escudeiro nas recentes votações, hoje ele tem nas mãos pedidos de abertura de 15 CPIs contra o governo e a missão de domar uma parcela do PMDB disposta a se bandear para a oposição. Em troca da manutenção da fidelidade quase canina ao governo, Henrique Alves quer que Dilma Rousseff não leve adiante o plano de desativar o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs), cabide de empregos para seus afilhados políticos. O deputado trabalha pela reestruturação do órgão e pelo aumento dos recursos destinados a ele e, claro, para manter–se à frente das indicações da diretoria. Alves também avisou ao vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB-SP), que quer ter a garantia de que, no Rio Grande do Norte, Dilma Rousseff subirá ao palanque onde ele estiver em 2014.
A campanha do próximo ano também é uma das prioridades do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que busca apoio para disputar o governo de seu Estado natal. Durante a votação da MP dos Portos no Senado, ele driblou o regimento, fez acordos e garantiu a vitória para o governo. Mas avisou que havia chegado a seu limite e, na semana passada, mostrou que falava sério. Recusou-se a debater outra medida provisória estratégica, que reduz em 26% a conta de luz, com o argumento de que a proposta não chegou aos senadores com prazo de sete dias para ser lida. A decisão levou o Planalto a anunciar um decreto para garantir que o desconto não se encontre sob ameaça.
O primeiro passo de Campos
Levantamento feito por ISTOÉ nos diretórios estaduais e executiva nacional do PSB mostra que socialistas apoiam a candidatura de Eduardo Campos ao Planalto.
Manhã da segunda-feira 27, Mar Hotel, praia da Boa Viagem, Recife, Pernambuco. Passava das 10 horas quando o governador do Estado, Eduardo Campos, entrou em uma sala de reunião onde cerca de 300 militantes socialistas o esperavam para o 1º Encontro de Vereadores da legenda. O objetivo do evento era frugal. Envolvia a troca de experiências no Legislativo. No entanto, o tom eleitoral tomou conta dos discursos. Adesivos e panfletos exaltando o nome do socialista para presidente da República foram distribuídos e a reunião transformou-se em palanque para Eduardo Campos. Ovacionado com gritos de “Brasil para a frente, Eduardo presidente”, Campos abriu um largo sorriso. “Não tem mais volta, ele será candidato”, afirma o presidente do PSB em São Paulo, deputado Márcio França. Se a candidatura será mesmo oficializada em 2014, o tempo se encarregará de dizer. O primeiro passo, porém, já está dado.
Segundo levantamento feito por ISTOÉ entre os diretórios estaduais do partido e a executiva nacional, o governador já conquistou o apoio da maioria do PSB. A enquete mostra que os militantes e a direção do partido querem mesmo que Campos seja o candidato do partido à sucessão de Dilma Rousseff. “Não temos nada contra o governo Dilma. Aliás, votamos com ela em 95% dos casos, mas chegou a nossa hora de tentar fazer mais e melhor”, defende França. “O nome de Eduardo está maduro. O momento é agora”, faz coro o deputado federal Júlio Delgado, de Minas Gerais. Dos 35 representantes da executiva nacional do partido, 22 são a favor da candidatura própria (ver quadro). Entre os diretórios estaduais, a vitória a favor da candidatura de Campos ao Planalto em 2014 é ainda mais avassaladora – 85% dos dirigentes são favoráveis ao voo solo. “O nome do governador Eduardo Campos representa algo diferente. Estamos com ele”, entende Severino Araújo, presidente do diretório paranaense.
A derrapagem da Caixa
Banco se enrola em contradições sobre as falhas técnicas no programa Bolsa Família, enquanto o governo investiga o que provocou a corrida desenfreada para sacar o benefício.
Duas semanas depois que meio milhão de pessoas fizeram fila em terminais bancários para limpar as contas-benefício do Bolsa Família, os dirigentes da Caixa Econômica Federal ainda não conseguiram oferecer explicações consistentes sobre o que aconteceu. No plano técnico, o banco foi capaz de apresentar três versões contraditórias em apenas 72 horas. No plano político, autoridades do governo também ajudaram a aumentar a confusão, denunciando – ainda sem comprovação – uma conspiração para desmoralizar o programa Bolsa Família. A ministra Maria do Rosário, da Secretaria de Direitos Humanos, chegou a identificar uma ação da oposição.
A presidenta Dilma Rousseff reconheceu que houve falhas e se comprometeu a corrigi-las. Por envolver aspectos técnicos, que deveriam ser amplamente conhecidos por seus dirigentes, as falhas de procedimento que envolveram os saques são particularmente constrangedoras. Primeiro, a Caixa tentou negar que tivesse ocorrido qualquer anormalidade. Depois, disse que liberou dinheiro para evitar tumultos. Por fim, atribuiu à atualização de segurança no sistema a liberação de saques fora do prazo oficial. A contradição foi logo descoberta e o presidente da Caixa, Jorge Hereda, teve de pedir desculpas públicas em nome da instituição. O banco responde pelo mais ambicioso programa social brasileiro, assegurando um conforto mínimo a 13,4 milhões de famílias que residem no mais baixo patamar da distribuição de renda. A direção da Caixa ainda deve respostas a duas perguntas elementares. Qual foi a falha técnica que liberou R$ 152 milhões em saques fora do calendário padrão? Houve influência política no episódio?
As mamatas do padrinho de Feliciano
Mesmo sem ser deputado, o pastor Everaldo Pereira utiliza o gabinete da liderança na Câmara para fins pessoais e partidários .
Todo-poderoso no PSC, mas desconhecido dos eleitores, o vice-presidente do partido, Everaldo Pereira, ganhou notoriedade ao apadrinhar o polêmico Marco Feliciano na Comissão de Direitos Humanos da Câmara. Para confirmar seu poder, há duas semanas, Pereira conseguiu, com o apoio de pastores evangélicos, ser lançado candidato do PSC à Presidência da República nas eleições de 2014. Se a candidatura resistirá até lá, ninguém sabe. Mas, antes mesmo da campanha, ele já está enrolado e pode ser obrigado a prestar explicações à Justiça por utilizar a estrutura da liderança do PSC na Câmara para fins pessoais e partidários. Em situações semelhantes, o Tribunal de Contas da União recomenda que o dirigente de um partido empregue recursos do fundo partidário – o PSC recebe R$ 500 mil por ano – em vez de se valer de instalações e benesses da Câmara. Mas o pastor desdenha essa orientação. Usa a sala como se fosse ele o deputado que lidera o partido e se vale cotidianamente dos serviços de motoristas e assessores.
Everaldo Pereira costuma desembarcar em Brasília na terça-feira de manhã e desde o primeiro minuto já tem um motorista, custeado pela Câmara, à sua disposição no aeroporto. Sob orientação de Pereira, funcionários que deveriam estar encarregados de matérias legislativas são mobilizados para elaborar textos e até imprimir panfletos de divulgação de atividades partidárias externas ao Congresso, como os do encontro do PSC Mulher. O evento é coordenado pela esposa de um assessor legislativo do PSC. O casal Adolfo Lúcio e Denise Assumpção recebe no total R$ 19 mil da Câmara, mas trabalha para Pereira na maior parte do tempo. Por R$ 10,4 mil mensais, a Câmara paga Adolfo Lúcio para ser uma espécie de faz-tudo de Pereira. Servidores contam que o funcionário é requisitado até para comprar roupas e providenciar alimentação para aplacar a fome do pastor. Outros funcionários do gabinete, com salários de R$ 8,6 mil, são escalados para emitir bilhetes aéreos.
O que seria possível fazer no lugar de Paes?
Desrespeitado e ofendido, o prefeito do Rio de janeiro reage dando um soco no provocador. Com isso, abre uma discussão: a atitude pode prejudicá-lo ou vai humanizar Eduardo Paes como um cidadão comum capaz de indignar-se e até perder a cabeça.
A prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PMDB), não segue o roteiro que costumam traçar as autoridades políticas. Ele gosta de andar sem seguranças, mantém o hábito de pedalar pelas ruas e não abre mão de frequentar restaurantes, cinemas e casas de shows. Como qualquer cidadão, Paes enfrenta filas e por vezes é até abordado por flanelinhas. Na noite do sábado 25, o prefeito acabou sendo vítima desse estilo despojado. Na companhia da mulher e de dois casais amigos, Paes foi ao Yumê, um restaurante japonês no bairro do Horto, novo point gastronômico da cidade. Quando se dirigiu à calçada para fumar, foi abordado pelo músico Bernardo Botikay. Segundo testemunhas, Botika, como é conhecido, mais de uma vez xingou o prefeito de “bosta” e de “vagabundo”, entre outros adjetivos. Diante das ofensas, Paes, 43 anos, não se conteve e acabou socando o artista. A briga só não prosseguiu dada a interferência da turma do deixa disso e também dos seguranças. Na manhã seguinte, por intermédio de uma nota distribuída à imprensa, o prefeito resumiu o episódio e pediu desculpas à população por sua reação intempestiva: “Apesar da agressividade eu não poderia ter reagido como fiz”. Na terça-feira 28, o músico foi à delegacia e retirou a queixa que fizera contra Paes.
O menestrel do ministro
Advogado paranaense e dublê de cantor, Edson Abdala conta como criou a música em homenagem ao amigo Luís Roberto Barroso, indicado ao STF.
Ao ser indicado pela presidenta Dilma Rousseff ao Supremo Tribunal Federal na quarta-feira 22, o advogado Luís Roberto Barroso ganhou os holofotes. Chamou a atenção em seu perfil o gosto musical eclético, que vai de Chico Buarque a Beethoven, passando por Edith Piaf, Ana Carolina e Elvis Presley. Porém, não são apenas nomes consagrados da música que alimentam a alma de Barroso. Em seu blog, o futuro ministro mostra admiração também por talentos desconhecidos do grande público, como o paranaense Edson Abdala, de 54 anos. Advogado criminalista e professor licenciado da PUC do Paraná, ele é criador da canção “Um só Coração”. Ao ritmo da bossa nova, a música se propõe a retratar a história e os feitos de Barroso tanto no meio jurídico como na vida pessoal. Ela pode ser ouvida entre os 105 posts publicados na página pessoal do escolhido por Dilma para o STF. Barroso escreveu sobre a canção: “Feita sob medida, com os exageros e o colorido de uma amizade antiga, que une nossas famílias.” Abdala ofertou a música como um presennte de Natal para Barroso. “Ela revela mais sobre ele do que sobre mim. Mas é um charme e alegrou-me o coração”, concluiu o ministro. Abdala não lhe poupou elogios, sapecando versos como estes: “Constitucionalista, verdadeiro alquimista do Direito Mundial, Seja em Harvard, Yale, aventura sem igual. E ainda por cima também canta e declama um bom fado tropical”, diz o refrão.
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