ÉPOCA
Cadê a estadista?
O povo toma as ruas, a economia desanda, os políticos batem cabeça – e o governo muda de assunto…
Na manhã da última quarta-feira, num dos muitos encontros políticos do “pacto nacional” que prometera na TV dias antes, a presidente Dilma Rousseff aceitou receber para uma conversa, no Palácio do Planalto, os presidentes das principais centrais sindicais do país. Não houve papo. Dilma defendeu, por 40 minutos ininterruptos, a proposta que sacudira o Brasil nos últimos dias: uma reforma política com participação popular. Em seguida, determinou que cada convidado teria apenas dez minutos para dizer o que pensava – mas nem tanto. Wágner Freitas, presidente da CUT, central ligada ao PT, queria falar. Até tentou, mas foi interrompido algumas vezes por Dilma. No momento em que Dilma parecia hostilizar qualquer contribuição que destoasse do que ela, na verdade, já decidira, era inevitável para alguns dos presentes lembrar o pobre sindicalista Artur Henrique, ex-presidente da CUT. Em maio do ano passado, numa das raras vezes em que Dilma pediu a opinião dos sindicalistas para qualquer coisa, Henrique ousara criticar uma medida do governo. “Você está falando besteira, cala a boca!”, disse Dilma.
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Desta vez, não houve grosseria. Mas sobrou rispidez – e constrangimento. No meio da reunião, um participante quis ir ao banheiro ao lado da sala, no 3° andar do Planalto. Um segurança aproximou-se, meio sem graça: “Amigo, não usa esse banheiro, vai no lá de baixo”. O sindicalista quis saber por quê. “É que, quando dá descarga, a presidenta fica muito brava com o barulho”, disse o segurança. À medida que a reunião transcorria, quando algum sindicalista ia ao banheiro, outro soltava a piada baixinho: “Ela vai meter o braço em você…”. Não demorou para que Dilma interrompesse a conversa. “Meu tempo acabou, meu tempo acabou, não dá mais para vocês falarem”, disse. A reunião durara menos de duas horas. Os sindicalistas saíram do gabinete presidencial convencidos de que Dilma os despreza. Saíram, também, sem entusiasmo por qualquer pacto – e sem vontade de voltar.
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Esperantinópolis, um município de 18 mil habitantes, localizado no coração do Maranhão, completou 59 anos no dia 27 de junho. Pode-se arriscar que a maior glória do aniversário de Esperantinópolis foi continuar com o posto de cidade com nome próprio mais longo do Brasil. De resto, amarga-se a falta de quase tudo ali, até médico – e como bons esperantinopolitanos, os moradores ainda esperam a chegada de um doutor da atenção básica de saúde, aqueles de postos de saúde, com pediatras, ginecologistas e clínico geral. A professora Clores Maria Nava da Silva, 46 anos, vê com frequência vizinhos e sua mãe, dona Leopoldina, 84 anos, precisarem de ajuda médica. Mas nos hospitais é frequente não encontrarem nenhum. “Aqui já teve tantos casos de coisas simples, que é parto que não foi feito e a mulher morreu. Aqui é recheado dessas histórias”, diz ela.
Clores mora em uma das 1.581 cidades do Brasil – ou quase 30% das cidades brasileiras – sem médicos da atenção básica, segundo o Ministério da Saúde (confira todas as cidades no mapa abaixo). Quando o útero da mãe de Clores ameaçou sair para fora, um dos poucos cirurgiões da cidade – ele não era da atenção básica – disse que a cirurgia teria de esperar porque faltava linha na agulha. Quinze dias depois o problema se agravou, e tiveram de partir para a capital São Luís, uma viagem de seis horas de carro. Seja por falta de estrutura hospitalar adequada ou de médico, a solução dos moradores de cidades pobres ou regiões periféricas do Brasil é a mesma: fugir de onde moram em busca de médicos nos grandes centros, ou recorrer a alternativas. “Quando não somos atendidos, fazemos automedicação”, diz Clores que, como os demais moradores de cidades típicas como Esperantinópolis, enxergam a falta de médicos como algo comum. “O jeito é sair da cidade”, diz.
ISTOÉ
Você mandou e o poder se mexeu
Num processo iniciado pela presidenta Dilma, Executivo, Legislativo e Judiciário respondem às manifestações, mas ainda há muito o que fazer
Depois de atravessar o País inteiro em passeatas memoráveis, confrontos duros com a polícia e embalar cenas lamentáveis de baderna, o terremoto político iniciado com o Movimento Passe Livre de São Paulo obrigou o poder de Brasília a se mover. Entre medidas de subsídio e investimentos diretos no transporte público, gastos definidos para saúde e educação e outras rubricas do Estado brasileiro, encaminharam-se demandas estimadas R$ 115 bilhões anuais, grandeza que só costuma ocorrer após grandes catástrofes e situações de guerra.
Enquanto deputados, senadores e governadores mantinham absoluto silêncio, em meio às pressões das ruas, a presidenta deu às caras, foi à televisão, e concorde-se ou não com as medidas adotadas ao longo da semana para dar resposta efetivas às manifestações, ela chamou a responsabilidade para si. Tomou atitudes de quem compreende a gravidade da situação e seu lugar dentro dela. Cancelou uma viagem de sete dias ao Japão e, criticada por conversar pouco e mandar muito, passou a semana em diálogos variados. Recebeu prefeitos e governadores na segunda-feira 24, mas também conversou com a garotada que começou as mobilizações em São Paulo. Ainda reuniu-se com Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, encontrou-se com sindicalistas e a oposição e, na sexta-feira 28, estava em audiência com lideranças do movimento gay. Do mesmo modo que o aumento da tarifa de transporte público foi a faísca que deflagrou os protestos no País, Dilma foi quem detonou a reação dos Três Poderes, até então desorientados e atônitos. Só, a partir daí, que Executivo, Legislativo e Judiciário passaram a se mexer. No capítulo das medidas de moralização do Estado, o Senado aprovou uma lei que define a corrupção como crime hediondo, reservando, para autoridades condenadas, penas que agravam sua condenação em um terço. Numa virada impressionante de humores na Câmara de Deputados, os parlamentares derrotaram a PEC 37 – que garantia exclusividade para a polícia realizar investigações criminais, diminuindo o papel do Ministério Público – por 430 votos a 9. Quinze dias antes, a aprovação da PEC 37 era vista como favas contadas pelos estudiosos do Congresso. Numa decisão que facilitará a punição de parlamentares condenados por corrupção, suspendeu-se o voto secreto na cassação de mandatos. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, mostrou estar em sintonia com o clamor popular ao pedir a prisão do deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO), que já estava entrando no último ano de mandato. Acusado de peculato, o parlamentar estava condenado desde 2010. Depois de passar mais de 24h desaparecido, Donadon se entregou à polícia na sexta-feira 28 em Brasília.
Quem pode ganhar com essa onda
Políticos de oposição, como o senador Aécio Neves, aliados do governo, como Eduardo Campos, e até o presidente do STF, Joaquim Barbosa, se movem e se fortalecem como alternativas em meio à pressão das ruas
Dizem os especialistas que em política não existe vácuo. Ele é logo ocupado por alguém. Por isso, é natural que políticos, principalmente os de oposição, e novos personagens se apresentem como alternativas ao eleitor neste momento em que o governo se mostra pressionado, tentando encontrar saídas para dar respostas efetivas ao clamor das ruas. Foi exatamente o que ocorreu nos últimos dias. Os presidenciáveis Aécio Neves (PSDB-MG), Marina Silva (Rede) e Eduardo Campos (PSB-PE) se apressaram em apresentar propostas para se contrapor às medidas anunciadas pela presidenta Dilma Rousseff. Candidato do coração dos manifestantes, segundo recentes pesquisas, o presidente do STF, Joaquim Barbosa, também se apresentou para o jogo político. Convidado na terça-feira 25 para uma conversa no Palácio do Planalto com a presidenta Dilma Rousseff, Barbosa saiu do encontro e convocou uma entrevista coletiva para falar de política. Respondeu a perguntas de forma afável e revelou sintonia com as ruas ao defender numa possível reforma política a diminuição, não a extinção, do peso dos partidos e propor um “recall” de candidatos – possibilidade de o eleitor voltar às urnas para destituir o político eleito, caso seu mandato não esteja em consonância com os anseios daqueles que o elegeram.
Onde está o velho Lula?
Na contramão dos protestos, o ex-presidente contraria a própria trajetória e troca os palanques pelos gabinetes. Mas ele já tem data para voltar às ruas
Pela primeira vez desde as greves dos metalúrgicos em 1979 em São Bernardo do Campo, o Brasil assistiu às manifestações de massas sem a presença ostensiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Principal líder das lutas sociais do País nas últimas três décadas, Lula trocou os comícios pelas conversas ao pé do ouvido com empresários e políticos. Na semana passada, quando Dilma Rousseff enfrentava o prolongamento da pior crise desde que assumiu o governo, Lula evitou manifestações públicas e, na sexta-feira 28, estava de malas prontas para uma nova viagem à África, onde será a estrela principal de encontro organizado por seu instituto e a Organização das Nações Unidas (ONU) para a fome. Antes de confirmar a partida, num diálogo com Dilma, Lula se colocou à disposição para ajudar. Deixou claro que seria capaz de cancelar a viagem, se a presidenta achasse melhor. Acabou viajando.
Que Brasil será este?
Se mudanças no cenário político nacional não acontecerem rapidamente, a rua irá aumentar o volume de seus gritos
Depois de duas semanas de protestos pelas principais cidades, o Brasil não é mais o mesmo. Como bem ilustra um dos cartazes levados às manifestações, os brasileiros deixaram a condição de deitados em berço esplêndido e a suposta apatia dos últimos vinte e poucos anos foi interrompida por gritos tão difusos quanto certeiros: querem o protagonismo da própria história. O movimento surpreendeu pelo tamanho, pela heterogeneidade e pela capilaridade. Em plena Copa das Confederações, a velha máxima de que o futebol é o ópio do povo perdeu validade diante dos protestos de junho. Mas como será o Brasil daqui para a frente? Bem, essa questão nem mesmo os mais competentes cientistas sociais ousam responder. Dos protestos, no entanto, podem ser decifrados uma série de recados e a certeza de que, se mudanças no cenário político nacional não acontecerem rapidamente, a rua irá aumentar o volume de seus gritos.
VEJA
Então é no grito?
Os governos e o Congresso correram para atender os manifestantes. Isso mostra que a pressão popular funciona. Mas as ruas não podem substituir as instituições.
VEJA desta semana analisa a reação atabalhoada de Brasília aos protestos que tomaram o país. A série de reportagens especiais fala ainda dos objetivos ocultos do PT ao propor um plebiscito, do pânico dos mensaleiros depois da prisão do deputado Natan Donadon, do risco político que torna mais difícil repor a economia rumo ao crescimento e do “basta” dos brasileiros ao uso do futebol para fins oficiais
Vitória nas ruas: Brasil 5 X 0 Brasília
O golpe do plebiscito
CARTA CAPITAL
O Brasil entre a fagulha e a fumaça
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Corrupção
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