ISTOÉ
O homem que aterroriza os políticos
“Acho a Lei da Ficha Limpa muito boa, é uma lei democrática, tem dito o ministro Luiz Fux a seus assessores. Sua declaração repercutiu fortemente nos corredores do Supremo Tribunal Federal (STF) e está tirando o sono de inúmeros parlamentares com o mandato sub judice. Ao completar o plenário de 11 ministros, Fux assumiu o posto com a missão de desempatar a votação do STF sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa já nas eleições de outubro de 2010. O Supremo dividiu-se ao discutir a retroatividade da lei, mas agora conta com o voto decisivo de seu mais novo ministro. A considerar os comentários de Fux, os candidatos atingidos pela Ficha Limpa que ainda depositam esperança em recursos extraordinários podem procurar outras atividades. Se votar a favor da imediata entrada em vigor da lei, confirmará a punição de vários candidatos pela Justiça Eleitoral e, com isso, mudará a composição do Congresso Nacional.
O voto de Fux pode tirar de cena vários nomes famosos do Legislativo. Entre os julgamentos mais aguardados está o do ex-governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB), que teve a candidatura ao Senado barrada pelo TSE por distribuir cheques para 35 mil eleitores do Estado. João Capiberibe e sua mulher, Janete Capiberibe, eleitos senador e deputada federal pelo PSB do Amapá, também correm o risco de serem aposentados antecipadamente. O casal foi declarado inelegível em 2005, quando o TSE cassou os mandatos por compra de votos nas eleições de 2002. Acusado de comprar testemunhas para depor contra os Capiberibe, o senador Gilvan Borges (PMDB-AP) assumiu a vaga no Senado.
Nos primeiros dias de STF, Luiz Fux dedicou-se a conhecer a fundo as 50 votações de grande repercussão social em que terá de se envolver. Além da Ficha Limpa, a lista inclui a fixação de cotas para universidades, a união civil homossexual, a interrupção da gestação de fetos anencefálicos e a extradição do ativista italiano Cesare Battisti. Na terça-feira 15, os colegas da Primeira Turma do STF ofereceram um almoço para Fux na residência do ministro Marco Aurélio Mello. Todos estão impressionados com a pontualidade do novo ministro, de 57 anos. Ele acorda às 5 da manhã, corre no Lago Sul, vai para a academia e às 9 horas já está lendo processos em casa. Às 13h15, vai para o STF, onde fica até as 22 horas. Emotivo, Fux chorou diversas vezes após ter sido nomeado ministro. Agora, a caneta do novo ministro pode gerar muita choradeira entre os políticos.
A família que copiava
Os irmãos do PT mineiro Weliton Prado e Elismar Prado, o primeiro deputado federal e o segundo estadual, haviam conseguido, aparentemente, um feito digno de louvor. Estreantes em suas respectivas Casas Legislativas, ambos foram considerados recordistas em apresentação de projetos de lei no início de ano. Na Câmara Federal, Weliton protocolou 114 propostas. Elismar superou o irmão. Formulou nada menos do que 243 projetos de lei, o que representa até agora 45% do total apresentado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Em razão disso, concederam inúmeras entrevistas e ocuparam o centro dos holofotes. Mas o que, à primeira vista, parecia uma demonstração de criatividade e uma preocupação demasiada em tomar iniciativas em benefício de seus eleitores, agora se revela uma fraude. Cerca de 80% das proposições dos irmãos Prado não são originais, embora anunciadas pelos seus autores como se fossem. Foram plagiadas e representam cópias perfeitas de projetos de outros parlamentares. Muitas propostas clonadas pertencem a deputados reeleitos e com os quais os irmãos Prado dividem o mesmo plenário. Eu nunca tinha visto coisa parecida, surpreende-se Mozart Vianna, que foi secretário-geral da Mesa da Câmara por 20 anos e hoje trabalha no gabinete do senador Aécio Neves (PSDB-MG).
No dia 3 de fevereiro, Weliton apresentou proposta que determina a fixação da bandeira brasileira na fachada dos edifícios públicos. Ocorre que esse projeto, que alcançou grande repercussão na mídia no ano passado, é da lavra do deputado reeleito e colega de Weliton na bancada governista Sandro Mabel (PP-GO). O petista mineiro também não se constrangeu em clonar projetos do deputado Aelton Freitas (PR-MG), entre eles o que concede isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) a veículos adquiridos por prefeituras. Procurado por ISTOÉ, Weliton alegou que ocorreu um problema no sistema de autenticação de matérias de seu gabinete. Os equívocos já estão sendo corrigidos, garantiu. O curioso é que, apesar de trabalharem em gabinetes separados por pelo menos 700 quilômetros, e certamente utilizarem computadores e sistemas diferentes, Weliton e Elismar adotam o mesmo modus operandi. Fazendo jus ao DNA do irmão, Elismar, em Minas Gerais, apresentou projetos idênticos aos dos deputados Domingos Sávio (PSDB) e Padre João (PT). Uma das propostas clonadas por Elismar foi considerada inconstitucional em legislaturas passadas: a que obriga as seguradoras a comunicar ao Departamento de Trânsito todos os sinistros de veículos registrados quando houver perda total.
A clonagem de propostas e a reapresentação de projetos já reprovados pelas comissões contribuem para manchar ainda mais a imagem do Legislativo. Além de denotar o despreparo e a esperteza de alguns parlamentares, o procedimento entulha o Legislativo de matérias e acaba atrapalhando a tramitação de outros textos. O cara só está pensando na quantidade, não na qualidade, reclama o deputado Arnaldo Faria de Sá, que apresentou uma questão de ordem sobre o assunto. A Mesa da Câmara precisa tomar providências, disse à ISTOÉ. No Brasil, não precisamos de mais leis. Precisamos de homens públicos que observem as leis existentes. Tem que se observar o conteúdo e não a forma, prega o ministro do STF, Marco Aurélio Mello. Mas, pelo visto, a moda pegou. Embora sejam os campeões de propostas, e plágios, os irmãos Prado não foram os únicos a lançar mão desse expediente na atual legislatura. Os deputados Sandes Júnior (PP-GO) e Roberto de Lucena (PV-SP) fizeram o mesmo. Nem sei o que falar. É uma pena. Vai ver que ele foi mal assessorado, disse a deputada Rebecca Garcia (PP-AM), que teve um projeto plagiado por Lucena. Desde o início da nova legislatura no Congresso, já foram apresentados pelos parlamentares 777 projetos de lei. Graças à iniciativa dos copiões, a quantidade clonada já representa quase metade dos projetos.
Fundo do poço
Apesar do nome relativamente novo, o DEM é um dos partidos mais antigos em atividade no País. Antes de hastear a bandeira dos democratas, já foi Arena na ditadura militar, PDS no início dos anos 80 e PFL até há poucos anos. Em quase todas as fases, esteve lado a lado com quem estava no governo, dos militares aos sociais-democratas do PSDB. Hoje, o oposicionista DEM está no fundo do poço. Saiu das últimas eleições com apenas dois governadores e três senadores.
Abatido pelo voto e sem um discurso claro sobre o que pensa para o Brasil, o partido passou a ser abandonado por suas próprias lideranças. O movimento é encabeçado por sua maior estrela, o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, que se prepara para montar um novo partido nas próximas semanas. Na terça-feira 15, o DEM só não sucumbiu porque foi montada uma operação salva-legenda pelo velho aliado PSDB. Na luta pela sobrevivência, foi socorrido por pesos-pesados do PSDB, como o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o senador Aécio Neves (MG). Com promessas de cargos e outras vantagens pessoais dos tucanos, o DEM conseguiu esvaziar o arrastão que levaria quase metade da bancada para o novo partido de Kassab. Tivemos percalços, mas estamos vivos, conclamou o senador Agripino Maia, eleito na terça-feira como novo presidente do partido em uma convenção extraordinária.
O custo da operação salvamento é alto. Para impedir a deserção, uma das estratégias foi o toma-lá-dá-cá político. Em troca da permanência no DEM, abriu-se para o deputado Rodrigo Garcia (SP), um dos parlamentares próximos a Kassab, a possibilidade de ser candidato a prefeito de São Paulo em 2012. Já o deputado Jorge Tadeu Mudalen (SP) recuou diante da oferta de postos na estrutura administrativa do partido. Outro parlamentar que voltou atrás, Eli Corrêa Filho (SP) teve assegurado espaços nas comissões técnicas da Câmara. Atrapalharia o desenvolvimento do meu trabalho no Congresso se eu perdesse cargos nas comissões, justificou-se. Prefeitos do interior paulista receberam outro estímulo para ficar. Segundo uma fonte tucana, Alckmin prometeu acelerar a liberação de verbas e assinaturas de convênios para obras.
O esforço fisiológico, porém, não foi suficiente para impedir algumas baixas, como a do deputado Guilherme Campos (DEM-SP), nem para debelar a crise interna. Expoentes do partido reconhecem que este é o pior momento já enfrentado pelo DEM desde que o PDS rachou e foi criado o PFL, em 1985. Cabe a mim tentar estabelecer a convivência entre os diversos segmentos, admite Agripino Maia.
O desvio de R$ 50 milhões
Nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal (STF) começará a analisar denúncias recebidas do Ministério Público de Minas Gerais, da Procuradoria da República e da Polícia Federal que envolvem o senador Clésio de Andrade (PR-MG) no desvio de aproximadamente R$ 50 milhões do Sistema Nacional de Transporte (SNT). O Sistema é comandado pelo senador há mais de dez anos e engloba a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), o Serviço Social do Transporte (Sest), o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat) e o Instituto de Desenvolvimento, Assistência Técnica e Qualidade em Transportes (Idaq), que recebem contribuições sindicais de todo o País para a realização de cursos e outras ações em benefício dos trabalhadores do setor. Os promotores e procuradores que apuram o caso afirmam que o rastreamento do dinheiro do Sistema Nacional de Transporte indica que o senador cometeu os crimes de improbidade administrativa, desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro. Na última semana, ISTOÉ teve acesso a mais de 800 páginas dos processos que correm em segredo de Justiça. Os documentos revelam, de acordo com os promotores, uma intrincada engenharia contábil que teria sido montada pelo senador. A maior parte do dinheiro desviado, segundo parecer do Ministério Público de Minas, foi enviada do Idaq, do Sest e do Senat para o Instituto João Alfredo Andrade (Ijaa), uma entidade privada que tem entre seus sócios, o próprio Clésio de Andrade, seu pai e a irmã, Cléia.
Uma das ações avaliadas pelo STF tem origem na 33a Vara Cível de Belo Horizonte. Seu relatório final tem 18 páginas e é assinado por sete promotores do núcleo de Defesa do Patrimônio Público. Depois de fazer um rastreamento bancário envolvendo uma dezena de pessoas físicas e jurídicas, os promotores constataram que entre janeiro de 2003 e agosto de 2004, o Idaq recebeu R$ 46 milhões provenientes de arrecadação feita junto aos sindicatos do setor. Desse dinheiro, R$ 31 milhões foram sacados na boca do caixa, sem que houvesse descrição da destinação dada ao dinheiro, diz o promotor Eduardo Nepomuceno de Souza. Não se tem notícia de cursos, campanhas ou outras ações promovidas pelo Idaq naquele período, completa Souza. Um relatório sigiloso do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do Ministério da Fazenda, datado de 3 de junho de 2004, ao qual ISTOÉ teve acesso, registra que uma empresa chamada Veículos Industriais do Brasil S.A., recebeu R$ 3,7 milhões do Idaq em uma conta do Unibanco em São Paulo. A investigação feita sobre essa empresa revela como o senador usa pessoas físicas e jurídicas para que o dinheiro do Sistema Nacional de Transporte acabe em suas mãos.
Registro realizado na Junta Comercial de Minas Gerais, já em poder da Polícia Federal, mostra que a Veículos Industriais do Brasil foi fundada em 1994 e tinha como sócios o senador Clésio de Andrade e Ronaldo Antônio Costa. Os promotores confirmaram a existência da sociedade com a declaração de renda prestada à Receita Federal pelo próprio Costa. Segundo os procuradores da República, os documentos também mostraram que a movimentação bancária do sócio do senador seria incompatível com sua declaração de renda. Informamos que há movimentação de recursos incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica ou a ocupação profissional e a capacidade financeira presumida do cliente, registra o relatório do Coaf. São contas que não demonstram ser resultado de atividades ou negócios normais. No mesmo documento, os auditores informam que os R$ 3,7 milhões repassados à Veículos Industriais do Brasil seriam usados para a compra de um avião.
“Queremos criar uma relação de confiança com os EUA”
Dos encontros que manteve em Washington há duas semanas, o chanceler Antonio Patriota saiu com a impressão de que o presidente Barack Obama poderá apoiar o Brasil para uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. Mas não há garantia de que isso ocorra agora, em sua passagem pelo Rio. Não tenho elementos para dizer o momento exato em que o apoio virá, explicou o ministro das Relações Exteriores em entrevista exclusiva à ISTOÉ, na quarta-feira 16. Patriota ressaltou que a visita servirá para atualizar o diálogo político.
ISTOÉ Há expectativa de que Obama declare apoio à pretensão do Brasil por uma vaga permanente no Conselho de Segurança da ONU. O sr. acredita nisso?
Patriota Essa é uma decisão que deverá partir do próprio presidente Obama. Nas conversas em Washington, tratei do tema e pude identificar que existe muito respeito pela contribuição que o Brasil dá à promoção da paz internacional. O Haiti é um exemplo citado frequentemente. Além disso, o Brasil é a única nação emergente com relação fraterna com seus vizinhos, não tem inimigos e possui credenciais impecáveis de não proliferação de armas de destruição em massa. De modo que esse conjunto de circunstâncias poderá efetivamente se traduzir em apoio, mas não tenho elementos para dizer o momento exato em que esse apoio virá.
ISTOÉ Se o apoio não vier agora, a visita terá sido em vão?
Patriota Em absoluto! O gesto da visita em si é muito significativo. Há um interesse muito grande também dos setores privados, perspectivas de novos negócios, mais interação. Existe uma variedade de temas que serão abordados. A relação bilateral não se limita a essa questão.
ISTOÉ O Brasil de hoje representa um desafio para os EUA?
Patriota Os EUA reconhecem a influência regional e global do Brasil. Nas minhas conversas em Washington, na preparação desta visita, pude identificar um interesse muito grande em atualizar a relação bilateral, para que reflita essas novas possibilidades, em função do desenvolvimento econômico-social e da elevação
do perfil diplomático brasileiro.
O Brasil na cabeça de Obama
Sempre que encontra alguém do Brasil, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, gosta de dizer que se sente também um pouco brasileiro. Obama nunca esteve por aqui, não fala português e, a bem da verdade, parece conhecer pouca coisa além dos relatórios que recebe do Departamento de Estado Americano. Mas não seria de todo errado afirmar que sua vida está intrinsecamente ligada ao País. Explica-se: sua mãe, então uma típica adolescente de 16 anos do Meio-Oeste americano, ficou absolutamente impressionada ao assistir a Orfeu do Carnaval, filme do cineasta francês Marcel Camus que retrata o mito grego tendo como pano de fundo as favelas cariocas. Stanley Ann Dunham afeiçoou-se de forma especial pelo ator Breno Melo, que representava o personagem principal do filme, lançado em 1959. Pouco menos de um ano depois, Ann decidiu mudar-se para o Havaí, onde, sabe-se lá por que, começou a estudar russo. Entre uma aula e outra, acabou apaixonando-se por um colega de classe bastante parecido com Melo, o queniano Barack Hussein Obama, pai do presidente americano.
Ao desembarcar na Base Aérea de Brasília na manhã do sábado 19, Obama sabia que o Brasil que estava prestes a encontrar pouco tinha a ver com aquele país relatado por sua mãe tantas e tantas vezes durante sua infância. Daquela sociedade agrícola do final da década de 50 que começava a se industrializar de forma desordenada sobraram apenas as feridas de um processo marcado pela concentração de renda e a consequente desigualdade social. Sabedor das profundas mudanças pelas quais o País passou nas últimas duas décadas, Obama chegou disposto a convencer os brasileiros de que pretendia fazer o que nenhum outro presidente americano jamais havia feito: tratar o Brasil em pé de igualdade.
A decisão da Casa Branca em reverenciar o Brasil dessa forma inédita faz parte de uma reestruturação das estratégias geopolíticas e econômicas que o país precisou fazer após a profunda crise econômica que o abateu em 2008 e pelo atoleiro diplomático em que se meteu ao invadir o Iraque e o Afeganistão no início dos anos 2000. Dono da maior dívida externa do mundo deve na praça algo próximo a US$ 14 trilhões , vendo sua influência global perder espaço diante do avanço chinês e enfrentando uma crise de confiança mundial, os Estados Unidos precisam de novos aliados e de novos mercados para manter sua posição hegemônica.
Além dos afagos à autoestima brasileira, o presidente americano veio fazer negócios. Trouxe com ele uma comitiva de mais de 60 empresários e a disposição de firmar acordos que garantam mais abertura do mercado nacional para as companhias americanas. Disposto a se tornar menos dependente do Oriente Médio, anunciou uma linha de crédito de US$ 1 bilhão para investimentos no Pré-sal. Ao mesmo tempo, pretende iniciar as discussões de um tratado comercial mais profundo com o País, semelhante ao que fez com o Chile e o Peru.
VEJA
Arruda diz que ajudou líderes do DEM a captar dinheiro
José Roberto Arruda foi expulso do DEM, perdeu o mandato de governador e passou dois meses encarcerado na sede da Polícia Federal (PF), em Brasília, depois de realizada a Operação Caixa de Pandora, que descobriu uma esquema de arrecadação e distribuição de propina na capital do país. Filmado recebendo 50 mil reais de Durval Barbosa, o operador que gravou os vídeos de corrupção, Arruda admite que errou gravemente, mas pondera que nada fez de diferente da maioria dos políticos brasileiros: Dancei a música que tocava no baile.
Arruda diz que “ajudou” vários políticos
Demistas negam acusações e disparam contra Arruda
Advogados de Arruda contestam Veja
Em entrevista a VEJA, o ex-governador parte para o contra-ataque contra ex-colegas de partido. Acusa-os de receber recursos da quadrilha que atuava no DF. E sugere que o dinheiro era ilegal. Entre os beneficiários estariam o atual presidente do DEM, José Agripino Maia (RN), e o líder da legenda no Senado, Demóstenes Torres (GO). A seguir, os principais trechos da entrevista:
O senhor é corrupto?
Infelizmente, joguei o jogo da política brasileira. As empresas e os lobistas ajudam nas campanhas para terem retorno, por meio de facilidades na obtenção de contratos com o governo ou outros negócios vantajosos. Ninguém se elege pela força de suas ideias, mas pelo tamanho do bolso. É preciso de muito dinheiro para aparecer bem no programa de TV. E as campanhas se reduziram a isso.
O senhor ajudou políticos do seu ex-partido, o DEM?
Assim que veio a público o meu caso, as mesmas pessoas que me bajulavam e recebiam a minha ajuda foram à imprensa dar declarações me enxovalhando. Não quiseram nem me ouvir. Pessoas que se beneficiaram largamente do meu mandato. Grande parte dos que receberam ajuda minha comportaram-se como vestais paridas. Foram desleais comigo.
Como o senhor ajudou o partido?
Eu era o único governador do DEM. Recebia pedidos de todos os estados. Todos os pedidos eu procurei atender. E atendi dos pequenos favores aos financiamentos de campanha. Ajudei todos.
O que senhor quer dizer com pequenos favores?
Nomear afilhados políticos, conseguir avião para viagens, pagar programas de TV, receber empresários.
E o financiamento?
Deixo claro: todas as ajudas foram para o partido, com financiamento de campanha ou propaganda de TV. Tudo sempre feito com o aval do deputado Rodrigo Maia (então presidente do DEM).
De que modo o senhor conseguia o dinheiro?
Como governador, tinha um excelente relacionamento com os grandes empresários. Usei essa influência para ajudar meu partido, nunca em proveito próprio. Pedia ajuda a esses empresários: Dizia: Olha, você sabe que eu nunca pedi propina, mas preciso de tal favor para o partido. Eles sempre ajudaram. Fiz o que todas as lideranças políticas fazem. Era minha obrigação como único governador eleito do DEM.
Esse dinheiro era declarado?
Isso somente o presidente do partido pode responder. Se era oficialmente ou não, é um problema do DEM. Eu não entrava em minúcias. Não acompanhava os detalhes, não pegava em dinheiro. Encaminhava à liderança que havia feito o pedido.
Quais líderes do partido foram hipócritas no seu caso?
A maioria. Os senadores Demóstenes Torres e José Agripino Maia, por exemplo, não hesitaram em me esculhambar. Via aquilo na TV e achava engraçado: até outro dia batiam à minha porta pedindo ajuda! Em 2008, o senador Agripino veio à minha casa pedir 150 mil reais para a campanha da sua candidata à prefeitura de Natal, Micarla de Sousa (PV). Eu ajudei, e até a Micarla veio aqui me agradecer depois de eleita. O senador Demóstenes me procurou certa vez, pedindo que eu contratasse no governo uma empresa de cobrança de contas atrasadas. O deputado Ronaldo Caiado, outro que foi implacável comigo, levou-me um empresário do setor de transportes, que queria conseguir linhas em Brasília.
O senhor ajudou mais algum deputado?
O próprio Rodrigo Maia, claro. Consegui recursos para a candidata à prefeita dele e do Cesar Maia no Rio, em 2008. Também obtive doações para a candidatura de ACM Neto à prefeitura de Salvador.
Mais algum?
Foram muitos, não me lembro de cabeça. Os que eu não ajudei, o Kassab (prefeito de São Paulo, também do DEM) ajudou. É assim que funciona. Esse é o problema da lógica financeira das campanhas, que afeta todos os políticos, sejam honestos ou não.
Por exemplo?
Ajudei dois dos políticos mais decentes que conheço. No final de 2009, fui convidado para um jantar na casa do senador Marco Maciel. Estávamos eu, o ex-ministro da Fazenda Gustavo Krause e o Kassab. Krause explicou que, para fazer a pré-campanha de Marco Maciel, era preciso 150 mil reais por mês. Eu e Kassab, portanto, nos comprometemos a conseguir, cada um, 75 mil reais por mês. Alguém duvida da honestidade do Marco Maciel? Claro que não. Mas ele precisa se eleger. O senador Cristovam Buarque, do PDT, que eu conheço há décadas, um dos homens mais honestos do Brasil, saiu de sua campanha presidencial, em 2006, com dívidas enormes. Ele pediu e eu ajudei.
Então o senhor também ajudou políticos de outros partidos?
Claro. Por amizade e laços antigos, como no caso do PSDB, partido no qual fui líder do Congresso no governo FHC, e por conveniências regionais, como no caso do PT de Goiás, que me apoiava no entorno de Brasília. No caso do PSDB, a ajuda também foi nacional. Ajudei o PSDB sempre que o senador Sérgio Guerra, presidente do partido, me pediu. E também por meio de Eduardo Jorge, com quem tenho boas relações. Fazia de coração, com a melhor das intenções.
ÉPOCA
O mineiro José Roberto Arruda é um fantasma político. Desde que retornou de uma temporada de dois meses na prisão, em abril do ano passado, o primeiro governador preso na história do país vive como um ermitão. Ele preenche os dias lendo livros de autoajuda, cuidando da filha pequena, bolando estratégias para resolver seus problemas com a Justiça. A vida de Arruda desmoronou em novembro de 2009, quando vieram a público as 31 fitas em que políticos brasilienses recebem dinheiro das mãos do ex-policial Durval Barbosa, hoje conhecido como o delator-geral da República. Iniciava-se ali o mais bem documentado caso de corrupção já visto no Brasil. Naquele momento, os 26 anos de carreira política de Arruda reduziram-se aos 19 minutos do vídeo no qual aparecia embolsando um pacote de dinheiro.
A desculpa apresentada para justificar a dinheirama (Era para distribuir panetones na periferia) serviu apenas para acrescentar uma pitada cômica ao ocaso de um político que, em seus melhores momentos, sonhou em ser presidente do Brasil. A subsequente perda do cargo e os tempos de cárcere simbolizaram seu epitáfio político. Arruda passou meses em silêncio e foi finalmente esquecido. Mas ele não esqueceu dois tipos de político: os que ele ajudou e os que o abandonaram. Ambas as categorias convergem para um só lugar: o DEM, seu alquebrado ex-partido, que agora ameaça adernar por completo sob as mágoas do ex-governador.
Arruda tem muito a contar. Entre agosto e setembro do ano passado, quando ainda não trabalhava em ÉPOCA, conversei em seis ocasiões com ele. No dia 9 de setembro, convenci Arruda a gravar uma entrevista, para a revista Veja. Ele topou, e a entrevista se estendeu por cerca de quatro horas. Mas ela não foi publicada na ocasião. Na semana passada, já em ÉPOCA, mantive três novos encontros com Arruda, em Brasília, para convencê-lo a conceder nova entrevista. Na terça-feira, ele ratificou o que contara e concordou em falar abertamente diante do gravador. Na quinta-feira, mudou de ideia sobre a entrevista. No mesmo dia, o site de Veja publicou trechos daquela que ele concedera em setembro.
A partir das declarações que Arruda deu nessas ocasiões, é possível traçar um retrato devastador da política brasileira. Ele narra em minúcias a ajuda que deu a políticos conhecidos do DEM e do PSDB. Também explica como a promiscuidade entre o dinheiro de grandes empresas e o financiamento de campanha conspurca nosso sistema político. A seguir, algumas revelações e acusações que Arruda fez em todos os encontros que mantive com ele.
– Sobre o DEM: Depois da convenção desta semana (em que o senador Agripino Maia assumiu a presidência da legenda), e com a saída do Kassab, o DEM finalmente se reduziu a sua dimensão moral. É uma pena: o Brasil precisa de um partido que defenda o ideário liberal clássico.
– Sobre aqueles a quem deu ajuda financeira: Usei meu prestígio político quando era governador para ajudar a todos. Ajudei políticos do DEM (como o senador Agripino Maia e o deputado Rodrigo Maia), do PSDB e até do PT. É até injusto citar nomes, porque ajudei a todos. O dinheiro, segundo Arruda, era usado para pagar programas de TV ou campanhas eleitorais. Maia e Agripino afirmam que todas as contribuições foram feitas dentro da lei. Arruda, porém, sugeriu em diversos momentos que elas teriam sido ilegais. Quem tem de explicar isso é o Rodrigo Maia (então presidente do partido). Eu não botava a mão na massa. Mas como você acha que foi (a ajuda)?
– Sobre a classe política: Existem dois tipos de político: o que precisa de dinheiro para se eleger e o que se elege porque quer dinheiro. Pertenço ao primeiro tipo, que muitas vezes acaba nas mãos de financiadores profissionais e depois se vê obrigado a fazer favores escusos. Muitos governantes estão aí porque cederam às chantagens. O jogo é muito claro. Eu fiz, e todos fazem. Mas é como se houvesse um grande pacto na classe política: eu faço, mas não falo. São todos hipócritas.
– Sobre caixa dois: O atual sistema de financiamento de campanha é uma roleta-russa. A qualquer momento, pode-se tomar um tiro, como eu tomei. São os interesses financeiros que presidem as eleições. Ajudando por fora, fica mais fácil para as empresas receber favor por dentro. Se a empresa não aparece como doadora, não há como provar uma relação de causa e efeito entre o favor do go-vernante e a contribuição de campanha.
– Sobre a reforma política no Congresso: Não dará em nada. Não afirmo isso por causa das pessoas que compõem a comissão. O problema é de outra ordem. Uma mudança profunda no sistema, com financiamento público de campanha e voto distrital misto, não interessa a quase ninguém. Se as regras mudassem, 90% dos políticos que aí estão não seriam eleitos.
– Sobre o delator Durval Barbosa: Mantive Durval como secretário no meu governo por pressão de um grupo de deputados e do meu vice, Paulo Octávio. Não tenho dúvida de que a delação de Durval foi arquitetada por Roriz, o maior ladrão da história de Brasília. Os dois são comparsas. O vídeo no qual apareço embolsando dinheiro foi filmado na campanha de 2006, mas divulgaram como se fosse recente. (Por estar hospitalizado, Roriz não pôde responder à acusação de Arruda. Procurado por ÉPOCA, Paulo Octávio disse: Não fiz esse pedido.)
– Sobre a prisão: Saí do palácio para a cadeia. Fiquei 60 dias num quartinho sem banheiro, sem janela. Um guarda me acompanhava até o banheiro. A luz ficava acesa o tempo inteiro, mesmo à noite. Aproveitei para ler muitos livros, escrevi um diário do que me acontecia. Acordava às 6 da manhã com o barulho de tiros, porque minha cela ficava ao lado do centro de treinamento da PF. Dormia num beliche e botava um cobertor na parte de cima, armando uma cortina para diminuir a luz do quarto.
– Sobre o futuro: Não volto mais para a política. Conseguiram acabar comigo. Penso em outras coisas: cuidar da saúde, conviver mais com a família, quem sabe voltar a ser engenheiro. Com as regras atuais, eleições nem pensar.
Quanto vale o blog de Bethânia?
O cantor e compositor baiano Gilberto Gil viajou na semana passada para uma turnê no exterior. Levará a plateias da Europa e da Ásia o show Concerto de cordas, em que interpreta canções acompanhado de duas guitarras e um violoncelo. Desde que deixou de ser ministro da Cultura, em 2008, Gil ficou à vontade para exercer o ofício em que é considerado um dos maiores do Brasil. Mas Gil não se desligou tanto assim do governo. Para financiar o Concerto de cordas, ele foi ao ministério em busca de incentivos fiscais. Não foi a única vez. Desde que Gil deixou a Pasta, a Gege Produções Artísticas, empresa criada por ele em 1982, enviou ao governo cinco projetos para captar dinheiro público para financiar seus projetos. Três deles, que somam R$ 4 milhões, foram autorizados. Os outros dois, que somam R$ 3 milhões, estão em análise. Gil também foi autorizado a buscar dinheiro para digitalizar seu acervo e criar um site biográfico.
Companheira de Gil no grupo Doces Bárbaros nos anos 1970, a cantora baiana Maria Bethânia trilhou o mesmo caminho. Como Gil, Bethânia acostumou-se a ser aplaudida ao longo de quase cinco décadas de carreira. Na semana passada, ela recebeu sonoras vaias ao dar os primeiros passos na tentativa de estrear no palco virtual. A notícia de que o Ministério da Cultura aprovara a captação de R$ 1,3 milhão pela Lei Rouanet para a criação do blog da cantora, O Mundo Precisa de Poesia, provocou alvoroço. Antes da primeira publicação, o blog já era um fenômeno de audiência. O nome de Bethânia chegou à lista dos dez assuntos mais comentados no Twitter. O orçamento do projeto despertou revolta entre os tuiteiros alguns famosos, como o cantor Lobão (leia o quadro). No mercado, estima-se que manter um blog do tipo custe em torno de R$ 100 mil por ano.
Os projetos de Gil e Bethânia esquentam o debate sobre o uso do incentivo fiscal por artistas. A Lei Rouanet, de 1991, se tornou uma maneira acessível de levantar recursos para projetos culturais. Para ter direito ao benefício, os artistas enviam um projeto ao Ministério da Cultura. A Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) analisa os pedidos e autoriza o artista a captar uma quantia estabelecida. Ele procura pessoas físicas ou jurídicas, que topam financiar o projeto e, em troca, podem destinar, respectivamente, até 6% ou 4% de seu Imposto de Renda para financiar a produção de CDs, DVDs, espetáculos musicais, teatrais, de dança, filmes e livros.
A universidade de R$ 550 milhões
Foz do Iguaçu, no Paraná, está prestes a entrar para o seleto grupo de cidades brasileiras, como Brasília, São Paulo e Niterói, que abrigam monumentos portentosos desenhados pelo arquiteto Oscar Niemeyer. Até 2014, Foz deverá abrigar um complexo de edifícios de 144.000 metros quadrados, a futura sede da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila). Os prédios serão er-guidos a um custo previsto de R$ 550 milhões. De acordo com o governo, a Unila abrigará até 10 mil alunos do Brasil e de outros países da América Latina. A Unila tem um luxo adicional. Seu terreno e o projeto arquitetônico e de engenharia, avaliado em R$ 11,3 milhões, foram bancados por Itaipu Binacional, dona de um dos caixas mais forrados da administração pública.
A ideia de criar uma universidade na região fronteiriça para integrar brasileiros e sul-americanos nasceu no começo dos anos 80. Mas somente quase três décadas depois o projeto da universidade ganhou corpo. Com o discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de estreitar os laços com os países da região, uma comissão foi montada pelo governo brasileiro para estruturar a universidade. Havia uma disputa entre Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul para sediá-la. O fator decisivo para a escolha de Foz do Iguaçu foi a ajuda de Itaipu. Como Niemeyer já estava negociando outro projeto com a estatal, ele acabou sendo convidado para desenhar o complexo universitário. Para a Unila, Niemeyer diz ter se inspirado em outro projeto de universidade feito por ele: a Universidade Men-touri de Constantine, na Argélia, no final dos anos 1960.
O contrato entre Itaipu e o escritório de Niemeyer foi firmado sem concorrência pública. Ou seja: a direção de Itaipu nem consultou os preços de outros escritórios de arquitetura. A estatal também não abriu concurso público para escolher o projeto. Não seria nossa atribuição, diz nota de Itaipu encaminhada a ÉPOCA. Segundo a estatal, a contratação direta de Niemeyer está amparada legalmente na singularidade do projeto e na notória especialização, casos em que existe a possibilidade de dispensar licitação. De acordo com Itaipu, o preço cobrado por Niemeyer pelo projeto da Unila está em torno de 2,5% do valor da obra. O preço do metro quadrado sairá mais barato que o verificado no Centro Administrativo de Minas Gerais em Belo Horizonte, também elaborado por Niemeyer, afirma o pró-reitor de administração e planejamento da Unila, Paulino Motter. Pelos nossos cálculos, o metro quadrado custará aproximadamente R$ 3 mil. Em Minas custou em torno de R$ 5 mil.
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