ÉPOCA
“Fui afastado pela negociata de uma empreiteira e um contraventor ” – trecho de entrevista com Luiz Antonio Pagot, ex-diretor-geral do Dnit
Principal braço do Ministério dos Transportes, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) conta com um orçamento anual de cerca de R$ 10 bilhões para construir e reformar as deficientes estradas e ferrovias brasileiras. Historicamente, esse dinheiro é disputado por grandes empreiteiras, num jogo que envolve empresários, técnicos, advogados, lobistas e políticos. Nesse campo são corriqueiras as brigas judiciais, golpes baixos e acusações de favorecimento. As investigações da Polícia Federal (PF) sobre a organização do bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, já revelaram a proximidade da turma com a empreiteira Delta Construções.
Associado ao diretor da Delta para o Centro-Oeste, Cláudio Abreu, Cachoeira colocava seus companheiros para trabalhar pela empresa em busca de contratos em vários Estados. Diálogos captados pela polícia, com autorização judicial, mostram que o grupo de Cachoeira atuou no jogo bruto dos negócios dentro do Dnit. Eles arquitetaram uma maneira de afastar Luiz Antonio Pagot do cargo de diretor-geral do Departamento. No dia 10 de maio de 2011, segundo gravações da PF, Cachoeira disse a Abreu que “plantou” as informações contra Pagot na imprensa. “Enfiei tudo no r… do Pagot”, diz Cachoeira. Nesta semana, quase um ano depois do episódio, Pagot deu entrevista exclusiva a ÉPOCA sobre as circunstâncias de sua queda.
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O afastamento de Pagot, bombardeado por acusações de cobrar propinas, foi comemorado pela turma de Cachoeira. Quase dois meses depois de ter ouvido de Cachoeira que a imprensa recebera material contra a diretoria do Dnit, Abreu telefonou para o bicheiro. Em tom de galhofa, diz durante a conversa que a presidente Dilma Rousseff ordenara ao então ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento, a afastar todos os citados em reportagem publicada pela revista Veja. Naquele momento, Abreu e Cachoeira dividiram elogios entre eles e enalteceram a força de sua associação.Consultor de empresas privadas na área de transportes, Luiz Antonio Pagot diz que não sabia da manobra de Cachoeira e Abreu. “Fui surpreendido por ter sido afastado através de uma negociata de uma empreiteira com um contraventor”, diz Pagot. “Isso serviu para que fosse ditado meu afastamento. É um verdadeiro descalabro.” Mas qual seria o interesse da empresa e de Cachoeira em prejudicar Pagot, se em sua gestão a Delta apresentara crescimento espetacular nos negócios com o Dnit? Ele afirma ter criado problemas para a Delta. Segundo Pagot, quatro episódios criaram animosidade entre ele e a empreiteira:
• A Delta subcontratou uma empresa para obras de recuperação de um trecho de 18 quilômetros da BR-116, em Fortaleza, Ceará, sem consentimento do Dnit. O Departamento abriu processo administrativo contra a Delta.
Publicidade• Pagot diz que, em uma obra na BR-163, em Serra de São Vicente, em Mato Grosso, a espessura do concreto da rodovia, feita pela Delta, era menor que a prevista no contrato, fato que poderia provocar um desgaste precoce. A Delta teve de repavimentar a estrada.
• Segundo Pagot, a Delta não justificou os atrasos no início das obras do Trecho Manilha-Santa Guilhermina da BR-101, no Rio de Janeiro. “A Delta estava esperando terminar uma obra em outro lugar para iniciar esse trecho”, diz Pagot. “Mas essa história não é bem assim. A Delta conhecia as exigências do edital. Tinha de estar preparada para começar as obras. Não admiti tantas postergações.” Segundo o Dnit, a Delta espera liberações do Ministério de Minas e Energia e do Ministério do Meio Ambiente para iniciar as obras.
• A Delta estava entre as insatisfeitas com o resultado da licitação de obras de duplicação da BR-060, em Goiás. Segundo Pagot, as empreiteiras esperavam que os contratos fossem de R$ 1,6 bilhão, mas saíram por R$ 1,2 bilhão. Isso frustrou as expectativas de faturamento, inclusive da Delta. A Delta lidera um consórcio que venceu um dos lotes da licitação.
De acordo com Pagot, diretores da empresa ficaram contrariados com a postura do Dnit e fizeram pressão contra a diretoria do órgão. “Recebi visitas do presidente do Conselho de Administração, Fernando Cavendish, do diretor da empresa para a Região Centro-Oeste, Cláudio Abreu, e do diretor da empresa para a Região Norte, Aluízio de Souza”, diz Pagot. “Escutei todas as reivindicações e agi como sempre fiz: pedi que formalizassem essas reivindicações. Fazia isso com todo mundo que ia lá.”
Cachoeira diz que vai “matar a pau” na Caixa Econômica Federal
ÉPOCA teve acesso com exclusividade a diálogos gravados que mostram como a turma do bicheiro Carlinhos Cachoeiraatua para conseguir negócios milionários com a Caixa Econômica Federal. Em uma conversa gravada pela Polícia Federal, em 14 de abril de 2011, o empresário Cláudio Abreu, então diretor da Delta Construções para o Centro-Oeste, diz, aos gritos, para Cachoeira que eles haviam ganhado um grande contrato com a CEF: a construção em Brasília do Centro Tecnológico da Caixa, uma obra no valor de R$69,7 milhões.
Cachoeira também tinha uma boa notícia para dar para o parceiro Cláudio Abreu. Ele diz que “a Marise” é a nova superintendente da Caixa Econômica em Goiás. Segundo Cachoeira, Marise havia sido indicada por Marcelo Limírio, do laboratório NeoQuímica, também sócio de Cachoeira. “Marise” é Marise Fernandes de Araújo, uma funcionária de carreira que assumiu a Superintendência da CEF 20 dias depois da conversa entre Abreu e Cachoeira. “Vou levar ela aí para você conhecê-la”, diz Cachoeira. Cláudio Abreu diz que é importante: “Sabe por quê? As obras de saneamento aí do PAC em Catalão, que nós vamos fazer. Isso tudo vai depender da superintendência”, afirma Abreu. Sete meses depois desse diálogo entre Cachoeira e Abreu, a empresa Delta foi contratada, no dia 22 de novembro de 2011, para fazer obras de saneamento em Catalão. Valor do contrato: R$ 25,1 milhões.
Numa terceira conversa gravada, na noite de 14 de abril de 2011, Cachoeira e Abreu voltaram a falar sobre o contrato para a construção do centro tecnológico da Caixa. “Carliiiinhos, que vitória lá em Brasília! Essa obra da Caixa. É o edifício digital da Caixa”, diz Abreu, vibrando. “Excelente, Cláudio! Excelente”, diz Cachoeira. “Isso para nós vai ser muito bom. Vamos fazer um negócio bacana, bonito, show de bola”. Carlinhos Cachoeira também se empolga: “Vamos matar a pau, Cláudio, matar a pau”.
A Caixa afirma que a Delta Construções venceu uma licitação, na qual cumpriu todos os requisitos técnicos e legais e não sofreu qualquer tipo de contestação. Mas, diante das gravações feitas pela Polícia Federal, a diretoria da CEF determinou uma avaliação sobre os procedimentos adotados na licitação. “A Caixa, em respeito à transparência dos atos da administração, embora não tenha verificado nenhum procedimento em desacordo com os aspectos legais que orientam a contratação, instaurará processo de análise preliminar para rever todos seus aspectos, assim como solicitará uma auditoria no processo”, afirma a CEF, em nova enviada a ÉPOCA.
Disputa por um pedaço de Goiás
As investigações da Operação Monte Carlo mostram que a organização comandada pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira tinha lá seus dias de dificuldade. Escutas telefônicas obtidas por ÉPOCA mostram que Cachoeira se preocupava com seu latifúndio. Em abril de 2011, ele se mostrava atento à ascensão de potenciais concorrentes na proximidade com o governador de Goiás, Marconi Perillo. Cachoeira fala numa sociedade entre Perillo e dois empresários para a compra de um avião de pequeno porte. O bicheiro avalia a aeronave em R$ 4 milhões.
A informação surge numa conversa entre Cachoeira e Wladmir Garcez. Ex-vereador pelo PSDB goiano, Garcez é apontado pela polícia como assessor de Cachoeira e responsável por contatos entre o bicheiro e Perillo. Às 22h30 de 18 de abril do ano passado, Cachoeira diz a Garcez que está “levando bola nas costas em tudo”. Na gravação, ele se mostra incomodado com um empresário chamado Wélber. “Wélber, aquele cara de Brasília, ele é sócio do Marconi no avião aí com o Rossine (…). Pagou R$ 4 milhões, um trem assim. O Marconi tem 50%, o Rossine tem 25%, e esse Wélber tem 25”, afirma Cachoeira. “Aquele dia, ele (a PF não identifica quem seria “ele”)falou que era amigo dele, você lembra?”, diz Garcez. Cachoeira afirma: “Tô te falando uai, esse trem aí… Nós tamo levando bola nas costas de todo mundo”. Cachoeira não admitia sombras em seus negócios.
O governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), afirmou, por meio de nota: “Nunca participei de nenhuma sociedade com as pessoas citadas e jamais adquiri qualquer tipo de aeronave”. Perillo diz ainda que o governo de Goiás tem a quantidade de aeronaves suficiente para atender às necessidades do governador. Perillo afirma também que não conhece o empresário Wélber, tampouco Rossine, ambos mencionados por Cachoeira como seus sócios na transação.
Rossine Aires Guimarães é um empresário com origem em Catalão, Goiás, com negócios também em Tocantins e Mato Grosso. Em 2010, ele doou R$ 800 mil ao PSDB de Goiás durante a campanha que elegeu Perillo. Rossine é apontado pela PF como sócio de Cachoeira na Ideal Segurança. Os outros sócios são Cláudio Abreu, o diretor demitido da Delta Construções no Centro-Oeste, e o delegado federal Deuselino Valadares, suspeito de fazer parte da quadrilha. Além de parceiro de Cachoeira, Rossine é sócio da Vale do Rio Lontra, empresa que manteve contrato com a Agência Goiana de Transportes e Obras. O acerto foi rescindido no ano passado pelo governo de Goiás. ÉPOCA não conseguiu falar com Rossine.
Magda Chambriard: “Quero me cercar dos mais capazes” – trecho de entrevista com diretora-geral da ANP
Primeira mulher à frente da Agência Nacional do Petróleo (ANP) e primeira indicação sem ligações partidárias do órgão, a engenheira Magda Chambriard, de 54 anos, tem um tom de voz doce e firme – o mesmo que usa em suas cobranças. Há um mês no comando da ANP, Magda promete mais fiscalização nas áreas ambiental e de segurança. Entre o fim de 2011 e abril de 2012, houve três vazamentos de petróleo no mar. “Não pretendo ter um fiscal em cada poço, mas quero estar ciente do que acontece em cada um deles”, disse Magda a ÉPOCA. Funcionária de carreira da Petrobras, casada há 27 anos e mãe de duas gêmeas de 19, ela foi guindada a uma vitrine mundial: o Brasil tem 25% da produção de petróleo em águas profundas e se tornará um dos maiores produtores com o pré-sal.
ÉPOCA – Desde o governo Lula, a ANP esteve na cota das indicações do PCdoB. Isso deu margens a críticas, suspeitas e denúncias. A senhora pretende fazer trocas para valorizar os técnicos?
Magda Chambriard – A ANP regula e fiscaliza um dos setores mais dinâmicos da economia brasileira. Para fazer isso com competência, precisa de profissionais preparados e dedicados. É isso que espero de quem trabalha na ANP, servidores ou não. Não vou demitir uma pessoa por ela ser filiada ao partido A, B ou C, como também não vou contratar ninguém por esse motivo. Sei que na ANP existem pessoas filiadas a partidos políticos. Isso não me interessa, como também não me interessa a etnia ou a religião. Hoje, mais de 90% dos superintendentes da ANP são concursados ou funcionários cedidos de outros órgãos. Divido as pessoas em menos capazes, capazes e mais capazes. Sei que existem pessoas muito capazes no serviço público. Pretendo me cercar das mais capazes.
ÉPOCA – A senhora é a primeira indicação para a diretoria-geral da ANP sem respaldo de um partido. Sente-se fortalecida ou fragilizada, já que também não há uma bancada defendendo-a, mas muitas querendo seu lugar?
Magda – Sinto-me honrada. Imagina se, ao me formar, podia pensar que um dia seria indicada pela presidente da República? Se me sentisse fragilizada, não teria aceitado.
ÉPOCA – Como a senhora conheceu a presidente Dilma?
Magda – Ao longo de 2009, participei de muitas reuniões do grupo interministerial do pré-sal para esclarecer alguns pontos. Não dá para dizer que somos amigas, mas temos uma relação de respeito, profissionalismo e até de confiança.
O aborto além da anencefalia
A gaúcha Rosana Rodrigues, de 38 anos, lembrou-se de um dos anos mais marcantes de sua vida ao acompanhar a sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) da quinta-feira 12. Naquele dia, por 8 votos a 2, os ministros determinaram que as mulheres têm o direito de interromper a gravidez quando o feto for anencéfalo – ou seja, não tem cérebro. Até então, as gestantes nessa situação precisavam de autorização específica da Justiça para realizar um aborto. Rosana viveu uma situação semelhante, mas de outra natureza. Em 2003, em seu quarto mês de gravidez, um exame genético identificou uma anomalia grave no feto que impediria seu pleno desenvolvimento. Não era anencefalia. Não representava risco de morte evidente para a mãe – caso em que a legislação brasileira permite o aborto. Mesmo assim, Rosana pediu à Justiça autorização para interromper sua gravidez. E conseguiu.
O diagnóstico anexado ao processo mostrou que o filho de Rosana tinha síndrome de Patau, anomalia rara em que o embrião tem três cromossomos número 13, em vez de dois. Os problemas mais comuns causados por essa condição são lábio leporino, globo ocular pequeno e polidactilia (os bebês nascem com mais de cinco dedos em cada pé ou mão). Todos os outros órgãos podem ser afetados. As estatísticas mostram que 44% dos bebês com esse diagnóstico morrem antes do primeiro mês de vida. Só 30% sobrevivem mais que seis meses. Raríssimos chegam à vida adulta. Segundo o parecer médico, se sobrevivesse, o bebê teria convulsões frequentes e deficiência mental grave.
A primeira juíza que analisou o caso negou o pedido de aborto. Rosana e seu marido recorreram. No dia 2 de abril de 2003, o desembargador Manuel José Martinez Lucas afirmou que, em 1940, quando o Código Penal brasileiro foi elaborado, a medicina não tinha os recursos técnicos que hoje permitem o diagnóstico de anomalias fetais graves. Para ele, no entanto, isso não poderia impedir um juiz de tomar uma decisão que considerasse mais justa. “O Direito (…) não se esgota na lei, nem está estagnado no tempo, mas necessita acompanhar a evolução social, sob pena de perder o prestígio e o sentido”, afirmou. Martinez Lucas citou os graves problemas que o bebê teria se sobrevivesse. “Parece-me induvidoso que, nessa hipótese (de o bebê nascer), se poderá prever, aí sim, uma terrível desorganização da saúde mental, aliás natural em função do pesadíssimo encargo que a vida impôs a esse casal”, disse. O aborto estava autorizado.
Rosana conquistou esse direito, mas não o exerceu. Quando a decisão saiu, ela já estava no quinto mês de gravidez. Os médicos disseram que, naquele estágio, não fariam um aborto, mas uma antecipação do parto. Assim, se o bebê nascesse com vida, poderia passar dias, semanas ou meses na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Rosana já passara por isso com seu primeiro filho – um garoto que hoje tem 18 anos e tem malformação no cérebro – e não quis repetir a experiência. Resolveu esperar até o fim da gestação. “Levei a gravidez com muito sofrimento. Vivia sedada e comecei a fazer terapia para sobreviver”, afirma. “Deixamos de fazer planos. Estagnamos ali.” Depois do parto, uma mini-UTI foi montada em sua casa. Foi lá que, aos 3 meses de vida, Luiz Miguel morreu. Casada há 20 anos e mãe de dois filhos (ela tem também uma menina de 7 anos), Rosana não se arrepende de ter mantido a gravidez. Mas ficou feliz com o desfecho jurídico de sua história. “Nosso caso serviu de jurisprudência e abriu portas para outras pessoas”, diz. Seu processo ajudou a criar uma nova realidade na interpretação jurídica de situações de malformação de fetos, além da anencefalia. Foi citado em pelo menos outras oito decisões judiciais que autorizaram interrupção de gravidez.
Lula na sombra dele – coluna Felipe Patury
Há um mês, a presidente Dilma Rousseff disse ao líder do PMDB no Senado, Renan Calheiros, que apoiaria sua candidatura ao governo de Alagoas. A questão é que Renan não almeja o Estado, mas a presidência do Senado. Ele entendeu que Dilma o queria fora do jogo no Parlamento. Na semana passada, Renan recebeu uma injeção de ânimo – e logo de quem. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva garantiu-lhe: “Você tem meu apoio para o que quiser. Conte comigo”. É o que se chama de sinal trocado.
ISTOÉ
Uma rede criminosa que corrompe o País
Na semana passada, ISTOÉ obteve a íntegra do inquérito da Operação Monte Carlo, que resultou na prisão do bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira. São quase 15 mil páginas, reunidas em 40 volumes e duas dezenas de apensos, além de 11 mil horas de gravações. Na análise do processo, do qual apenas alguns trechos eram conhecidos até então, a Polícia Federal não só traz à tona as relações promíscuas do esquema do bicheiro com autoridades nos três níveis de poder como esmiúça um império de empresas criadas com a finalidade de corromper em todo o País, desviar verbas, fraudar licitações e lavar o dinheiro ilegal. O levantamento também deixa claro que o grupo de Cachoeira vem agindo há pelo menos 16 anos e foi capaz de ultrapassar diversos governos e tonalidades partidárias. “Aqui come todo mundo, cara. Se não pagar pra todo mundo não funciona. Eu tô nisso há 16 anos!”, sintetiza Lenine Araújo de Souza, o braço direito de Cachoeira, em diálogo gravado pela Polícia Federal.
A descentralização dos negócios e o uso extensivo de laranjas deram capilaridade nacional à atuação de Cachoeira. Embora o bicheiro mantenha o controle das empresas por meio de um núcleo formado por parentes e amigos próximos, a PF identificou pelo menos 149 pessoas que em algum momento estiveram ou ainda estão associadas à quadrilha. Normalmente, a máfia de Cachoeira participa de licitações que já consideram ganhas, à base, é claro, de pagamentos de propina para autoridades e servidores estratégicos. A análise desse império de dimensões bilionárias indica que Cachoeira, nos últimos anos, usou especialmente empresas ligadas à área de medicamentos para se aproximar de governos em, no mínimo, nove Estados. O objetivo do empresário-bicheiro era abocanhar uma bilionária fatia da verba pública destinada à compra de medicamentos genéricos.
Para isso, criou o laboratório Vitapan, com sede em Anápolis (GO), que rapidamente se tornou um dos principais fornecedores nacionais de genéricos. O laboratório foi uma espécie de cartão de visitas de Cachoeira para se infiltrar em governos estaduais e municipais. Hoje, a empresa está avaliada em R$ 100 milhões, tem convênios até com a Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e está associada a outros grandes do setor, como a Neo Química e o laboratório Teuto Brasileiro. A Neo Química está hoje nas mãos do grupo Hypermarcas do empresário Marcelo Henrique Limírio, sócio de Cachoeira no Instituto de Ciências Farmacêuticas (ICF), que produz testes laboratoriais e faturou R$ 10 milhões em 2010, segundo a PF. Limírio também é sócio do senador Demóstenes Torres no Instituto de Nova Educação, faculdade criada em Contagem, e doou R$ 2,2 milhões para as campanhas de Demóstenes e do governador de Goiás, Marconi Perillo.
Ao longo dos últimos 16 anos, Cachoeira aprimorou e diversificou esse esquema. Mas, no início de suas atividades, ele usava empresas de gestão de loterias, seu core business, para fazer a aproximação com o poder público. Com a empresa Capital Bet, ele venceu sozinho a concorrência para a distribuição de bilhetes de loterias no Rio Grande do Sul, em 2001, na gestão Olívio Dutra. Com a Gerplan, que controlava a loteria em Goiás, entrou no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. O modus operandi incluía fraudes nos prêmios das loterias e suborno de autoridades, como foi revelado no escândalo Waldomiro Diniz, que desembocaria na CPI dos Bingos.
As assombrações de Protógenes
Delegado licenciado da Polícia Federal, Protógenes Queiroz se elegeu deputado pelo PCdoB-SP, em 2010, em busca de imunidade e foro privilegiado. A instalação da CPMI para investigar a rede de corrupção montada pelo bicheiro Carlinhos Cachoeira, porém, coloca abaixo a estratégia de proteção. Na quinta-feira 19, alguns deputados e senadores cotados para compor a comissão davam como certo que Protógenes será um dos primeiros convocados a prestar esclarecimentos, apesar de haver assinado o requerimento para a abertura das investigações. As gravações de conversas telefônicas feitas pela PF durante a Operação Monte Carlo – que revelou o esquema de Cachoeira – mostram que Protógenes e um dos principais operadores do bicheiro, o sargento da Aeronáutica Idalberto Matias Araújo, conhecido como Dadá, são mais do que íntimos amigos. Os diálogos agora divulgados e documentos em poder da Corregedoria da PF e do Ministério Público Federal indicam que o deputado e o araponga Dadá são cúmplices em crimes pelos quais Protógenes já foi indiciado, denunciado e condenado em primeira instância a três anos e quatro meses de prisão pela 7ª Vara Criminal da Justiça Federal em São Paulo. “Os diálogos comprovam fatos passados durante a Operação Satiagraha e levantam a suspeita de que o atual deputado participava do esquema de Cachoeira”, disse um parlamentar de São Paulo que deverá assumir um posto na CPMI tão logo a comissão seja instalada.
Durante a Operação Monte Carlo, foram gravados seis telefonemas que revelam uma associação criminosa entre Protógenes e Dadá. Um dos crimes que teriam sido praticados pelo atual deputado, segundo os delegados da PF e procuradores que trabalham na investigação, seria o de coação de testemunhas, ação que costuma ser punida com a prisão preventiva do acusado. Em 2008, Protógenes comandou a chamada Operação Satiagraha, que prendeu o banqueiro Daniel Dantas. O problema é que foram descobertas diversas ilegalidades na investigação. De acordo com a Corregedoria da PF, com a denúncia do Ministério Público e com a decisão de primeira instância da Justiça Federal, Protógenes foi responsável por quebra de sigilos da investigação, promoveu grampos telefônicos em ambientes sem autorização judicial, forneceu senhas de acesso aos grampos da PF para 84 arapongas comandados por Dadá que foram levados de forma clandestina para a investigação. No processo, Protógenes é réu. Dadá e Jairo Martins, outro araponga ligado ao esquema de Cachoeira, são testemunhas. Nos diálogos gravados pela Operação Monte Carlo, Protógenes diz como Dadá e Martins devem se conduzir durante seus depoimentos. A conversa (leia quadro na pág. ao lado) foi gravada em nove de agosto do ano passado. Dias depois, os dois espiões deveriam depor na Polícia Federal. Ambos disseram que só iriam se pronunciar na Justiça.
Além dos diálogos que confirmam as ilegalidades praticadas por Protógenes no correr da Satiagraha, outras conversas interceptadas no ano passado apontam para a participação de delegado licenciado na organização comandada por Cachoeira. Segundo relatos de delegados que participaram da operação, “Protógenes procurava influir na nomeação de pessoas em governos ligados ao esquema e também se proporia a abrigar em seu gabinete na Câmara funcionários que fossem indicados pelo grupo”.
(…)
Na semana passada, o deputado negou qualquer participação no esquema de Cachoeira. Admitiu que conhece Dadá, mas afirmou que mantinha com o araponga uma relação profissional, pois era do setor de inteligência da PF e Dadá, do serviço de informações da Aeronáutica. O problema é que, nas datas em que as conversas foram gravadas, Protógenes estava afastado da PF e já exercia mandato parlamentar e Dadá estava aposentado na Aeronáutica e já atuava como araponga a serviço de causas privadas. As conversas, portanto, não são entre dois funcionários públicos lotados em serviços de inteligência, mas revelam a promiscuidade de um deputado com um araponga funcionário de bicheiro. Na quinta-feira 19, o PSDB encaminhou representação assinada pelo deputado Sérgio Guerra (PE) ao presidente da Câmara pedindo que fosse aberto um processo disciplinar contra Protógenes.
O STF rachado
Manda a tradição que os ministros do Supremo Tribunal Federal façam homenagem a quem deixa a presidência da Corte com uma sequência de discursos repletos de elogios. Mas a despedida de Cezar Peluso, na quarta-feira 18, seguiu outro roteiro. Foi fria, rápida e sem uma palavra sequer de apoio. Minutos antes do início da sessão, no Salão Branco, dois ministros conversavam sobre a falta de disposição de cumprir o ritual de discursar na saída do presidente. Um deles chegou a sugerir que telefonassem para o decano Celso de Mello, que ainda não tinha chegado para a sessão. O gesto deixou claro que Marco Aurélio Mello, o segundo mais antigo integrante do STF, não pretendia fazer elogios à atuação de Peluso. A quebra da tradição foi um exemplo claro do clima de discórdia que reina no Supremo às vésperas do julgamento do processo do mensalão, o maior da história da mais alta Corte do País. Responsáveis pelo desfecho do caso, os 11 ministros têm opiniões diferentes sobre a prioridade que deve ser dada ao processo. ISTOÉ conversou com ministros, assessores e advogados que circulam entre os integrantes do mais importante órgão do Judiciário para mostrar o tamanho da crise no STF.
A descrição sobre o que está, de fato, acontecendo muda de tom, mas o conteúdo é semelhante. Todos concordam que o clima nunca foi tão tenso e não se restringe apenas ao grau de impopularidade que Cezar Peluso atingiu nos últimos anos, especialmente entre os próprios pares. Tanto assim que nem a chegada do novo presidente, Carlos Ayres Britto, parece ser capaz de apaziguar os ânimos e reduzir as divergências instauradas. O ministro mais popular da Corte assumiu a presidência com a firme disposição de apressar a votação do processo do mensalão. Afinado com o relator Joaquim Barbosa, o novo presidente começou a telefonar para os colegas e perguntar sobre o andamento dos votos. Antes de tomar posse, Ayres Britto avisou que pretende conversar com seus pares sobre a importância do caso e a necessidade de julgá-lo rapidamente.
Nem bem iniciou sua estratégia, ele encontrou resistência de outros ministros, que, como não têm interesse em mudar a rotina do tribunal, apegam-se a formalismos para justificar suas posições. O ministro revisor do caso, Ricardo Lewandowski, é o mais irritado e resolveu interpretar os telefonemas como uma forma de pressão para que acelere o seu voto. Publicamente, fez um discurso afirmando que “ministros não são pressionados”. Reservadamente, no entanto, o discurso é outro. O revisor do mensalão admitiu não estar satisfeito com posicionamentos de outros integrantes da Corte. “Tenho plena autonomia”, reclamou. Lewandowski tem repetido que também respeita a opinião pública, mas não admite as interferências externas e não concorda em colocar o mensalão na frente de outros processos.
A posição de Lewandowski é respaldada por Marco Aurélio Mello e pelo decano Celso de Mello. Os dois consideram absurda a inversão de pauta. “Não vejo motivo para dar tratamento diferenciado”, diz Marco Aurélio. Por motivos muito mais pessoais do que os argumentos de julgador, o ministro Antonio Dias Toffoli não tem qualquer interesse em priorizar o caso. Advogado do PT por anos e titular da AGU no governo Lula, Toffoli se irritou com declarações de colegas de que será uma verdadeira “anomalia” ele não se declarar impedido. Disposto a votar no caso, ele disse que não vê motivo para seu impedimento. “Todos os ministros do STF que receberam a denúncia foram indicados por Lula, mas o magistrado não tem compromisso com quem fez sua indicação”, disse Toffoli após um evento na Fiesp. Apesar do argumento, ele não convence os colegas.
O mal-estar envolvendo Toffoli e os demais integrantes do STF já começou a ser notado no mundo jurídico. No dia 2 de abril, quem assistiu à posse dos novos dirigentes do Tribunal Regional Federal da 3ª Região percebeu que ele sequer cumprimentou o colega Ayres Britto durante o evento. Ao ser questionado sobre a deselegância de seu ato, o ex-AGU explicou que estava com muita pressa para pegar carona no avião do vice-presidente Michel Temer. Ayres Britto fez que entendeu. A maioria do STF se alinha com Ayres Britto e defende tratamento diferenciado para o mensalão. Até integrantes da ala mais conservadora, como Gilmar Mendes e Cezar Peluso, acreditam que adiar o julgamento colocaria o Supremo numa situação delicada por conta do risco real de prescrição.
Precisa cair mais
Apressão da presidenta Dilma Rousseff começou a dar resultados. Na quarta-feira 18, os dois maiores bancos privados do País, Itaú e Bradesco, anunciaram cortes de juros em suas operações de crédito, acompanhando as medidas anunciadas pelo HSBC e pelo Santander dias antes. Os bancos privados não resistiram à concorrência do Banco do Brasil e da Caixa Econômica. Em uma semana, os empréstimos diários do BB subiram 45%. Na Caixa, a alta foi de 17% para pessoas físicas e de 9% para empresas. Além disso, milhares de novos clientes buscaram informações sobre os juros mais baixos. Itaú e Bradesco, portanto, se viram obrigados a reduzir suas taxas para não perder mercado. O movimento, porém, não é suficiente. Mesmo levando em conta os impostos e os custos elevados, os bancos ainda aplicam um spread de 30% em seus financiamentos. A inadimplência tem se mantido estável, com leves aumentos, o que não justifica a elevada taxa de risco nem a enorme taxa de intermediação cobrada. Isso sem falar nas infindáveis tarifas bancárias. “Os juros vão cair mais”, diz uma fonte graduada do ministério da Fazenda. “Esse foi o primeiro passo, mas há mais gordura para cortar.”
Nas próximas três semanas, o governo vai acompanhar a efetiva redução dos juros nas instituições privadas e BB e Caixa continuarão trabalhando para fazer valer a vontade de Dilma Rousseff. Na quinta-feira 19, um dia depois de o Banco Central reduzir a Selic em 0,75 ponto percentual para 9% ao ano, o BB divulgou novas reduções em suas taxas mínimas. Os juros cobrados nas operações de crédito consignado, por exemplo, foram reduzidos de 0,85% para 0,79% ao mês. Com o anúncio, o BB passou novamente à frente dos bancos privados. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, diz que os bancos têm condições de reduzir seus juros, pois captam recursos remunerados pela Selic e emprestam a taxas muito superiores. Para Mantega, até se justificaria a reclamação contra os impostos sobre as operações financeiras se os bancos brasileiros não estivessem entre os mais lucrativos do mundo. Portanto, há margem de sobra para reduzir os juros cobrados da população.
CARTACAPITAL
CPI da mídia? (trecho de editorial – Mino Carta)
Recheada de anúncios, a última edição da Veja esmera-se em representar à perfeição a mídia nativa. A publicidade premia o mau jornalismo. Mais do que qualquer órgão da imprensa, a semanal da Editora Abril exprime os humores do patronato midiático em relação à CPI do Cachoeira e se entrega à sumária condenação de um réu ainda não julgado, o chamado mensalão, apresentado como “o maior escândalo de corrupção da história do País”.
A ligação entre o inquérito parlamentar e o julgamento no Supremo Tribunal Federal é arbitrária, a partir das sedes diferentes dos dois eventos. Mas a arbitrariedade é hábito tão arraigado dos herdeiros da casa-grande a ponto de formar tradição. Segundo a mídia, a CPI destina-se a desviar a atenção da opinião pública do derradeiro e decisivo capítulo do processo chamado mensalão. Com isso, a CPI pretenderia esconder a gravidade do escândalo a ser julgado pelo Supremo.O caso revelado pelo vazamento dos inquéritos policiais que levaram à prisão do bicheiro Cachoeira existe. Pode-se questionar o fato de que o vazamento se tenha dado neste exato instante, mas nada ali é invenção. Inclusive, a peculiar, profunda ligação do jornalista Policarpo Junior, diretor da sucursal de Veja em Brasília, com o infrator enfim preso. Não é o que se espera de um qualificado integrante do expediente de uma revista pronta a se apresentar como filiada ao clube das mais importantes do mundo. Pois é, o Brasil ainda é capaz de dar guarida a grandes humoristas.
Não faltam, nesta área, os alquimistas, treinados com requinte para cumprir a vontade do patrão. Jograis inventores. Um deles sustenta impávido que a presidenta Dilma despenca em São Paulo para recomendar a Lula toda a cautela em apoiar a CPI do Cachoeira, caldeirão ao fogo, do qual respingos candentes poderão atingir o PT. É possível. E daí? Certo é que a recomendação não houve. E que o Partido dos Trabalhadores escala, no topo da pirâmide, um presidente, Rui Falcão, tão pateticamente desastrado ao rolar a bola na boca da pequena área para o chute midiático. Disse ele que a CPI vinha para “expor a farsa do mensalão”. De graça, ofertou a deixa preciosa aos inimigos. Só faltava essa…
De todo modo, o mensalão. Se o inquérito policial falou claro a respeito de Cachoeira e companhia, o mensalão ainda não foi provado. É este um velho argumento de CartaCapital, pisado e repisado. É inaceitável, em tese, antecipar-se ao julgamento, mesmo que no caso haja razoável clareza para admitir outros crimes, como uso de caixa 2 e lavagem de dinheiro. Não há provas, contudo, de um pagamento mensal, mesada pontual a irrigar o Congresso. A sentença compete ao Supremo, e a presença de Ayres Brito na presidência do tribunal representa uma garantia. O mesmo Ayres Brito que não aceita declarar mensalão enquanto carece de provas.
Sobra a CPI do Cachoeira. Veremos o que veremos. Resta, de minha parte, a convicção de que poderia tornar-se o inquérito da mídia nativa. Outros são os jornalistas (jornalistas?) envolvidos, além de Policarpo Junior, de sorte a configurar a chance de naufrágio corporativo. Entendam bem, evito ilusões. Não creio, infelizmente, que o Brasil esteja maduro para certos exames de consciência entre o fígado e a alma.
Palanque eletrônico. Com dinheiro público
Quem navega pelos portais oficiais de governos, tribunais, câmaras de vereadores ou assembleias legislativas tem acesso a fotos de autoridades com sorrisos largos entre inaugurações, bexigas, comemorações e promessas, muitas promessas para melhorar o mundo. Podem parecer sorrisos inocentes, mas a personalização de um espaço público é hoje um dos principais entraves no combate a antigos vícios públicos, como o nepotismo.
A falta de transparência dos portais – próximo embate a ser travado no Conselho Nacional de Justiça pelos tribunais Brasil adentro – impede hoje que os cidadãos tenham acesso a informações básicas sobre gastos com viagens e pagamentos dentro dos órgãos públicos. O Brasil é signatário de um acordo internacional que dá aos cidadãos o direito de acompanhar e fiscalizar os gastos do governo. A lei de acesso à informação, aprovada em 2011, entra em vigor em maio, e prevê que ministérios e demais órgãos públicos divulguem na internet detalhes sobre gastos e investimentos. Hoje só cinco dos mais de 30 ministérios oferecem esse serviço. Nos estados e municípios, a prática está longe da realidade – e isso não é privilégio do Poder Executivo.
Segundo o advogado Jorge Hélio Chaves de Oliveira, conselheiro do CNJ, os portais de transparência no Judiciário são o próximo alvo do órgão chefiado agora pelo ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal. “Hoje cada um bota no portal o que quer. Portal de transparência é um instrumento de publicidade inconstitucional. O artigo 37, paragrafo primeiro da Constituição, é claro ao dizer: os atos de publicidade dos poderes públicos só podem ser atos de prestação de contas, orientação social ou de caráter informativo. Não é admissível você abrir o site de um tribunal de Justiça, qualquer um, e ver ali 20 fotos do presidente”, critica.
Peluso: destempero na despedida
Na quinta-feira 19, o Supremo Tribunal Federal (STF) passou a ser presidido pelo ministro Carlos Ayres Britto, que completará 70 anos de idade em novembro e terá de deixar as funções, salvo se, até lá, for aprovada a apelidada “emenda da bengala”. Essa emenda-constitucional muda o regramento ao passar para 75 anos a idade limite de aposentadoria compulsória aos servidores públicos.
Fora o grande preparo jurídico, Britto tem marcado a sua trajetória na Corte pela ponderação, equilíbrio e independência. E não terá dificuldade em colocar uma pá de cal no mal estar criado pelo seu antecessor, Cesar Peluso, que se comportou, na véspera de deixar a presidência do STF, de forma destemperada, para dizer o menos. Peluso atacou, pesadamente e sem razão, a presidenta Dilma Roussef que, diante de uma explosiva crise econômica-financeira internacional, não reajustou os vencimentos dos magistrados e, por tabela, o de todas as carreiras jurídicas assemelhadas. Ou seja, evitou o conhecido “efeito cascata”.
À suprema magistrada da Nação, por não ter contentado o bolso das togas, Peluso atribuiu violação à Constituição e descumprimento de decisão do Supremo. O ministro, que cai na compulsória em setembro próximo e poderá ficar no caso de vingar a emenda da bengala, criticou também o colega Joaquim Barbosa, a sua vice no Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, e o senador Francisco Dornelles, responsável pelo arquivamento de projeto de emenda Constitucional (PEC) fundado em proposta de Peluso de aceleração de processos.
O ex-presidente do STF atribuiu insegurança ao colega pelo fato de o próprio Barbosa achar que chegou ao Supremo não por méritos, mas pela cor da pele. Sobre Calmon, disse não ter contribuído em nada, tendo sido uma espécie de Operação Mãos Limpas italianas, que não condenou ninguém. Calmon, até agora, não lhe respondeu e até poderia lembrar que, ao contrário da sua afirmação, ganhou dele todos os embates. Ao contrário de Peluso, abriu as portas para acabar com o corporativismo assegurador de impunidade a magistrados com desvios de conduta e tornou os tribunais mais transparentes.
VEJA
O primeiro round
VEJA publicou em maio do ano passado uma reportagem exclusiva mostrando o que já parecia ser muito mais que uma simples coincidência: a empreiteira Delta fora alçada à condição de maior parceira do governo federal no mesmo ano em que contratou os serviços de consultoria do deputado cassado e ex-ministro José Dirceu. A Delta, mostrou a reportagem de VEJA, além de multiplicar sua carteira de obras, expandira sua atuação para setores nos quais não tinha experiência, como óleo e gás. Na ocasião, dois ex-sócios da empresa forneceram a primeira pista para desvendar essa impressionante história de sucesso. Segundo o depoimento deles, a empreiteira usava a influência que mantinha junto a políticos para obter vantagens. O próprio presidente da empresa, Fernando Cavendish, explicou como agia e qual era o preço a ser pago. Ele disse que com “6 milhões de reais comprava um senador”. Sua explicação seguinte ficaria famosa: “Se eu botar 30 milhões de reais na mão de políticos, sou convidado para coisas pra c…”. A conversa, gravada pelos ex-sócios, foi classificada como simples bravata por Cavendish. Não era. Ela era reveladora de um método.
A Delta vai aparecer como figura de proa na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instalada na semana passada no Congresso Nacional, em Brasília, para investigar as relações do contraventor Carlos Cachoeira – preso por comandar um esquema ilegal de exploração de jogos – com políticos e empresas que têm contratos com a administração pública. A construtora figurará como a principal acusada no esquema baseado em pagar propina em troca de favores e contratos em governos. Segundo a Polícia Federal, a empreiteira usou os tentáculos de Cachoeira para corromper autoridades nos governos de Tocantins, Distrito Federal e Goiás. Cavendish e a Delta tiveram sua ação restrita a essas três unidades da Federação? Não. O esquema atuou também no âmbito federal, usando o mesmo método de subornar políticos e servidores públicos para obter contratos. A engrenagem funcionou ativamente dentro de ministérios no governo passado e engolfou até mesmo a Petrobras, a maior e a mais poderosa das estatais brasileiras. A Petrobras é o principal dínamo dos investimentos públicos do país, protagonismo acentuado com a descoberta das reservas de petróleo no pré-sal. No governo Lula, foi aparelhada politicamente por militantes do PT, que ganharam o controle de cargos de diretoria. O aparelhamento político de estatais, como sempre, termina em prejuí¬zo para a empresa e os contribuintes.
No fim de 2008, a Petrobras convidou a Delta para duplicar o parque de expedição de diesel na Refinaria de Duque de Caxias (Reduc). Um convite inusitado, uma vez que a empreiteira era especializada em obras rodoviárias e construção civil. Para suprir a carência técnica e se habilitar, a Delta comprou a Sigma, empresa que já tinha diversas parcerias com a estatal. Depois dessa negociação, a empreiteira assinou um contrato com a Petrobras no valor de 130 milhões de reais. A aproximação entre a Delta e a Sigma foi feita pelo engenheiro Wagner Victer, auxiliar do governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), que é compadre de Cavendish. O negócio parecia bom para todos os envolvidos. A Petrobras contratou a obra por um preço considerado baixo, a Delta se cacifou para atuar no bilionário ramo do petróleo e os donos da Sigma ficariam ainda mais ricos. Mas nem tudo correu como se esperava.
Cavendish e seus sócios se desentenderam ao cabo de disputas financeiras. Dos ex-sócios inconformados partiu a revelação, certamente de alto interesse para a CPI instalada na semana passada, segundo a qual, para conseguir o contrato na Petrobras, a Delta teria pago propina. Sob a condição de anonimato, um deles contou a VEJA que a Sigma, além de servir como fachada técnica para as operações da Delta, funcionou como caixa para quitar faturas em que a própria Delta preferia não aparecer como devedora. Para ocultar o pagamento de propina, segundo o relato gravado do ex-sócio, que diz temer por sua segurança, a Sigma foi orientada a simular a contratação de serviços para justificar a saída da propina. Os diretores da Delta indicavam o valor e os funcionários da estatal a ser beneficiados. A fatura era então encaminhada a José Augusto Quintella e Romênio Marcelino Machado, ex-donos da Sigma que continuaram na empresa. Seguindo orientações de Cavendish, eles providenciavam notas frias para justificar os gastos com a propina. Essas notas eram assinadas por Quintella e Machado e por Flávio Oliveira, diretor da Delta. Só funcionários da área operacional da Petrobras, segundo o ex-sócio, receberam 5 milhões de reais. Um volume ainda maior teria sido pago a dirigentes da empresa. Desse mesmo caixa saíram os recursos para pagar os trabalhos de consultor prestados por José Dirceu.