Época
Do aliado para a escolhida
Na tarde da segunda-feira, uma reunião do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, foi interrompida pela entrada de Franklin Martins, ministro da Comunicação Social, na sala. Animado, Franklin exibia uma cópia da pesquisa Sensus que acabara de sair. Os números mostravam um sensível crescimento das intenções de voto em Dilma. Lula e Franklin demonstraram empolgação. Dilma se mostrou feliz, mas manteve a sobriedade. Lula e Dilma concordaram no diagnóstico do resultado: seu crescimento se dera à custa do aliado Ciro Gomes, pré–candidato à Presidência pelo PSB. “Ele está desidratado”, disseram.
A pesquisa da semana passada mostra que as intenções de voto em Dilma cresceram de 21,7% para 27,8% entre novembro e janeiro. Seu principal concorrente, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), cresceu menos, de 31,8% para 33,2%. Em uma pesquisa com margem de erro de 3 pontos porcentuais, isso pode indicar um empate técnico. De acordo com o levantamento, o diagnóstico de Dilma e Lula está correto. Ela chegou perto de Serra tomando eleitores de Ciro, que caíram de 17,5% para 11,9% dos entrevistados.
“O crescimento da Dilma se deu entre os eleitores do Ciro que tinham uma simpatia pelo governo Lula – principalmente na Região Nordeste”, afirma o cientista político Antonio Lavareda, ligado ao PSDB. Segundo o presidente do Sensus, Ricardo Guedes, Ciro não está conseguindo se viabilizar como uma possível terceira via em uma eleição polarizada entre o PT e o PSDB. “A tendência é de polarização entre Dilma e Serra, e de migração dos votos de Ciro para Dilma”, diz Guedes.
Na quinta-feira, apesar da pesquisa, Ciro estava de bom humor e mostrava a disposição de manter a candidatura à Presidência e resistir aos planos do presidente Lula de uma disputa pelo governo de São Paulo com o apoio do PT. “A única força capaz de fazer com que eu não seja candidato a presidente é meu partido”, diz. Na semana passada, Ciro reuniu-se com o líder do PSB na Câmara, Rodrigo Rollemberg, e com o presidente do partido em São Paulo, deputado Marcio França, para tratar da negociação com Lula e o PT.
Os três querem insistir na tese de que a candidatura de Ciro pode render 20 milhões de votos ao PSB e ampliar a área de influência do partido. “Seremos eleitores da Dilma no segundo turno”, diz Rollemberg. “Mas a candidatura própria é importante para tentar eleger de 45 a 50 deputados e pelo menos quatro governadores.”
Para conseguir a candidatura presidencial, Ciro terá de superar resistências internas no PSB e o boicote de Lula e do PT. Na semana passada, Ciro acusou o ex-ministro José Dirceu de patrocinar manobras de natureza “golpista” contra sua candidatura. Era uma referência a viagens feitas por Dirceu pelos Estados que teriam o objetivo de torpedear sua candidatura. Outro problema de Ciro para tornar viável a candidatura é a pequena estrutura do PSB. O partido dispõe de apenas três minutos no horário eleitoral gratuito. Sem a sustentação de outras legendas que dão apoio ao governo Lula, Ciro terá grandes dificuldades para empinar uma candidatura presidencial.
Na atual fase de pré-campanha, Ciro tem sido também o menos aquinhoado no jogo da exposição pública, fundamental num momento em que o eleitor ainda sabe pouco sobre a eleição. Marina Silva, do PV, ganhou evidência por ser uma novidade. Mesmo sem se declarar candidato, José Serra, por ser governador de São Paulo e o líder nas pesquisas de intenção de voto, obtém sua cota de exposição. Graças a seu cargo, que a coloca todos os dias em inaugurações de obras e solenidades, Dilma, com o presidente Lula a tiracolo, está percorrendo o país em ritmo acelerado de campanha. Recentemente Dilma chegou a aparecer no programa de variedades Superpop, da apresentadora de TV Luciana Gimenez, fazendo uma omelete.
Nessa maratona de viagens pelos Estados, Dilma não perde oportunidades para dar estocadas na oposição e em Serra. Na inauguração de um gasoduto em Jacutinga, no sul de Minas Gerais, onde foi recebida com um coro de “Dilma, presidente!”, ela falou sobre chuvas – justamente no momento em que o Estado de São Paulo enfrenta graves problemas provocados por enchentes. “Não é possível nos conformarmos com a existência de calamidade. Temos de tomar medidas preventivas”, disse. Quando foi perguntada sobre eleição, porém, foi cuidadosa. “Eu acho que o presidente tem de ter um sucessor à altura do governo dele. Eu gostaria muito que me escolhessem como essa sucessora. Não sou hoje.”
Manifestações como essa fizeram a oposição protocolar diversas ações no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Elas pedem punição a Lula e Dilma por campanha antecipada e uso da máquina pública. Mas as ações não prosperam. É óbvio que a exposição no evento é benéfica para a futura candidata, mas o TSE considera que Dilma estava no evento como ministra e não pediu votos. “O fato de haver uma futura campanha não impede o governante de administrar. Se não há um pedido de voto, não há crime”, afirma o advogado Fernando Neves, ex-ministro do TSE.
A encruzilhada está em Minas
O folclore político brasileiro estabelece que os políticos de Minas Gerais são craques da dissimulação, verdadeiras esfinges, hábeis em ocultar suas intenções e dar nós nos adversários. Uma história atribuída a Tancredo Neves e José Maria Alkmin, dois mestres nessa arte, ilustra bem o que seria o modo mineiro de fazer política. Adversários nas disputas internas no PSD, partido a que pertenciam, os dois teriam se encontrado no aeroporto de Belo Horizonte, no início dos anos 60. Trataram-se com cortesia, e Tancredo perguntou para onde Alkmin viajaria. Alkmin respondeu que iria para o Rio de Janeiro. Quando os dois se separaram, Tancredo disse a um assessor o que pensava da conversa: “Se o Alkmin disse que vai para o Rio, quer que eu pense que ele vai para São Paulo. Isso significa que ele vai para o Rio mesmo”.
Um jogo com intenções ocultas e muitos despistes, como o de Tancredo e Alkmin, está sendo disputado atualmente em Minas. O governador Aécio Neves (PSDB), o vice-presidente José Alencar (PRB), o ex-presidente Itamar Franco (PPS), o ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB), o ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias (PT), e o ex-prefeito Fernando Pimentel (PT) conversam com aliados e adversários, articulam e também dissimulam muito sobre suas possíveis candidaturas nas eleições deste ano.
Aécio pode ser candidato a senador ou a vice na chapa de José Serra (PSDB). Se a saúde permitir, José Alencar pode tentar o Senado ou o governo do Estado. Hélio Costa lidera as pesquisas para o governo, mas pode ser candidato ao Senado ou à Vice-Presidência na chapa de Dilma Rousseff (PT). Patrus Ananias e Fernando Pimentel disputam o direito de ser candidatos do PT ao governo, mas podem ser candidatos a senador e deputado, respectivamente. E Itamar quer ser candidato ao Senado. Mas, em seu caso, nunca se sabe. Em Minas está hoje o maior nó da política brasileira, capaz de determinar os rumos da campanha presidencial.
A peça mais importante desse jogo é o neto de Tancredo, Aécio Neves. Um dos governadores mais bem avaliados do país, Aécio tem uma eleição praticamente garantida ao Senado. Há um mês, quando anunciou oficialmente que desistia de concorrer à Presidência da República, Aécio afirmou que o Senado seria seu caminho. Mas disse também que “irreversível é a morte”. Nas últimas semanas, ele tem sido pressionado pelos tucanos a aceitar a vaga de vice de Serra. A operação para convencer Aécio inclui ainda membros do Democratas, partido aliado do PSDB, e até amigos de fora da política. “Vou de joelhos a Belo Horizonte pedir para ele aceitar”, disse o deputado Raul Jungmann (PPS-PE).
Um tiro no pé?
O escândalo de corrupção em Brasília revelado pela Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal (PF), continua a produzir cenas rocambolescas. A última delas ocorreu às 9 horas da quinta–feira passada, meia hora antes do horário marcado para o depoimento à Polícia Federal do jornalista Edmilson Edson dos Santos, o Sombra. Sombra é parceiro do ex–delegado Durval Barbosa na delação do esquema de propina que seria comandado pelo governador José Roberto Arruda. Antes de se apresentar à PF, Sombra foi até uma confeitaria, num bairro nobre de Brasília, para um encontro com o funcionário público aposentado Antonio Bento. Bento saiu do encontro preso em flagrante pela PF depois de entregar a Sombra uma sacola com R$ 200 mil em dinheiro vivo.
O encontro foi gravado em vídeo pela polícia. A cena capturada pela PF mostra Edson Sombra assinando um papel, que é entregue a Bento. Na sequência, Sombra recebe uma pequena sacola. O papel era uma carta em que Sombra afirmava que os vídeos do escândalo que chocaram o país, como o de Arruda recebendo um maço de dinheiro, teriam sido montados e seriam, portanto, uma fraude. A carta e as promessas de
Sombra de prestar um depoimento contra Durval haviam sido estimuladas pela polícia e por procuradores da República para servir como iscas.
Um dia antes da prisão em flagrante, Bento, dizendo representar Arruda, fizera um acerto com Sombra. Em troca da carta – e de um depoimento à PF nos mesmos termos –, o jornalista receberia R$ 1 milhão e mais uma publicidade mensal de cerca de R$ 250 mil para seus negócios de mídia. Depois de preso, Antonio Bento disse, em depoimento, que recebera os R$ 200 mil de Rodrigo Arantes, sobrinho e secretário do governador. Rodrigo já havia aparecido no vídeo em que Arruda recebe de Durval um maço com cerca de R$ 50 mil.
Em dois depoimentos à PF, Sombra disse que, antes da abordagem da semana passada, já fora assediado por um aliado de Arruda: o deputado distrital Geraldo Naves (DEM). Segundo Sombra, Naves, em nome de Arruda, lhe teria oferecido R$ 2 milhões para desqualificar as denúncias de Durval. Sombra pediu, então, uma prova de que a oferta seria mesmo de Arruda. Em outro encontro, Naves apresentou um bilhete escrito pelo governador. O original foi entregue à PF.
Naves diz que Arruda escreveu o bilhete para demonstrar que nada tinha contra Sombra. “Não tentei comprar um falso testemunho de Sombra”, afirma Naves. Arruda diz que a tentativa de suborno seria uma armação e que Antonio Bento teria participado da farsa por ser empregado de Edson Sombra. Bento trabalha no jornal de Sombra, mas também é membro do Conselho de Administração do Metrô de Brasília desde o início do governo Arruda. Segundo investigadores, ele teria sido escolhido como intermediário por ter a confiança dos dois lados. Auxiliares de Arruda disseram a ÉPOCA que o governador planejava usar a carta de Sombra em uma entrevista para afirmar que estava sendo vítima de uma armação política.
Veja
Omelete sem quebrar ovos
A ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, candidata do presidente Lula na sucessão presidencial, participou na semana passada do programa Superpop, da Rede TV!, apresentado pela magnética Luciana Gimenez. O ponto alto foi televisionado de uma cozinha improvisada nos bastidores, onde a ministra se propôs a fazer uma omelete. “Se não der certo, você ajeita”, disse a ministra. Não deu. Saiu um prato de ovos mexidos. Dilma colocou a culpa na panela. “Tem que ter Tefal”, disse ela, referindo-se ao revestimento antiaderente, marca registrada da empresa francesa SEB.
A conversa continuou no palco, diante da audiência predominantemente feminina do programa. Daquele momento em diante, Dilma fez omeletes sem quebrar ovos, prato típico do político com cargo no Executivo e que não pode perder uma chance daquelas de fazer campanha fingindo não estar pedindo votos. Foi um show de culinária política. Jornalistas amestrados eram chamados no monitor com o objetivo de levantar a bola para a ministra cortar. Ela aproveitou todas as deixas. Saiu aplaudida e feliz de ter tido a oportunidade de se mostrar “gente como a gente”, nas próprias palavras dela.
Nos últimos meses, fazendo de conta que não é o que todo mundo sabe que ela é, Dilma trocou definitivamente os terninhos de ministra pelo figurino de candidata. Fora da cozinha, em eventos em que aparece sempre ao lado do presidente Lula, a ministra tem conseguido tocar sua campanha à Presidência da República sem o menor constrangimento legal e sem chamar a atenção do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Os partidos de oposição vêm tentando, sem sucesso, configurar as aparições da candidata à sucessão de Lula como sendo campanha eleitoral antecipada. As reclamações ao TSE são feitas caso a caso. E, uma a uma, elas têm sido indeferidas. Na sexta-feira passada, o ministro auxiliar do TSE Joelson Dias julgou mais uma dessas queixas e decidiu a favor do governo. O magistrado entendeu que nos discursos de Lula, na presença de Dilma, durante as inaugurações da Barragem Setúbal, em Jenipapo, e do câmpus de Araçuaí, ambas em Minas Gerais, não houve “manifestações de apoio a nenhum eventual candidato, menção a candidaturas ou pedido de voto”.
O que houve em Jenipapo e Araçuaí foram mais duas omeletes feitas sem quebrar ovos. Ou seja, a campanha foi tocada, os votos foram pedidos, mas, formalmente, não houve ilegalidade perante a legislação eleitoral. A técnica de superexposição da ministra ao lado de Lula está sendo muito bem executada. Fora dos palanques, a ministra é proclamada candidata de Lula à própria sucessão com a insistência dos vendedores de enciclopédia do passado.
Todos os dias nos jornais, os petistas falam com ardor da candidatura presidencial de Dilma. As pesquisas mostram que metade dos entrevistados sabe que ela é candidata. Quando a ministra sobe ao palanque ao lado de Lula, desce a cortina do silêncio e somem os termos que podem ferir a legislação. Mas é óbvio para todos ali, no palco ou na plateia, que se está diante de um evento político-eleitoral visando à sucessão de Lula nas eleições presidenciais de outubro e novembro, se houver segundo turno.
Entre 2007 e 2008, quando ainda não era cozinheira-candidata, Dilma saiu do Palácio do Planalto apenas 32 vezes. Mas desde agosto passado ela já participou de 47 eventos externos. É uma média seis vezes maior do que quando era somente ministra-chefe da Casa Civil. O que mais chama atenção, porém, é o ingrediente eleitoral de suas aparições. Solenidades sem pitadas eleitoreiras, implícitas ou explícitas, são cada vez mais raras.
Ao lado de Lula, em inaugurações de obras ou eventos públicos, Dilma já ouviu o povo gritar seu nome em coro. Foi durante a entrega de apartamentos populares no Rio de Janeiro, há pouco mais de um mês. A aclamação ocorreu depois de Lula, no mais explícito caso de evento transformado em comício, ter dito que ele e Dilma iriam ganhar a eleição de 2010. A ministra também usou a inauguração de uma barragem em Minas Gerais para atacar a oposição e, recentemente, foi chamada de “a cara do cara” por José Sarney no lançamento de uma obra no Maranhão.
A cozinha da sucessão tem funcionado a pleno vapor fora de época graças a um caldeirão de ingredientes bem brasileiros. O principal deles é a debilidade das regras eleitorais. Em seu artigo 36, o Código Eleitoral diz que “a campanha eleitoral só é permitida depois de 5 de julho”. Ao resumir numa frase um tema complexo, a lei transfere ao juiz a tarefa de diferenciar campanha de ato de governo. Deveria ser uma coisa simples. Não é.
A Justiça, como regra, só costuma admitir a campanha antecipada em caso de candidaturas já oficializadas. Parece óbvio, já que, sem candidato, é impossível haver campanha. Mas a lógica cartorial produz consequências preocupantes. Para evitar a fiscalização da Justiça e minimizar o escrutínio público, a maior parte dos candidatos posterga ao máximo o anúncio de seus planos eleitorais, como vêm fazendo a ministra e seu principal adversário, o tucano José Serra. No caso deles, que ocupam cargos no Executivo, a data-limite é 3 de abril. Quem não ocupa cargos assim, porém, pode estender o prazo até 30 de junho. O resultado, em ambos os casos, é que a legislação brasileira, em vez de expor os candidatos à luz do sol por mais tempo, acaba escondendo-os. É um princípio frontalmente oposto ao que ocorre em democracias mais avançadas, como os Estados Unidos. Lá, em vez de três meses, a campanha eleitoral dura catorze meses, tempo suficiente para que se saiba quem é o candidato e o que ele pretende fazer caso seja eleito.
Colocar a panela no fogo antes do prazo legal tornou-se um bom negócio no Brasil principalmente porque a prática costuma ficar impune. A pena máxima por aqui é a redução de tempo na televisão quando a campanha começa de verdade. Enquanto na Inglaterra a punição pode chegar à perda do cargo, no Brasil, quando muito, paga-se multa. Autuado em 2006 por campanha antecipada, o presidente Lula foi multado em 900 000 reais, mas até hoje discute o papagaio na Justiça. Desde o início do ano passado, o TSE já recebeu onze denúncias de campanha antecipada, todas movidas pela oposição contra Lula, Dilma e o PT. As cinco ações julgadas até agora foram arquivadas. Criticado pelo presidente do STF, Gilmar Mendes, que acusou a Justiça Eleitoral de ser muito dura com políticos inexpressivos e leniente com as altas autoridades, o TSE avisa que está atento aos abusos. “A linha que separa a prestação de contas da promoção é mesmo tênue”, diz o presidente do TSE, Carlos Ayres Britto (veja entrevista abaixo). “Havendo provas, haverá punição.” Em outras palavras, é preciso pegar muito pesado para ser punido. É o que parece estar ocorrendo agora com Lula e Dilma. “Está claro o clima de campanha. Se eu ainda estivesse no tribunal, recomendaria uma postura à altura do cargo que eles ocupam”, disse a VEJA um ex-ministro do TSE.
Bandeiras ideológicas
Na Venezuela, há quarenta cidadãos presos apenas por discordar de Hugo Chávez. Um deles é Raúl Baduel, ex-ministro da Defesa, que rompeu com Chávez por se opor aos planos do tirano de se perpetuar no poder. O Ministério das Relações Exteriores do Brasil nunca emitiu uma única nota de repúdio à prisão de Baduel. Desde que Lula assumiu a Presidência, há sete anos, o Itamaraty mantém silêncio a respeito das medidas autoritárias na Venezuela. Outros países recebem um tratamento diferente. A diplomacia brasileira, por exemplo, divulgou três notas criticando a repressão política em Mianmar, na Ásia, duas delas contra a prisão domiciliar da vencedora do Prêmio Nobel da Paz Aung San Suu Kyi.
O que motivou a posição desigual nos casos de Baduel e da dissidente birmanesa e em outros temas externos? Se fosse para defender os interesses nacionais do Brasil, o correto seria manter-se fiel aos princípios que norteiam as relações exteriores desde a promulgação da Constituição de 1988 – entre os quais a defesa dos valores democráticos e dos direitos humanos. “Contudo, o que tem orientado a diplomacia brasileira nos últimos anos são as posições ideológicas do partido que está no poder”, diz Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington. “Com isso, o Itamaraty trocou uma política de estado por uma política partidária.” A primeira interessava ao Brasil. A segunda, ao PT. A primeira obedece a princípios. A segunda, a bandeiras partidárias.
A política externa é atribuição do Poder Executivo e, como tal, está subordinada ao presidente da República. Em governos anteriores, as decisões nessa área levavam em conta o conhecimento técnico dos diplomatas de carreira, a tradição brasileira e os princípios universalmente consagrados da convivência pacífica entre os povos. Essa tradição foi rompida ao se delegar a política externa aos humores dos radicais esquerdistas. Para compreender o alcance do viés ideológico na definição da política externa brasileira, VEJA fez um levantamento de todas as notas oficiais divulgadas pelo Itamaraty desde 2003, o começo do governo Lula. No total, foram mais de 4 600 comunicados, muitos deles informes técnicos sobre viagens do presidente. A reportagem se fixou na análise de 296 dessas notas, justamente aquelas em que o Itamaraty dá a saber a posição oficial do Brasil a respeito de questões conflituosas ou polêmicas. São notas reveladoras.
As notas sobre o conflito no Oriente Médio são a manifestação clara de opção ideológica em detrimento dos interesses nacionais permanentes (veja o quadro ao lado). Ao Brasil, que almeja legitimamente aumentar seu protagonismo internacional, interessaria não o engajamento ao lado de um dos contendores, mas a mais notória neutralidade nas complexas disputas do Oriente Médio. O comprometimento do Itamaraty é ainda mais evidente nos temas latino-americanos. As notas defenderam manobras liberticidas dos governos esquerdistas da Bolívia, da Venezuela e de Cuba, mas condenaram a deposição do presidente hondurenho Manuel Zelaya. Como ficou claro no episódio, Zelaya decidiu rasgar a Constituição de seu país para, com o apoio de Hugo Chávez, dar um golpe. “O episódio de Honduras confirmou um fenômeno preocupante: as posições do Itamaraty e de Chávez na política regional coincidem quase sempre”, diz José Botafogo Gonçalves, presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, no Rio de Janeiro.
Istoé
Togas em chamas
Uma recente decisão do vice-presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Cezar Peluso, contra resolução do corregedor-geral de Justiça (STF), ministro Gilson Dipp, está causando um racha entre o STF e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
O problema começou no dia 28 de janeiro, quando Peluso concedeu liminar de reintegração aos titulares de cartórios do Maranhão que haviam sido afastados pelo CNJ por não serem concursados. Para Dipp, que dias antes decretara vagos 7.828 cartórios ocupados de forma irregular no País, a medida soou como uma afronta. Depois do susto, Dipp convocou sua equipe e pediu audiência a Peluso.
Na reunião, que ocorreu em clima tenso, o corregedor reclamou que não havia sido consultado sobre a liminar e alertou para o risco de um efeito cascata, já que antigos donos de cartórios seriam incentivados a entrar com pedidos de reintegração. Inflexível, o vice-presidente do STF não recuou um milímetro. E ainda deu um recado ameaçador: “O CNJ está extrapolando sua função administrativa.” Em seu parecer, Peluso defendeu a tese de que o CNJ não pode revogar ou anular uma decisão judicial preexistente. “É evidente a inconstitucionalidade de qualquer decisão do CNJ, ou de interpretação que se dê a decisões do CNJ, que tenda a controlar, modificar ou inibir a eficácia de decisão jurisdicional”, afirmou Peluso. No caso, o Tribunal de Justiça maranhense havia decidido reconduzir os titulares não concursados que tinham liminares ainda pendentes de julgamento.
Não é a primeira vez que Peluso alfineta o CNJ. Em caso recente, ao negar a posse de um magistrado como desembargador do TJ de Mato Grosso, o ministro confirmou parecer do CNJ, mas antes fez questão de ressaltar as limitações constitucionais de um órgão de caráter estritamente “administrativo”. Segundo ele, são duas as competências do conselho: “De um lado, o controle da atividade administrativa e financeira do Judiciário e, de outro, o controle ético-disciplinar de seus membros.” Nos bastidores, comenta-se que há uma tentativa deliberada para enquadrar o CNJ e que Peluso seria o baluarte dessa causa, apoiado pela magistratura.
Único juiz de carreira atualmente no STF, o ministro deverá assumir a presidência do Supremo em abril, acumulando também a do CNJ. O temor é de que Peluso aproveite para esvaziar o órgão, que tem se destacado ao abrir a “caixa-preta” do Judiciário, como bem classificou o novo presidente da OAB, Ophir Cavalcanti. Além da bandeira de moralização dos cartórios e da pressão para julgar milhões de processos acumulados, o CNJ lançou uma caça às benesses do Judiciário, endureceu a Lei Orgânica da Magistratura, investigou juízes envolvidos em pedofilia e fez uma devassa nas contas dos tribunais regionais. Em Brasília, acusou superfaturamento em obras importantes, como as das novas sedes do TRF e do TSE. O fato é que as ações, capitaneadas pela dobradinha do presidente do STF, Gilmar Mendes, com o corregedor Gilson Dipp, vêm tirando o sono dos magistrados.
No dia 27 de janeiro, o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, entregou pessoalmente a Mendes um ofício criticando os excessos do CNJ. “A gente reconhece a contribuição no campo da ética, da transparência e da moralidade. Mas estamos impressionados porque alguns atos administrativos extrapolam a competência”, diz Valadares.
Segundo ele, os “excessos têm causado transtornos aos juízes, que ficam sem saber a quem obedecer, aos atos administrativos do CNJ ou à lei.” Para a OAB, entretanto, as críticas são injustas. “O trabalho do ministro Dipp tem que ser elogiado. Ele tira o véu que desnuda o Judiciário”, rebate Cavalcanti. Apesar das pressões, Mendes e Dipp têm evitado a discussão pública. No caso dos cartórios do Maranhão, o CNJ divulgou uma nota de esclarecimento sobre os efeitos limitados da liminar de Peluso.
Racha tucano
O PSDB é o fiel da balança nas eleições do Paraná. Mas, a exemplo do que aconteceu no cenário nacional, os tucanos têm dois pré-candidatos, ambos com bastante peso. O prefeito de Curitiba, Beto Richa, seria o candidato natural. Seu governo tem 84% de aprovação, a maior entre os prefeitos do País, e ele aparece em primeiro lugar nas pesquisas. Mas o senador tucano Álvaro Dias – que governou o Estado na década de 80 e se destaca na oposição ao governo Lula no Congresso – também se lançou na disputa.
Com o impasse, o residente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra (PE), foi convocado às pressas a Curitiba para encontrar uma solução. O favorito da direção do partido é Richa. “Não escondo de ninguém que tenho vontade de ser governador. Venci na Executiva e terei mais de 40 votos (total de 45) no diretório. E a maioria dos partidos aliados está comigo”, disse Richa à ISTOÉ. “Essa reunião não tem validade. Se o Beto insistir, ele vai dar um palanque para Dilma Rousseff”, devolve Dias. A ameaça do tucano tem motivos. Seu irmão, Osmar, também senador e pré-candidato do PDT ao governo, aparece encostado em Richa nas pesquisas. Como no Paraná o PT está isolado, o presidente Lula aproveitou a divisão tucana para oferecer a Osmar uma aliança com os petistas.
Ligou para Osmar e o convidou para uma reunião com Dilma Rousseff. Em meio à conversa, Osmar sugeriu o nome da presidente do PT no Paraná, Gleisi Hoffmann, para vice em sua chapa e ouviu de Dilma que Gleisi preferia ser candidata ao Senado. Dilma citou o nome do diretor de Itaipu, Jorge Samek. Osmar ficou de pensar, mas a aliança está quase pronta. Só depende da decisão do PSDB sobre Álvaro. Se ele for o escolhido, Osmar não sairá candidato contra o irmão.
“Ele é mais velho e desde que eu nasci temos um acordo: irmão não disputa com irmão”, diz o pedetista. O imbróglio paranaense surgiu por conta de um racha entre antigos aliados. Em 2006, Richa apoiou Osmar para o governo do Paraná e Álvaro para o Senado. Osmar perdeu por 0,018% para o governador Roberto Requião. Em 2008, Osmar e Álvaro apoiaram Richa paraa Prefeitura de Curitiba. Para este ano, a ideia da família Dias era que Richa continuasse na prefeitura, Álvaro no Senado e Osmar voltasse a disputar o governo com o apoio de todos. O que, por decisão de Richa, não vai acontecer.
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