Dr. Rosinha *
No último dia 23 de junho, estava no aeroporto de Guarulhos (SP) quando vi um grupo de homens, em sua grande maioria, obesos. Melhor dizendo, barrigudos. Todos, provavelmente mais de dez, usavam uma camiseta com a frase “turma da traíra”. Não os conheço, mas comecei a imaginar que turma poderia ser aquela, em pleno sábado à tarde, num aeroporto.
A primeira coisa que passou pela minha cabeça: essa turma pelo menos uma coisa já está traindo, a estética. Quem trai alguém ou alguma promessa é chamado de “traíra”. E, sem dúvida, os integrantes da turma traem a estética e não se preocupam. Afinal, nesses tempos de atrasos de aviões, estavam numa verdadeira competição: quem tomava mais cerveja.
A camiseta não trazia nenhuma identificação de quem e de onde seriam, somente informava que a turma existe desde 2003. Pelo próprio nome, uma segunda coisa me veio à mente: poderiam ser pescadores (traíra é um peixe, lembram?). Trata-se de um chute, pois não ouvi nenhuma mentira, suposta característica do pescador.
O grupo possui uma sinceridade enorme. Assumem publicamente pertencer à “turma da traíra”. Seria bom se alguns políticos também o fizessem. Não sei que turma é essa, mas deve ser um grupo de amigos e de gozadores.
Gozadores porque estavam seguindo à risca o conselho da ministra. Se o avião atrasar, disse ela, “relaxe e goze”. Gozando não sei se estavam, mas estavam todos relaxados. Mas, mesmo à vontade, não estavam completamente relaxados: queixavam-se da cerveja. Estava quente. No geral, os aeroportos são assim: comida fria, mal preparada e bebidas quentes.
Nos aeroportos do Brasil, o atendimento de bares, restaurantes e farmácias é, em geral, péssimo. Motivo: existe um monopólio. Como pode uma lanchonete de aeroporto, onde mais se encontra classe média por metro quadrado, não trabalhar com cartão de crédito ou de débito automático? Isso ocorre, pelo menos, em Guarulhos.
Nos aeroportos, por maiores que sejam, as lanchonetes às vezes só mudam o nome-fantasia. O proprietário é o mesmo. Todos imaginam que o passageiro seja um otário. Otários não somos, o que falta é alternativa.
Devido a tal monopólio, os serviços em geral são ruins, a comida é a mesma, com poucas alternativas, e os preços são exorbitantes. Já passou da hora de a Infraero tomar providências. Ou a providência é o monopólio que nos oferece.
Outra catástrofe dos aeroportos são as empresas aéreas. Não há empresa que seja exceção. Há funcionários e funcionárias que são exceções. Mas tem uma empresa cujo nome é gritado principalmente aos domingos, nos estádios de futebol, que parece selecionar seus funcionários pelas mentiras que contam ou pelo cinismo que exibem.
Estou, como disse, esperando o avião, que está atrasado. Infelizmente, meu trabalho exige muitas viagens de avião —e a coisa não está nada fácil. Se recebesse pelo tempo de aeroporto, já estaria no caminho da riqueza.
Dias atrás, demorei 32 horas para ir de Montevidéu à Brasília. Viagem que, num vôo direto, não duraria mais que três horas e meia. E a empresa cujo nome é gritado nos estádios nem sequer nos garantiu o direito à alimentação. Deixou-nos à mercê dos monopólios de restaurantes e lanchonetes dos aeroportos.
Não quero citar o nome da empresa, porque pode parecer propaganda para aqueles que querem “relaxar e gozar”. Sei que usar a referência aos gritos nos estádios de futebol também não é adequado. É inclusive perigoso, pois ao redor do campo existem máfias —que o diga Ricardo Teixeira.
Mas, neste momento, creio que quem está um pouco melhor é a “turma da traíra”. Estão relaxados, mas sem muito gozo, pois a cerveja está quente. Comecei e terminei este artigo, e nada do avião sair. Ah, a julgar pela barriga, a “turma da traíra” é mesmo uma turma de pescadores.
* Dr. Rosinha, 56 anos, é médico pediatra, deputado federal (PT-PR) e vice-presidente do Parlamento do Mercosul. Ele mantém o site www.drrosinha.com.br.
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