Em alguns casos, foram feitas detenções em massa, quando grupos de pessoas são detidos, de acordo com a ONG, muitas vezes, sem ter cometido infrações. O relatório destaca dois casos de protestos contra a Copa do Mundo, na cidade de São Paulo, em 2014. No primeiro, em 25 de janeiro, 128 manifestantes foram detidos. Em outra, no dia 22 de fevereiro, o número chegou a 262. “Neste dia, a polícia paulista utilizou pela primeira vez a técnica conhecida como Kettling ou Caldeirão de Hamburgo, isto é, um cordão policial que cercou dezenas de manifestantes aleatoriamente, independentemente de terem cometido qualquer ato contrário à lei, sob a alegação de que ‘haveria quebra da ordem’”, detalha o texto.
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À época, a Polícia Militar classificou a referida operação de bem-sucedida. O coronel Celso Luiz Pinheiro, então comandante do policiamento da região central de São Paulo, disse que ação reduziu os possíveis danos ao patrimônio, o número de policiais feridos e os confrontos.
As prisões de alguns manifestantes são identificadas no documento como casos de violações de direitos. No dia 23 de junho de 2014, Fábio Hideki e Rafael Lusvarghi foram presos em um ato na Avenida Paulista, acusados pelos crimes de desobediência, incitação ao crime, resistência e associação criminosa. Ambos permaneceram presos até agosto do ano passado, quando um laudo técnico comprovou que os materiais encontrados não eram explosivos. Eles foram definitivamente absolvidos em junho de 2015.
O uso de armamento letal em alguns dos protestos é outro ponto destacado pelo levantamento. No período investigado, foram confirmados quatro atos em que houve o uso de munição letal pela polícia: um deles na capital paulista e três na cidade do Rio. Em março de 2014, segundo o relatório, o estudante Rodrigo Oliveira, de 20 anos, foi atingido por um tiro no pé durante uma manifestação no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. De acordo com o documento, o disparo foi feito por um policial durante uma manifestação contra uma série de prisões na Favela Nova Brasília.
Na avaliação da Artigo 19, o trabalho das forças policiais nas manifestações de 2014 e 2015 mostra que os esforços do Poder Público foram no sentido de ampliar a repressão, em vez de buscar formas de garantir o direito a manifestações. “Dois anos após as Jornadas de Junho[protestos que se espalharam pelo país, tendo como início atos contra o aumento de passagens], o cenário que se tem é o de que essas violações continuam a ser perpetradas por agentes do Estado. Em muitos casos, foram até aprimoradas com investimentos no aparato repressor”, diz em referência à compra de equipamentos ou à criação de unidades policiais voltadas à contenção de protestos.
PublicidadeA ONG lembra que os atos de 2013 já haviam demonstrado que poderiam ocorrer protestos de maior amplitude do que os registrados anteriormente. “O Estado teve o tempo necessário para entender o fenômeno adequadamente e agir no sentido de garantir os direitos de liberdade de expressão e de manifestação, treinando os agentes das forças de segurança a reagir dentro de protocolos pautados pela defesa de direitos”, destaca o relatório.
Polícia Militar
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou, em nota, que não comenta estudos dos quais desconhece o conteúdo e a metodologia. Sobre a atuação em protestos, a Polícia Militar diz que a finalidade é garantir a segurança dos próprios manifestantes, assim como da população que não participa do protesto, além de assegurar o direito de manifestação e de expressão.
O órgão explica que a técnica do envelopamento (Kettling ou Caldeirão de Hamburgo, de acordo com o relatório da ONG) é usada internacionalmente e foi a responsável pela redução do emprego de técnicas potencialmente mais violentas, como o uso de munição química e de elastômeros (borracha). “É uma forma de se proteger os direitos de todos, separando os verdadeiros manifestantes de oportunistas que cometem atos de vandalismo ou ações criminosas. Essa técnica permite inserir mais um degrau no uso progressivo da força para garantir a ordem.”
A PM esclarece que não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, a prisão para averiguação. A condução aos distritos policiais é motivada por atos ilegais ou fundada suspeita. “Eventuais erros ou abusos por parte de agentes da lei são exceções apuradas com extremo rigor, sempre que chegam ao conhecimento da Corregedoria.”
Também em nota, a Secretaria de Estado de Segurança (Seseg) do Rio de Janeiro informou que todos os policiais passam por um curso de formação de oito meses, com carga horária de 1.182 horas, que inclui treinamento e capacitação específicos para lidar com diferentes manifestações. O órgão informa também que faz capacitações especializadas e contínuas que contam, inclusive, com a participação de policiais de outros países e que, desde 2011, os agentes passam por cursos especiais para atuação em grandes eventos, de forma conveniada com o Ministério da Justiça e em parceria com as embaixadas da Espanha, Alemanha e dos Estados Unidos.