Erich Decat
Quase metade dos parlamentares escolhidos para elaborar os relatórios setoriais da proposta orçamentária da União para 2009 responde a processos no Supremo Tribunal Federal (STF). Dos dez relatores setoriais, quatro são acusados de terem cometido crimes contra o patrimônio e o sistema financeiro nacional, lavagem de dinheiro, corrupção passiva e apropriação indébita.
Além deles, outros seis integrantes da Comissão Mista de Orçamento, composta por 30 deputados e dez senadores titulares, também são alvo de investigação na mais alta corte do país, responsável pelo andamento das apurações e pelo julgamento dos casos que envolvem congressistas. Na relação, constam três membros dos comitês criados no âmbito do colegiado para fiscalizar a execução orçamentária, avaliar a receita e a admissibilidade das emendas parlamentares (veja a lista).
O presidente da Comissão Mista de Orçamento, deputado Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS), responsabiliza os líderes partidários pelas indicações, mas diz não ver problema no fato de parlamentares acusados de irregularidades relatarem o orçamento. “Se há processos no STF, isso não quer dizer culpa. Acredito que foi baseado nessa idéia que os partidos indicaram os representantes”, avaliou.
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Os dez relatores setoriais foram indicados pelas lideranças dos partidos no último dia 10. Desses, respondem a processos no STF os deputados Aníbal Gomes (PMDB-CE) (Saúde) e Dilceu Sperafico (PP-PR) (Fazenda) e os senadores Neuto de Conto (PMDB-SC) (Agricultura) e Gim Argello (PTB-DF) (Trabalho).
Raposa no galinheiro
O entendimento do presidente da Comissão Mista de Orçamento em relação aos colegas investigados é criticado pelo presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, para quem as indicações deixam a comissão sob suspeita. “É preocupante que essas pessoas respondam por acusações graves. Isso fragiliza a comissão”, avalia. A AMB divulgará este ano a chamada lista suja, com a relação dos candidatos com processo na Justiça.
O vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal, Ibaneis Rocha, vê nas escolhas feitas pelos líderes uma inversão de papéis. “É colocar raposa para fiscalizar o galinheiro”, considera. “Não podemos admitir que uma pessoa que responde por crimes no STF exerça um cargo público de maneira geral, muito menos ser responsável por questões do orçamento”, acrescenta.
Levantamento divulgado há três semanas pelo Congresso em Foco revelou que um em cada quatro parlamentares é alvo de investigação no Supremo. Ao todo, 145 parlamentares respondem a 288 investigações na corte. Em 94 casos, os ministros e o procurador-geral da República encontraram elementos para transformar 42 deputados e seis senadores em réus (leia mais).
Sem constrangimento
De acordo com o site do STF, Aníbal Gomes responde a ação penal por crime contra a administração pública (desvio de verbas) e a um inquérito de natureza não informada. Em uma ação e um inquérito, Dilceu Sperafico é acusado de crime contra o patrimônio. Do lado dos senadores, Neuto de Conto responde por crime contra o sistema financeiro nacional e Gim Argello por crime contra o patrimônio, peculato (apropriação indébita praticada por funcionário público), corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
O Congresso em Foco procurou os quatro parlamentares para ouvi-los a respeito das denúncias. Até o fechamento desta edição, apenas Gim Argello não retornou os contatos feitos pela reportagem. Neuto de Conto disse que a acusação a que responde se refere ao período em que ele comandou a secretaria estadual de Fazenda de Santa Catarina, por causa da rolagem das letras financeiras do estado. "Não tenho nada a temer, a Justiça é justa", afirmou, por meio de nota enviada ao site (leia a íntegra).
“Não respondo a nenhuma improbidade. Dei um visto na prestação de contas de uma entidade quando era prefeito de Aracaú (CE) e o Ministério Público entendeu que eu era responsável por essa entidade. O Tribunal de Contas da União (TCU) já me isentou de qualquer culpa”, declarou Aníbal Gomes. O peemedebista se irritou ao ser questionado se os processos a que respondia não causavam algum tipo de constrangimento dentro da comissão. “Você me faz uma pergunta escrota dessa? Tire as suas conclusões”, disse.
O deputado Dilceu Sperafico diz não se sentir constrangido em participar das discussões sobre o rumo do orçamento mesmo respondendo a denúncias por crime contra o patrimônio. “Não tem nada a ver uma coisa com a outra”, alega. “Tive uma denúncia e vou responder por ela. Mas essa denúncia não tem fundamento, não é verdade o conteúdo dessa denúncia”, acrescenta, sem entrar no mérito da acusação.
De acordo com as atuais regras, a indicação dos integrantes da comissão é feita pelo colegiado de líderes. Responsável por indicar Gim Argello, o líder do PTB no Senado, Epitácio Cafeteira (MA), foi enfático ao ser questionado sobre a escolha. “Foi a indicação que eu quis. Por quê? Você gostaria de indicar por mim? Ele tem pleno direito, ele é um senador como outro qualquer”. A reportagem não localizou o líder do PMDB no Senado, Valdir Raupp (RO), que indicou Neuto. Raupp é o senador com maior número de processos no STF: são cinco ao todo.
Relatórios setoriais
O projeto de lei orçamentária anual (PLOA) – que define as prioridades de gastos e investimentos do governo para o ano subseqüente – é dividido em dez áreas temáticas. Além das quatro relatadas por parlamentares com processos, existem ainda as seguintes divisões: Infra-Estrutura; Integração Nacional e Meio Ambiente; Educação, Cultura, Ciência e Tecnologia e Esporte; Planejamento e Desenvolvimento Urbano; Justiça e Defesa; e Poderes do Estado e Representação.
Para cada uma delas, é designado um relator, responsável por preparar um parecer que