Renata Camargo
Em visita ao Brasil, a relatora especial das Nações Unidas (ONU) para Formas Contemporâneas de Escravidão, Gulnara Shahinian, disse nesta sexta-feira (28) que a mensagem mais clara que o governo brasileiro pode dar à população no sentido de combate ao trabalho escravo é “aprovar a PEC 438/01”, conhecida como PEC do Trabalho Escravo. Shahinian encerra hoje sua viagem pelo Brasil, onde desde o dia 17 de maio está monitorando as causas e consequências da escravidão no país.
A relatora da ONU defendeu que “a impunidade promove a perpetuação da escravidão” e que a aprovação da PEC é uma forma de diminuir essa impunidade. “A mensagem mais clara que o governo brasileiro pode dar à população para mostrar que o crime de escravidão não deixará de ser punido é aprovar a emenda constitucional conhecida como PEC 438/01, que permitiria a expropriação das terras onde fosse encontrado trabalho forçado”, disse Shahinian.
A PEC do Trabalho Escravo tramita no Congresso há nove anos. A proposta de emenda à Constituição foi aprovada em primeiro turno em 2004 no plenário da Câmara, mas desde então está parada. A matéria sofre forte resistência, especialmente, por parte de parlamentares da bancada ruralista. Entre outros motivos, os ruralistas argumentam que o conceito de trabalho escravo não está claramente definido na legislação brasileira e que, portanto, poderia haver arbitrariedades nos processos de expropriação de terras.
A impunidade em relação aos casos de exploração de trabalho escravo no país é altíssima. Como mostrou o Congresso em Foco, em levantamento exclusivo, quase metade dos 645 empregadores incluídos na chamada “lista suja” do trabalho escravo, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), entre 2003 e 2007, ainda não responde pelo crime na Justiça. Além dos números, a reportagem revela que boa parte das condenações resulta em penas mais brandas do que a prisão.
“O governo brasileiro implementou políticas exemplares de combate às formas contemporâneas de escravidão no país. Contudo, há proprietários de terra, empresas e intermediários, como os ‘gatos’, que encontram formas de evitar processos criminais aproveitando brechas na legislação que atrasam a Justiça e fomentam a impunidade. Esse crime não deveria prescrever nunca”, considerou Shahinian.
Justiça
A relatora da ONU defendeu também que os crimes relativos ao trabalho escravo deveriam ficar ao encargo da Justiça Federal. Ela afirma que as Justiças estaduais levam muito tempo para julgar os casos e que levar à Justiça Federal poderia dar mais celeridade. O Supremo Tribunal Federal (STF) tem discutido se cabe à Justiça Federal ou à Justiça Estadual processar e julgar o crime de exploração de trabalho escravo. Um recurso extraordinário a respeito do tema aguarda análise do ministro Joaquim Barbosa, que pediu vistas da matéria.
“As investigações das justiças estaduais levam muito tempo para coletar provas o suficiente para levar a punições. E as penas também, muitas vezes, são convertidas em penas mais leves. A recomendação é aumentar para, no mínimo, cinco anos de prisão quem for condenado por explorar trabalho escravo”, disse a relatora.
Em suas considerações, Shahinian disse ainda que os brasileiros, ao contrário de outras nações, admitem a existência desse tipo de afronta aos direitos humanos e tomam atitudes para combater. Entre as ações citadas, a relatora ressaltou o trabalho das unidades móveis de fiscalização do Ministério do Trabalho, e a divulgação da lista suja, que torna público o nome de pessoas e empresas que tem trabalho escravo.
“Todas essas ações têm que ser fortalecidas. Recomendo ao governo que fortalece os grupos móveis e que adote políticas de proteção especial para os que atuam nesse combate”, disse. Um documento oficial com uma série de recomendações da relatora da ONU será entregue ao governo brasileiro em setembro.
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