Antônio Augusto de Queiroz*
Os métodos de negociação com o Congresso Nacional são semelhantes ou muito parecidos nos dois governos, que optaram por fazer coalizões ou ajuntamento de partidos, alguns dos quais sem qualquer afinidade ou vínculo ideológico com os postulados sufragados nas urnas. As diferenças ideológicas, entretanto, são mais evidentes na base de sustentação do governo Lula.
Em geral, no chamado presidencialismo de coalizão os governantes utilizam três recursos de poder para formar sua base de apoio no Congresso: a) compartilhar a gestão, oferecendo participação no governo; b) liberar recursos do orçamento por emendas, por convênio ou por liberalidade; e c) negociar o conteúdo da política pública. Os dois governos fizeram uso de cada um desses instrumentos na formação de maioria no Legislativo.
O monitoramento do comportamento dos partidos e parlamentares da base, entretanto, apresenta diferenças operacionais entre os dois governos. Embora ambos tenham se valido de mecanismos de aferição para evitar surpresas nas votações, parece que os operadores (líder do governo, coordenador político e assessores) do governo FHC foram mais profissionais e mais eficazes, considerando a correlação de forças e os temas sob apreciação.
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Os critérios empregados para medir o grau de adesão dos partidos e dos parlamentares às iniciativas governamentais são semelhantes. Os partidos e parlamentares, a partir de uma série histórica de votações de interesse do governo, são classificados nas categorias de apoio consistente ou base sólida, de apoio condicionado ou base frágil e oposição. Existe o índice de adesão, a partir do qual é feita a classificação.
Se houver variação de uma faixa para outra é sinal de que algo aconteceu e os operadores precisam identificar a causa da mudança de comportamento dos parlamentares, sob pena de o governo ser surpreendido em votações relevantes. Em geral é demanda reprimida ou alerta de estar sendo mal tratado ou insatisfeito com algumas atitudes governamentais.
Em FHC, apesar de ter perdido duas votações importantes (o redutor na aposentadoria do servidor e a idade mínima nos benefícios do INSS), os operadores nunca deixaram votar nada relevante sem antes conferir a presença na Casa, ouvir os líderes, ministros e governadores aliados e conferir se a média de aliados em plenário estava acima do desvio padrão para votar com tranqüilidade. Se não houvesse segurança, a orientação era embromar até atingir o quorum leal confortável. Esses cuidados foram redobrados na PEC da reeleição.
Sob Lula, mesmo dispondo de mecanismos de aferição tão eficiente quanto os de FHC, os operadores foram displicentes e deixaram, por exemplo, votar a emenda destinada a permitir a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado (João Paulo Cunha e José Sarney) com quorum baixo e sem a margem de segurança necessária. Aquela derrota, a maior do governo Lula, abriu espaço para a crise, com a divisão da base, a eleição de Severino e a perda do controle do processo político.
Os métodos empregados, os recursos utilizados e os controles colocados em prática são mais sofisticados do que foi aqui sintetizado, porque envolvem outros mecanismos, simbologias e vetores de influência, mas em essencial funciona deste modo. Com a troca da coordenação política (no Palácio e no Congresso) e com Arlindo Chinaglia na Presidência da Câmara, o governo Lula ainda pode demonstrar que controlou melhor a base do que FHC. É esperar para ver.
Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e Diretor de Documentação do DIAP – Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar.