Ana Paula Siqueira
A maioria dos presidiários no Brasil tem uma cara: são homens de 18 a 24 anos, com baixa escolaridade e que não estão detidos pela primeira vez. Os dados são do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), que indicam a existência de um déficit de 200 mil vagas nos presídios. Na Câmara, uma CPI se propõe a buscar soluções para o sistema carcerário brasileiro. Ela foi criada um dia antes do massacre da cadeia de Ponte Nova (MG), onde 25 presos morreram carbonizados numa briga entre gangues rivais.
No Brasil, existem cerca de 420 mil pessoas cumprindo pena – grande parte delas em recintos precários e provisórios, devido à superlotação dos presídios, causada pelo déficit de vagas. Um fator que aparece com muita freqüência nas estatísticas negativas, relacionadas com todo tipo de problemas sociais, é a baixa escolaridade.
Essa característica parece ter relação direta com o cometimento dos crimes. A maioria dos homens e mulheres que estão sob a punição máxima da lei brasileira não chegou a completar o ensino fundamental. São quase 150 mil pessoas, o que equivale a aproximadamente 35% do total de presos. Por outro lado, apenas 1.463 presidiários (menos de 1% do total) têm curso superior e 58 fizeram pós-graduação.
Para o relator da CPI do Sistema Carcerário da Câmara, deputado Domingos Dutra (PT-MA), a superlotação dos presídios, cadeias e delegacias pode ser a origem real para todos os outros problemas que afetam o setor. “Isso avilta a situação dos presos, que se concentram num curto espaço físico. Além disso, desfigura a Lei de Execução Penal, que prevê a individualização da pena”, afirmou.
O professor Antônio Flávio Testa, cientista político e especialista em segurança pública, concorda que "o sistema é precário ". “O Estado não tem condições de cumprir as suas próprias determinações."
Reincidência alta
Mesmo considerando-se o fato de muitas secretarias de Segurança Pública estaduais não enviarem informações ao Depen, constata-se que a maioria dos detentos não está presa pela primeira vez. Entre os homens, os reincidentes são mais de 90 mil. Isso reforça o argumento de parlamentares e especialistas que defendem a reintegração dos presos através dos programas de ressocialização.
O presidente da CPI do Sistema Carcerário, deputado Neucimar Fraga (PR-ES), lembra da existência da idéia de que investir em quantidade e qualidade de presídios é "regalia para presos". Ele defende que isso tem que ser modificado. Fraga acredita que, sem investimentos nos programas de ressocialização e, principalmente, na viabilização das penas alternativas, a crise não poderá ser superada.
Alternativas à superlotação
A adoção de penas alternativas pode ajudar a acabar com a superlotação. Segundo especialistas, além de incentivarem a ressocialização, elas contribuem para os condenados não ficarem isolados e ociosos dentro de uma penitenciária. Um dos defensores da idéia é Jomar Alves Moreno, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal.
Segundo ele, se fossem dadas condições aos juízes de expedirem penas alternativas à prisão, o número de internos cairia de 30% a 40%. Hoje, alega-se que as medidas alternativas são pouco utilizadas por não haver estrutura para fiscalizar o cumprimento delas.
Além de diminuir os gastos com os presos, essas punições teriam caráter educativo e não permitiriam que criminosos de vários tipos ficassem juntos. Atualmente, não há separação dos presos por tipo de crime.
Domingos Dutra acha importante isolar criminosos perigosos dos que cometeram delitos pequenos. Ele defende a criação, em cada presídio, de comissões de classificação para fazer essa triagem. “Há verdadeira salada de presos. Não se pode deixar um traficante de drogas na mesma cela em que está alguém preso por pequenos desentendimentos.”
Irrecuperáveis
Flávio Testa não acredita que todos os presos possam ser recuperados. Problemas de ordem estrutural e cultural, originados pela desestruturação familiar e desamparo do Estado, fazem, segundo ele, com que muitos não consigam se ressocializar. Por isso, ele enfatiza que apenas as medidas punitivas não são suficientes.
O especialista cita outros fatores responsáveis pelo caráter crônico da crise do sistema carcerário. “A falta de investimento no planejamento familiar, na geração de emprego e renda e a construção de uma mentalidade que se guie pela formalidade e pela legalidade são fatores de fundamental importância para diminuir os altos índices de criminalidade", concluiu Testa.
Verbas travadas
O contingenciamento de verbas para a segurança pública é apontado pelo especialista como outro fator que incide na crise do sistema carcerário. Mas, segundo Fraga, desde o ano passado, esse problema não acontece e liberação de dinheiro para a área está normalizada.