A transformação da operação Lava Jato em espetáculo, com direito à série policial de ares hollywoodianos, pode ter passado a impressão de que as relações perigosas entre o setor empresarial e a política são uma novidade– e, digo mais – que foram inventadas no Brasil. No entanto, os próprios fundadores da democracia enquanto sistema de governo, pelo menos na sua acepção americana, sempre previram que o acesso privilegiado dos donos do dinheiro às esferas de decisão deveria ser uma das formas de prevenir os “excessos” da maioria desprivilegiada sobre os rumos de uma nação.
A ideia é exposta pelo linguista Noam Chomsky no documentário “Réquiem para um sonho americano”, no qual apresenta uma visão bastante crítica do que se tornou a democracia nos Estados Unidos a partir de suas próprias origens. Os “riscos da minoria”, segundo Chomsky, foram sempre considerados pelos teóricos da democracia, desde a Grécia antiga. No entanto, enquanto, para Aristóteles, a solução era reduzir a desigualdade, a solução, para os teóricos americanos, foi reduzir a própria democracia.
Pois bem. Em países como os EUA, o chamado lobby é considerado parte legítima do jogo. A atividade é regulamentada por uma lei de 1995 que determina que as organizações com interesse nos projetos em discussão no Congresso devem se inscrever num formulário, disponível para consulta online. Ali, elas dizem sobre quais assuntos pretendem atuar,quem serão os lobistas, quanto pretendem gastar e quais setores do governo pressionarão. Elas também precisam prestar contas de suas atividades a cada seis meses.
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A Lava Jato teve o grande mérito de tornar bem visíveis os efeitos maléficos da relação secreta entre políticos e empresários. Que tipo de objetividade um parlamentar pode ter para analisar um projeto de lei que trata de isenção tributária para a indústria de carnes se ele recebe todo mês uma “ajudinha” de um frigorífico?
A consequência imediata das investigações foi a proibição da doação de empresas para campanhas eleitorais. Mas acreditar na extinção dessas doações ou da participação das empresas no processo político, haja vista as mais diversas formas de caixa dois que a imaginação permite criar, é nada menos que ingenuidade.
Além disso, a existência de grupos de pressão, possuam eles ou não recursos financeiros para fazer sua vontade prevalecer, é da própria natureza da política. Fazer lobby é fazer pressão contra ou a favor de um determinado projeto. Quem vai para a rua se manifestar está fazendo lobby, quem escreve um artigo está, muitas vezes, fazendo lobby.
Caberia perguntar se o choque cultural provocado pela prisão de membros de famílias tradicionais da elite empresarial, haja vista o poder –de lobby – desses grupos, não deveria levar a um movimento de pressão pela saída do armário do lobby no Brasil.
Há um projeto de lei a respeito tramitando em regime de urgência na pauta do Congresso, o PL 1202/07, do deputado Carlos Zarattini (PT-SP). Seu objetivo óbvio é tornar mais transparentes as relações entre o público e o privado no Brasil. Porém, entre suas falhas, está a de não determinar o cadastramento obrigatório das organizações no Congresso.
É preciso criar mecanismos para que o eleitor possa identificar claramente, por meio de informações acessíveis a qualquer um pela internet, 1. quais são os grupos de pressão interessados na votação dos projetos de lei; 2. quais são os parlamentares comprometidos com cada um desses grupos. Dessa forma, não fica difícil entender, ainda que para isso o eleitor precise contar com o intermédio da imprensa, quais são os fatores que balizam esses comprometimentos, e daí tirar suas próprias conclusões.
Os argumentos contrários à regulamentação do lobby costumam sustentar que ela prejudicaria os grupos menos organizados e financeiramente fracos. A falta de organização política é um sinal de imaturidade democrática sobre o qual falo desde os primórdios de minha coluna neste Congresso em Foco. Temos que pensar em soluções para os problemas que levam ao desinteresse pela política e que impedem o acesso à mesma, porque não tem e nem vai ter voz quem não se organiza.
Quanto à falta de poder financeiro, não quero acreditar que o dinheiro seja a única moeda na política brasileira atual. Se for, que ao menos deixemos de hipocrisia de uma vez por todas e possamos recomeçar sabendo quem somos.
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