Andrea Vianna
Na contramão do ano que se encerrou, 2006 deve ser um período pouco produtivo para a educação no Congresso Nacional. Mesmo imerso em uma das maiores crises políticas de sua história, o Legislativo conseguiu dedicar à área 22 das 175 leis federais sancionadas pelo presidente Lula em 2005. O afunilamento da pauta legislativa, com o aperto do calendário eleitoral, deve reduzir drasticamente o poder de intervenção dos parlamentares nas diretrizes da educação.
Objeto de 12,6% das leis que entraram em vigor no ano passado, a área também foi marcada, em 2005, pelo avanço das discussões sobre o Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb), a ampliação do ensino fundamental para nove anos e a reserva de cotas nas universidades federais. Esses projetos, no entanto, ainda precisam de nova análise na Câmara e no Senado.
Reforma parada
Para este ano, o cenário é menos promissor. Até mesmo aliados do Palácio do Planalto reconhecem que são reduzidas as chances de a reforma universitária sair das mãos do Ministério da Educação, passar pelo Congresso e se transformar em lei ainda durante o atual mandato do presidente Lula.
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“Poderíamos votar a reforma universitária em 2006, mas não vejo amadurecimento na proposta, nem condições políticas de votá-la, devido ao ano eleitoral. Fora isso, não alimento qualquer expectativa para o ano que vem (2006). Este (2005) foi um ano produtivo para a educação. 2006 não será”, avalia o deputado Gastão Vieira (PMDB-MA), ex-presidente da Comissão de Educação.
Com a proposta, que deveria ter sido enviada aos parlamentares no meio do ano passado, o governo espera alcançar uma meta ambiciosa em 2011: elevar de 25% para 40% a participação das entidades públicas na oferta de vagas das instituições de ensino superior. O anteprojeto, segundo os governistas, tem como base a valorização da universidade pública, o combate à mercantilização da educação superior, a busca pela qualidade do ensino e a democratização do acesso.
Cotas e Fundeb
Além da criação do Fundeb – incluída na pauta da convocação extraordinária – e o projeto de lei que reserva cotas para os afrodescendentes, índios e estudantes da rede pública nas universidades, poucas proposições têm chances concretas de avançar em 2006, na avaliação de parlamentares ligados à educação ouvidos pelo Congresso em Foco.
Ministro da Educação nos 13 primeiros meses do governo Lula, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF) acredita que não haverá espaço para votações voltadas para a área este ano. “Temos carnaval em março, semana santa em abril, copa do mundo em junho, recesso em julho e campanha eleitoral a partir de agosto. Não dá para ser otimista”, afirma.
Aprovação ou desmoralização
Apresentada pelo governo federal em junho de 2005, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 415/2005, que institui o Fundeb, mobilizou parlamentares, movimentos sociais e o governo federal em torno de sua aprovação nos últimos meses. “Não há como não votar o Fundeb durante a convocação. Se não votarmos, será uma desmoralização para o Congresso e para o governo”, assinalou o deputado Paulo Rubem Santiago (PT-PE), titular da Comissão de Educação.
Após vencer a resistência da Fazenda em destinar verbas orçamentárias para incluir as creches como beneficiárias do fundo, o presidente Lula fez um apelo aos deputados e senadores para que aprovem o Fundeb antes da votação do Orçamento de 2006. "O Fundeb tem de ser votado antes do orçamento. Quem quiser votar contra não estará prejudicando o presidente da República, mas estará prejudicando milhões e milhões de crianças que poderão estar estudando no ano que vem", afirmou o presidente no último dia 28.
Apelo de Lula
Nessa segunda-feira, Lula voltou a insistir no assunto. Em seu programa de rádio, o presidente voltou a cobrar do Congresso a aprovação do Fundeb. Segundo ele, se o fundo for criado após o Orçamento, o R$ 1,3 bilhão previsto para ser gasto com o Fundeb em 2006 só poderá ser aplicado em 2007. A PEC foi aprovada na comissão especial instituída para examiná-la em 8 de dezembro, quando o substitutivo da deputada Iara Bernardi (PT-SP) foi acolhido por unanimidade. O parecer reuniu sugestões das PECs 415/05, 216/03 e 536/97, que tramitavam em conjunto.
Ajustes de última hora garantiram a retirada de destaques e a desistência do voto em separado, que seria apresentado pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). "Com esse consenso, acredito que a PEC possa ser votada em plenário até o final do ano", era a aposta – não concretizada – da relatora. A apreciação foi relegada à convocação extraordinária, cujas votações em plenário serão iniciadas apenas em 16 de janeiro.
Contradições do governo
Mas a posição do governo nem sempre foi essa. Ao longo das discussões do Fundeb, a Fazenda levantou uma série de obstáculos em questões consideradas fundamentais pelos movimentos sociais e pelos membros da comissão especial que examinou o projeto. O governo federal resistiu até o fim, por exemplo, quanto à inclusão das creches como beneficiárias do Fundeb. Vencido, o ministro Antonio Palocci anunciou, na Câmara, a liberação de mais R$ 200 milhões para o fundo, a fim de não excluir as creches, com crianças de zero a três anos, da participação dos recursos.
O Fundeb vai substituir o atual Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental (Fundef) e contemplar, além dos estudantes do ensino fundamental, os alunos da educação infantil, das creches, do ensino médio, das escolas rurais, e do ensino técnico e da alfabetização para jovens e adultos. A meta inicial é que vigore durante 14 anos e, nos primeiros quatro anos, receba R$ 4,5 bilhões do governo.
O Fundeb é mais abrangente do que o Fundef, por incluir maior número de beneficiados, já que não se restringe aos estudantes do ensino fundamental. Gradativamente, em quatro anos, deve beneficiar 47 milhões de alunos, quando hoje o Fundef registra aproximadamente 32 milhões. E de uma forma geral, investe mais recursos no setor, como os 10% da arrecadação federal que serão destinados ao setor a partir do quinto ano de funcionamento do fundo.
Vida ao Fundef
Enquanto a Câmara se prepara para votar o Fundeb, o Senado vai analisar a PEC 29/02, do ex-senador Francisco Escórcio, que duplica o prazo de vigência do Fundef. O substitutivo do senador José Jorge (PFL-PE) também está na pauta da convocação extraordinária e propõe a prorrogação do fundo até 2016.
O Fundef foi implantado pela Emenda Constitucional 14/1996 para vigorar durante dez anos, ou seja, até o final de 2006. Se não houver prorrogação, nem aprovação do Fundeb, os benefícios do programa podem ser interrompidos. O substitutivo de José Jorge foi aprovado em primeiro turno no dia 31 de agosto por unanimidade. Na ocasião, o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), pediu o adiamento da votação e defendeu a realização de ajustes para a fusão do Fundef com o Fundeb, então, em curso na Câmara. Mas os apelos do senador foram em vão.
“Espero que não haja concorrência de iniciativas entre a Câmara e o Senado”, diz o deputado Carlos Abicalil (PT-MT). Devemos aprovar ainda em janeiro a PEC do Fundeb e enviá-la ao Senado. Espera que haja acordo entre as duas PECs, já que os recursos do Fundeb devem ser liberados ainda em 2006”, afirmou.
Outros avanços
Um dos mais atuantes integrantes da Comissão de Educação, Abicalil aponta outras conquistas na área de educação no ano passado: a ampliação do acesso ao ensino superior gratuito, com a criação de três novas universidades federais no ABC Paulista, no Recôncavo Baiano e no interior de Mato Grosso do Sul e a transformação de cinco faculdades em universidades federais. Abicalil também destaca a aprovação pelo Congresso, em meados de 2005, do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem), que criou para os jovens de baixa renda uma série de ofertas de cursos profissionalizantes, subsidiadas por uma bolsa-auxílio ao aluno, de R$ 100 mensais.
Aprovado no Plenário da Câmara em dezembro de 2004 e transformado em lei federal em 13 de janeiro de 2005, o Programa Universidade para Todos (ProUni) começou a valer ainda no ano passado. A lei prevê que as instituições de ensino superior privadas que aderirem ao programa são obrigadas a destinar, por meio de bolsas integrais ou parciais, 10% das vagas para estudantes de baixa renda que tenham cursado o ensino médio completo em escola da rede pública ou a professores da rede pública de educação básica. No primeiro ano de funcionamento, foram contabilizados 112 mil novos alunos na rede particular de ensino superior.