Osiris Lopes Filho*
Na história recente do país, a edição de normas tributárias passou a ser realizada por produção legislativa concentrada no Poder Executivo. Tem-se, assim, no Estado Novo, a edição de decretos, e, na ditadura militar, decretos-leis e, atualmente, as medidas provisórias. Considera-se mais importante o meio pelo qual é editada a regra tributária, vale dizer o instrumento da sua formulação, do que a sua fonte de legitimação – sua produção pelos representantes do povo, eleitos exatamente para legislar.
Trata-se de um processo de concentração do poder de legislar pelo Executivo, que alcançou o seu ponto máximo de exacerbação na proposta de reforma tributária encaminhada pelo governo federal ao Congresso, e que segue a tramitação, em trajetória rápida e funestra, para a destruição da legitimidade da tributação, que é obtida pela adesão do povo na criação e elevação de tributos, pelo seu consentimento, expresso pela concordância dos deputados e senadores do povo, mediante a aprovação das leis tributárias.
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Essa hipertrofia do Executivo se manifesta na mudança proposta para o principal tributo do país, pela sua arrecadação e pela abrangência de sua incidência – o imposto sobre circulação de mercadoria e prestação de serviços de transporte e comunicação.
Toda a sua legislação será editada por lei complementar da União. A iniciativa dessa lei complementar é atribuída com exclusividade ao presidente da República, a 1/3 dos membros do Senado Federal, ou das assembléias legislativas, desde que estejam representadas, todas as regiões do país. Concentra-se no presidente da República a iniciativa da produção da legislação do ICMS. As exigências para as outras fontes de iniciativa são de difícil exeqüibilidade.
O papel do Senado é ridicularizado. Cumpre a ele, pela previsão da PEC, fixar as várias alíquotas do imposto. Todavia, o que lhe foi atribuído é dizer o percentual de cada alíquota. O conteúdo das alíquotas, isto é, as operações de circulação ou da prestação de serviços a que se aplicam quem define é o Conselho de Política Fazendária – o novo Confaz –, órgão tecnocrático composto pelos secretários da Fazenda dos Estados. Esse novo Confaz baixará o Regulamento do ICMS, o do seu processo fiscal e fixará os incentivos fiscais. Liquida-se a um só tempo a autonomia financeira dos Estados e do Distrito Federal, bem como a descentralização típica da Federação, acabando com a autonomia financeira desses entes federados, reduzindo-os ao status de autarquia, e se concentra o poder de legislar nos órgãos do Executivo e seu corpo auxiliar, a tecnocracia.
É cruel e explicita demonstração da desvalia e insignificância que se atribui ao Poder Legislativo. Manifestação concreta do imperialismo da União, absorvendo competências estaduais e atestado do menosprezo aos deputados estaduais e federais e senadores da República, representantes do povo.
O descaramento é total. Ousadia que nem a ditadura militar ousou assumir. E tudo isso em nome da simplificação. Destroem-se a divisão de poderes, a autonomia estadual e a descentralização peculiar à Federação, e humilha-se a representação do povo no Congresso e nas assembléias estaduais. Mudança inequívoca para a pioria.
*Osiris de Azevedo Lopes Filho, advogado e professor de Direito na Universidade de Brasília (UnB), foi secretário da Receita Federal.