Reformas políticas estão sendo discutidas, no Brasil e na Venezuela. Mesmo que em proporções e condições diferentes, ambos os países estão sobrecarregados por crise político-econômica e sinalizam sair do marasmo pela via da reestruturação da atividade política.
Considerando que renovação e reorganização são partes importantes do glossário das democracias mais avançadas, aspirar por reformas não parece ser negativo, porém imperativo para estes dois países em crise. O problema, contudo, está nos detalhes.
Na Venezuela, o governo do presidente Nicolás Maduro conseguiu emplacar sua Assembleia Constituinte. Em eleição ocorrida no último domingo (31/07), os cidadãos que foram às urnas (apenas cerca de 10% da população compareceu, de acordo com a oposição) elegeram seus 545 representantes, que terão como missão refazer a Carta Magna revogando a atual, promulgada em 1999 pelo ex-presidente Hugo Chávez.
Oficialmente, a convocação desta Assembleia parece ser honrosa, tendo como algumas das suas finalidades apaziguar as relações entre situação e oposição e revisar a matriz econômica do país, diminuindo a dependência excessiva do petróleo. Tudo isso seria arquitetado por meio de plataforma de democracia participativa, na qual os cidadãos fariam parte das discussões e aprovariam, a posteriori, o texto final por meio de referendo popular. Esta ação é corroborada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) que, diferentemente do governo Temer, decidiu apoiar Maduro.
Tais fatos, contudo, não revelam a realidade pouco democrática e republicana da Venezuela. Não obstante ao que foi mencionado anteriormente, a verdade é que esta Assembleia Constituinte servirá para garantir maior fôlego político ao presidente, pressionado pela oposição, que possui maioria no Congresso Nacional e tem apoio expressivo da população.
A Constituinte tem capacidade deliberativa acima dos três poderes constituídos e pode, inclusive, paralisar as atividades do Parlamento, o que converge com os interesses governistas. Além disso, a eleição presidencial, marcada para 2018, poderá não ocorrer caso a nova Constituição não tenha sido promulgada, o que viabilizaria a permanência de Maduro no poder. Em desacordo a estas medidas, a oposição garantiu que seguirá com protestos de rua, mesmo diante da truculência do governo venezuelano, responsável pela morte de quase dez manifestantes no último fim de semana.
Em terras brasileiras, a situação, por óbvio, não é tão dramática quanto na Venezuela, porém tem suas consequências deletérias. Enquanto o presidente Temer se alegra por sancionar a Reforma Trabalhista e derrubar a denúncia por corrupção passiva na Câmara dos Deputados, a Reforma Política segue em debate no Congresso Nacional.
Para a próxima quarta-feira (09) está prevista reunião da Comissão Especial da Reforma Política e votação do último relatório do deputado Vicente Candido (PT-SP). Entre as principais alterações estão a criação do Fundo Especial de Financiamento da Democracia (FDP), que garantiria R$ 3,5 bilhões para financiar campanhas eleitorais em 2018; possibilidade de recall para revogação dos mandatos de presidente da República, governador, prefeito e senador por parte dos eleitores; prevê eleições pelo sistema distrital misto a partir de 2022, mantendo o sistema atual até a próxima eleição; e extingue a figura do vice nas esferas Federal, Estadual e Municipal, além de diminuir o número de suplentes no Senado.
A despeito desses pontos principais, foram “detalhes” do relatório que chamaram a atenção da opinião pública, dada a possibilidade de gerar impunidade e permitir que políticos envolvidos com a Operação Lava Jato consigam disputar eleição em 2018.
Trata-se da chamada “emenda Lula”, que representava dois artigos do relatório que mudariam dispositivos do Código e da Lei das Eleições. Basicamente, isso proibiria que candidatos fossem presos até oito meses antes da eleição, revogando a lei anterior que previa apenas quinze dias antes.
A justificativa para a extensão desse prazo, de acordo com o relator, parecia eficaz, pois protegeria os candidatos de perseguição política e abuso de autoridade por parte do judiciário, garantindo o direito do cidadão de votar naquele político.
Contudo, com Lula condenado por Sérgio Moro, as circunstâncias levam a crer que tal medida foi proposta pelo deputado petista para beneficiar o ex-presidente, que pode ter sua prisão decretada pelo Tribunal Regional Federal há poucos meses da eleição de 2018.
Lula tem todo o direito de provar sua inocência nas instâncias judiciais e conseguir, pelo voto, seu retorno à presidência. Porém, fazer uso de manobras políticas como essa é pouco republicano e precisa ser rechaçado pelos cidadãos. E isso ocorreu. Diante da repercussão negativa, esses pontos foram retirados de pauta pelo relator.
Seja na Venezuela, no Brasil ou qualquer outro país, a política é composta por detalhes. É imperativo estar atento a possíveis desvios de conduta e fomentar a criação de mais instrumentos de controle e accountability nas esferas de poder. A “emenda Lula” não foi a primeira e nem será a última proposta legislativa feita pelos políticos para beneficiar os próprios. Quem não se lembra da votação do pacote anticorrupção na calada da noite, com a finalidade de desfigurar aquele projeto de iniciativa popular? Não podemos nos esquecer: na política, os detalhes importam e muito.
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