Erich Decat
Os governadores são a grande aposta do relator da reforma tributária para evitar que a proposta em discussão numa comissão especial da Câmara tenha o mesmo destino das anteriores: o arquivo. Para garantir o apoio deles, o deputado Sandro Mabel (PR-GO) está disposto a alterar o texto aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Nesta entrevista ao Congresso em Foco, Mabel adianta que pretende “blindar” o Fundo de Equalização de Receitas (FER), que visa a ressarcir aos estados por perdas decorrentes da instituição do novo ICMS. O fundo deve ser formado por 1,8% da arrecadação dos impostos federais.
O objetivo da blindagem, explica o parlamentar goiano, é evitar que os recursos sejam desviados de sua função, assim como acontece hoje com a Lei Kandir. A lei isenta do ICMS os produtos e serviços destinados à exportação e causa perdas importantes na arrecadação de impostos estaduais. O repasse dos recursos desse fundo é fonte permanente de disputa entre os governadores e o governo federal.
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“Estou assegurando aos estados que vou criar esse mecanismo para que eles tenham de onde sacar, como sacar e solucionar uma série de travas que existe quanto a isso. Para garantir o repasse dos recursos, quero ir mais longe. Caso o Fundo não seja suficiente e o estado ainda precise sacar, ele poderá sacar de uma rubrica orçamentária que ainda será definida. O meu compromisso com os estados é de que, se eles ajudarem a aprovar a reforma, esse assunto eu escrevo junto com eles”, afirmou.
Trabalhando em conjunto com o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci (PT-SP), presidente da comissão, Mabel garante que o apoio dos governadores para aprovar a reforma tributária é mais importante do que o do próprio governo federal. Sem o aval deles, ressalta, não há chance de se aprovar a reforma.
“Aqui é o seguinte: o governo federal tem controle de bancada. Mas não tem mais do que o governador. Se o governador der um comando no estado de que essa reforma não vai, ela não vai e ponto. Isso acontece porque o governador pode colocar o cara lá no placar e dizer: ‘Olha só quem está detonando o estado’”, exemplificou.
De coveiro a redentor
O deputado deve apresentar o relatório final da PEC 233/08 no próximo mês. Embora demonstre confiança na aprovação da reforma tributária este ano, o relator reconhece que, se não for votado pelas duas Casas até setembro, o texto se juntará a outras 12 propostas que repousam nos arquivos do Congresso. A última delas, admite Mabel, enterrada com a sua contribuição.
“Em 2003 eu fui contra a reforma. Eu a detonei no que pude, porque ela estipulava que, no dia seguinte da promulgação da proposta, acabaria com todos os incentivos fiscais. A passagem da cobrança da origem para o destino seria feita de um dia para o outro. Isso não existe, não tem como ser feito”, criticou.
Na avaliação dele, a atual proposta tem como grande trunfo o amadurecimento do debate e a flexibilidade da implantação da reforma prevista para ocorrer ao longo de oito anos.
A principal mudança proposta pela PEC, no âmbito dos tributos federais, é a extinção de cinco tributos (Cofins, PIS, CIDE, Salário Educação e CSLL) para a criação do Imposto sobre Valor Adicionado Federal (IVA-F). Além disso, a medida também propõe a unificação das 27 legislações estaduais do ICMS em uma única legislação.
Durante a entrevista, Mabel também criticou a possível criação da Contribuição Social para Saúde (CSS) defendida pelos líderes do governo na Casa e incluída no Projeto de Lei Complementar 306/08, que regulamenta a Emenda 29. “Estamos fazendo uma reforma tributária para diminuir os impostos. Então, é uma coisa complicada, eu não vou votar a favor disso aí.”
Congresso em Foco – Qual é o objetivo da reforma tributária enviada pelo governo que o senhor está relatando?
Sandro Mabel – Se estiverem esperando uma reforma tributária que simplifique tudo, abaixe uma porção de impostos e abaixe a carga tributária, não é essa a reforma. Essa reforma vai simplificar muita coisa. Um exemplo é a união de cinco impostos para a criação do IVA federal, também vamos fazer vigorar apenas uma legislação do ICMS. O governo apresentou uma proposta nessa linha e eu não quero sair muito dela.
Quais os resultados concretos que essa união dos impostos pode acarretar?
Primeiro, você tem um resultado positivo para os empresários, porque simplifica. Para o governo, diminui a sonegação, aumenta a base de cobrança e, quando se aumenta a base de cobrança, você pode então trabalhar em benefício da população porque você pode ir diminuindo impostos, uma vez que estará trabalhando com uma base maior de recursos.
Então há uma previsão para diminuição da carga tributária?
Num primeiro momento, ela não vai aumentar. Nós vamos colocar uma trava para ela não aumentar. Ela vai diminuir no médio e longo prazo. A minha visão é de que precisamos desonerar os produtos da cesta básica, os remédios, a energia elétrica, dando o comando para ir desonerando onde tem excesso de arrecadação.
Hoje tem algum estado que se mostra contra a implantação do IVA federal?
Os estados não são contra o IVA federal. Eles têm uma preocupação de que a base de incidência do IVA federal tem que ficar mais clara para que não possa entrar em tudo e possa dar uma saturação na base de cobrança. Tem que se dimensionar um pouco melhor o que é o IVA federal. Mas esse é um dos 300 assuntos que estão em debate. Os estados têm que ter confiança na reforma. É o que estamos tentando transmitir e, dentro dessa confiança, nós queremos dar tranqüilidade para que os estados possam mandar as bancadas votarem.
A implementação do novo Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) passará por uma transição de oito anos para ser concluída. Esse período é suficiente para os estados se adaptarem?
Pretendo aumentar o prazo, porque são cinco anos e acho que esse prazo está curto e vão ter muitas perdas e, quando você impõe muitas perdas, você pode ter um fundo [para compensar os estados por eventuais perdas de receitas decorrentes da reforma tributária] que pode não ser suficiente para todo mundo. Quando você estica um pouco a proposta, você diminui a condição de perda e aumenta a condição de ajustar dentro desse período. Por exemplo, você vive numa casa que é minha. Eu viro para você e digo que preciso desta casa amanhã. A sua reação será a de xingar, entrar na Justiça. Mas se eu disser: eu preciso da casa daqui a um mês, você vai ficar menos apavorado. E se eu peço a casa daqui a dez anos e ainda digo que no primeiro ano você vai me dar aquele quarto lá do fundo, no segundo, parte da sala e assim por diante. Quando você faz isso, você consegue passar qualquer coisa. Vamos ter uma transição.
Essa é a diferença das outras propostas?
Essa é a grande diferença. Em 2003 eu fui contra a reforma. Eu a detonei no que pude, porque ela estipulava que, no dia seguinte da promulgação da proposta, acabaria com todos os incentivos fiscais. A passagem da cobrança da origem para o destino seria feita de um dia para o outro. Isso não existe, não tem como ser feito.
A questão sobre a cobrança no destino ou na origem do ICMS ainda vem dividindo alguns setores, como o senhor analisa esse debate?
Isso é uma coisa definida. O prazo de transição é que estipula quanto tempo vai passar da origem para o destino. Você vai tirando o ICMS, que é cobrado na origem e vai passando para o destino. Isso é uma cláusula pétrea da nossa reforma.
Um dos itens mais polêmicos aprovados pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara foi a manutenção da cobrança de 2% da alíquota do ICMS nos estados produtores de petróleo e energia elétrica. Em seu parecer, como o senhor irá se posicionar?
Não sei ainda. A princípio vai ficar do jeito que está.
A proposta do Executivo cria ainda o Fundo de Equalização de Receitas (FER), que vai ressarcir os estados por perdas decorrentes da instituição do novo ICMS. Esse fundo não corre o risco de ter os recursos desviados para outros fins, assim como ocorre com a Lei Kandir?
O meu compromisso é colocar na PEC um mecanismo blindado para que os estados não digam que o destino desse fundo será o mesmo da Lei Kandir. Então eu estou assegurando aos estados que vou criar esse mecanismo para que eles tenham de onde sacar, como sacar e solucionar uma série de travas que existe quanto a isso. Para garantir o repasse dos recursos, quero ir mais longe. Caso o Fundo não seja suficiente e o estado ainda precise sacar, ele poderá sacar de uma rubrica orçamentária que ainda será definida. O meu compromisso com os estados é de que, se eles ajudarem a aprovar a reforma, esse assunto eu escrevo junto com eles.
O senhor tem viajado por vários estados apresentando essa proposta, como está sendo a receptividade a elas?
Todo mundo tem preocupação de perder, mas tudo mundo quer a reforma. O governador do Espírito Santo e os do Nordeste até chegaram a dizer: “Nós até aceitamos perder um pouco para ajudar o país, mas não podemos perder muito, e se nós perdermos, aí precisaremos ter um fundo de onde sacar porque senão nós quebramos”. Dentro dessa linha estamos procurando os mecanismos para a blindagem da PEC.
Em seu discurso notamos uma grande preocupação em obter o apoio dos governadores à sua proposta. Qual é o peso deles na aprovação da PEC aqui dentro do Congresso?
Aqui [no Congresso] é o seguinte: o governo federal tem controle de bancada. Mas não tem mais do que o governador. Se o governador der um comando no estado de que essa reforma não vai, ela não vai e ponto. Isso acontece porque o governador pode colocar o cara lá no placar e dizer: Olha só quem está detonando o estado.
O senhor acha que o Congresso consegue aprovar a reforma ainda neste ano?
Na Câmara vamos aprovar ainda neste semestre. Essa reforma não terá problema para passar no Plenário. O problema dessa reforma é acertá-la na comissão, com os relatores e as bancadas.
Por que o senhor acredita que desta vez essa reforma passa?
Porque eu sou o relator. Porque esse processo de reforma amadureceu. Hoje o país passa por uma situação melhor de desenvolvimento. Há uma saturação de toda essa burocracia de arrecadação. São componentes que ajudam. Mas não resta dúvida de que o governo quer fazer essa reforma. Um exemplo disso é a indicação do [deputado Antonio] Palocci. O Palocci não está aí para enfeitar. Quando os partidos me colocam para ser o relator é porque eles acreditam na nossa capacidade de articulação, no conhecimento do tema e na rapidez para aprovar. Porque essa reforma tributária não pode ficar um, dois, três anos discutindo. Pode escrever, a gente vai aprovar com menos de 40 sessões. Mas se a reforma tributária ficar pingando na área até agosto, setembro, aí esquece.
A base aliada colocou o time em campo para tentar aprovar um novo imposto, a Contribuição Social para a Saúde (CSS), para financiar o setor, conforme prevê a chamada Emenda 29. Agindo dessa forma, o governo não está desacreditando essa reforma?
Não, isso são alguns líderes que estão tentando criar uma base de recurso para poder regulamentar a Emenda 29. Não é nem uma proposta do governo.
Para o senhor, essa proposta não veio do Palácio do Planalto?
Não. Mas para ele, se for aprovada, melhor.
Na visão do senhor, é necessária a criação dessa nova contribuição?
Na verdade, não estou nem acompanhando, mas basicamente estamos fazendo uma reforma tributária para diminuir os impostos. Então, é uma coisa complicada, eu não vou votar a favor disso aí. Eu vou me abster, nem a favor, nem contra.