Rodolfo Torres
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou nesta quarta-feira (17) uma reforma no Código de Processo Penal (CPP). O substitutivo aprovado, de autoria do senador Renato Casagrande (PSB-ES), tem 702 artigos que alteram o dispositivo legal adotado atualmente no país (Decreto-Lei 3.689/41).
Com o objetivo de tornar as punições mais rápidas (e diminuir os custos para a Justiça), a proposta permite que a pena seja aplicada mediante requerimento das partes. Contudo, isso só será possível para crimes cuja pena máxima não ultrapasse oito anos.
O projeto também determina que as escutas telefônicas só serão permitidas para crimes cuja pena máxima seja maior do que dois anos. Além disso, as escutas não deverão ultrapassar, no geral, 60 dias. Em casos excepcionais, poderá chegar a 360 ou mais. Crimes praticados exclusivamente pelo telefone e formação de quadrilha estão fora dessas limitações.
Em outro ponto, a reforma no CPP determina que o inquérito policial iniciado seja comunicado imediatamente ao Ministério Público. O objetivo dessa medida é integrar o trabalho de promotores, procuradores e policiais.
O interrogatório será considerado um instrumento da defesa, e não mais um mecanismo para obtenção de provas. Dessa forma, não serão permitidas técnicas de coação, intimidação ou ameaça contra a liberdade de declarar. A autoridade que conduzir o interrogatório só poderá oferecer vantagens ao interrogado se a lei assim permitir.
Ainda em relação ao interrogatório, o projeto prevê a presença do defensor já na fase de inquérito. O interrogado será avisado previamente do inteiro teor dos fatos a ele imputados e de que suas declarações poderão eventualmente ser utilizadas contra ele. O acusado poderá permanecer em silêncio, sem que esse silêncio seja usado como confissão ou interpretado em seu prejuízo. Os interrogatórios por videoconferência também serão permitidos.
Prisões
As mudanças aprovadas nesta quarta também atingem as prisões provisórias, temporárias e preventivas. Assim, a prisão provisória terá três modalidades: flagrante, preventiva e temporária. Pelo projeto, é nulo o flagrante preparado quando seja razoável supor que a ação só ocorreu por conta da provocação.
O projeto apresenta três regras para a prisão preventiva, que se ultrapassar 90 dias será obrigatoriamente reexaminada pelo juiz ou tribunal competente: ela jamais será utilizada como antecipação da pena; ela não será utilizada por conta da gravidade do fato ou do clamor público; e ela só será aplicada se outras medidas cautelares forem inadequadas ou insuficientes.
Já a prisão temporária, segundo a reforma, só poderá ocorrer se não existir “outro meio para garantir a realização do ato essencial à apuração do crime, tendo em vista indícios precisos e objetivos de que o investigado obstruirá o andamento da investigação”.
A proposta restringe o habeas corpus, que somente poderá ser concedido com situação concreta de lesão ou ameaça ao direito de locomoção.
O projeto determina ainda que a vítima seja comunicada da prisão ou soltura do autor do crime; da conclusão do inquérito policial e do oferecimento da denúncia; do arquivamento da investigação e da condenação ou absolvição do acusado.
A vítima também poderá obter cópias e peças do inquérito e do processo penal, desde que não estejam sob sigilo.
Longo caminho
A reforma do CPP ainda terá um longo caminho pela frente antes de virar realidade. O texto segue para o plenário do Senado, e depois terá de retornar à CCJ para, a partir de então, seguir mais uma vez para o plenário. Somente após essas duas fases no plenário, a matéria seguirá à Câmara.
A matéria aprovada nesta quarta é fruto de um anteprojeto criado por uma comissão de juristas, cujo trabalho iniciou em julho de 2008. A Comissão Temporária de Estudo da Reforma do CPP concluiu seus trabalhos em dezembro do ano passado.
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“Modelo acusatório
O projeto define o processo penal de tipo acusatório, onde os papéis dos sujeitos processuais são mais bem definidos, com a proibição de o juiz substituir o Ministério Público na função de acusar e de levantar provas que corroborem os fatos narrados na denúncia, sem prejuízo da realização de diligências para esclarecimento de dúvidas.
A medida deixa clara a responsabilidade do Ministério Público em relação à formação da prova e, ao mesmo tempo, impede que o juiz se distancie do seu compromisso com a imparcialidade.
Também fica garantido, na investigação criminal, o sigilo necessário à elucidação do fato e a preservação da intimidade e da vida privada da vítima, das testemunhas e do investigado, inclusive a exposição dessas pessoas aos meios de comunicação.
Inquérito policial
Com o objetivo de reforçar a estrutura acusatória do processo penal, o inquérito policial iniciado deverá passar a ser comunicado imediatamente ao Ministério Público. Segundo o consultor da área de Direito Penal do Senado Jayme Benjamin Santiago, o objetivo é que o inquérito policial seja acompanhado mais de perto pelo Ministério Público, “propiciando maior aproximação entre a polícia e o órgão de acusação”.
Ainda pelo projeto, fica definido que o exercício da atividade de polícia judiciária pelos delegados não exclui a competência de outras autoridades administrativas.
Juiz das garantias
O novo Código de Processo Penal (CPP) introduz a figura do juiz das garantias, responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos fundamentais do acusado (art.14).
Atualmente, um mesmo juiz participa da fase de inquérito e profere a sentença, porque foi o primeiro a tomar conhecimento do fato (art. 73, parágrafo único do CPP). Com as mudanças, caberá ao juiz das garantias atuar na fase da investigação e ao juiz do processo julgar o caso – este tendo ampla liberdade em relação ao material colhido na fase de investigação.
Ação Penal
O projeto de Código (PLS 156/09) também traz modificações significativas ao instituto da Ação Penal. Acaba, em primeiro lugar, com a ação penal privativa do ofendido, hoje prevista em vários dispositivos da legislação nos crimes contra a honra, de esbulho possessório de propriedade particular, de dano, fraude à execução, exercício arbitrário das próprias razões, entre outras infrações penais. Nesses casos, o processo passa a ser iniciado por ação pública, condicionada à representação do ofendido, podendo ser extinta com a retratação da vítima, desde que feita até o oferecimento da denúncia.
Segundo o consultor do Senado Fabiano Augusto Martins Silveira, que integrou a comissão de juristas responsável pela elaboração do projeto, o novo texto permite ainda a possibilidade de extinção da ação penal por meio de acordo entre vítima e autor, nas infrações com consequência de menor gravidade.
Interrogatório
Também há mudanças no instituto do interrogatório, que passa, no texto do projeto, a ser tratado como meio de defesa e não mais de prova (art.185 e seguintes do atual CPP), ou seja, é um direito do investigado ou do acusado. Além disso, o projeto prevê respeito à capacidade de compreensão e discernimento do interrogado, não se admitindo o emprego de métodos ou técnicas ilícitas e de quaisquer formas de coação, intimidação ou ameaça contra a liberdade de declarar. A autoridade responsável pelo interrogatório também não poderá oferecer qualquer vantagem ao interrogado em troca de