|
Ainda não é possível apontar com precisão o inteiro tamanho da conta, mas o governo federal vai se dando conta de que pagará caro pela implantação da chamada súmula vinculante, uma das principais mudanças trazidas pela reforma do Judiciário aprovada pelo Congresso no final do ano passado. Com o mecanismo, a administração pública federal, estadual e municipal e toda a Justiça ficam obrigadas a seguir a jurisprudência consolidada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). É o típico caso em que o feitiço deverá se voltar contra o feiticeiro. Contrariando a opinião do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para o qual a súmula restringirá a liberdade de julgar dos magistrados de primeira e segunda instâncias, o Palácio do Planalto e o Ministério da Fazenda – por intermédio dos líderes governistas no Senado e na Câmara – deram inequívoco apoio à aprovação da medida. Leia também Pretendiam enfrentar um fenômeno no mínimo extravagante. Espertalhões de diferentes matizes – em geral, grandes empresas ou instituições públicas – têm usado a Justiça para adiar, por anos a fio, o desfecho de disputas judiciais, mesmo sabendo que ao final perderão o caso no STF. Injusto para quem teve ganho de causa, inseguro para quem aspira viver (ou investir) numa nação com regras estáveis e dispendioso para o Judiciário como um todo, que é congestionado por uma avalanche de ações e de recursos sustentados por gente que no fundo quer apenas retardar o cumprimento de decisões judiciais. Vale ressaltar que as causas repetidas formam grande parte dos cerca de 30 milhões de processos que, conforme as estimativas correntes, tramitam no Judiciário brasileiro. Bastará agora que o Supremo consolide em súmula o entendimento firmado por no mínimo oito dos seus 11 ministros para que tal decisão tenha caráter imperativo em todo o país (saiba mais). Curioso é que o governo Lula não tenha contabilizado previamente o impacto fiscal da mudança. É o que se encontra agora em fase de levantamento. Algumas informações apuradas pelos repórteres Lígia Souto e Ricardo Ramos permitem antever que os resultados desses estudos ainda inconclusos serão impressionantes. Somente o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), que tem aproximadamente 50 mil processos em andamento no STF, vem empurrando com a barriga o pagamento de R$ 8,8 bilhões devidos a aposentados e pensionistas que reclamam na Justiça a revisão de seus benefícios. O valor representa pouco menos do que o total dos investimentos feitos pelo governo Lula em 2004. A Previdência jogou a toalha quanto ao desembolso de R$ 2 bilhões, crédito de aposentados que recorreram aos tribunais para corrigir índices de reajuste manipulados por obra dos planos econômicos do Brasil da hiperinflação. Justiça seja feita: a Previdência já procura se antecipar a eventuais súmulas vinculantes. Tanto que pediu à Advocacia Geral da União (AGU), que a representa na Justiça, para não recorrer mais em ações desse tipo. O restante da dívida fica por conta dos gastos com atrasados devidos a pensionistas, isto é, filhos ou cônjuges de segurados falecidos. O próprio INSS calcula que precisará de R$ 6,8 bilhões para atualizar tais benefícios, cuja correção entre outubro de 1988 e abril de 1995 ficou aquém daquilo que, segundo a Justiça, deveria ter sido feito. Mas a conta pode sair mais salgada para a Caixa Econômica Federal (CEF), campeã de processos no STF, no qual ela é parte em algo ao redor de 190 mil processos – 44% do total da corte. A maioria deles se refere a correções não efetuadas adequadamente no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) quando da implantação dos planos antiinflacionários. Também pode parar no STF uma questão que por ora permanece na órbita do Superior Tribunal de Justiça – o STJ, última instância da Justiça do país para o julgamento de temas que não envolvem matéria constitucional. Ela abre precedente para 58 milhões de correntistas prejudicados pelos expurgos inflacionários dos planos Collor 1, Collor 2 e Verão requererem a correção de seus saldos à época. A CEF, segundo informou sua assessoria de imprensa ao Congresso em Foco, ainda não sabe quanto custará pagar toda essa gente. Mas a direção da Caixa está perfeitamente consciente de que a velha prática de postergar o cumprimento de decisões judiciais é séria candidata à aplicação do antídoto da súmula vinculante. Na opinião do advogado Wladimir Martinez, especialista em Direito Previdenciário, mais de 300 questões da sua área de atuação podem ser objeto de súmulas vinculantes. Com mais de 40 obras publicadas, Martinez acredita que processos que dizem respeito a índices inflacionários, expurgos de planos econômicos, entre outros, apresentam grande potencial para serem disciplinados por meio de súmulas. Credenciado pela condição de coordenador do Gabinete Extraordinário de Assuntos Institucionais do STF, órgão criado pelo Supremo especialmente para facilitar a implementação da reforma do Judiciário, o juiz federal Flávio Dino de Castro e Costa concorda em parte com Martinez. A divergência: ele prevê que os ministros da principal corte brasileira deverão ser “econômicos” na edição das súmulas. A convergência: ações previdenciárias, sobretudo aquelas remanescentes dos tempos de Brasil indexado à inflação, certamente exibem forte vocação para encararem o novo remédio legal. Dino vê as mesmas características na questão da correção do FGTS. E cita outras três áreas que devem ser reguladas por súmula vinculante: ações movidas por servidores públicos, ações de interesse do consumidor e ações tributárias. |
Deixe um comentário