Renata Camargo
Menos de dois meses após o início da vigência da Lei Seca, motoristas desatentos e imprudentes terão mais um motivo para redobrar os cuidados. No pacote de medidas para combater a violência no trânsito, o Senado pode aprovar hoje (13) um projeto de lei que torna mais rigorosas as penalidades para condutores que provocarem acidente com vítima.
Condutor que se envolver em batida, atropelamento ou outro tipo de acidente de trânsito que resulte em morte ou lesões graves para terceiros poderá pegar de quatro a 12 anos de prisão, em casos mais graves (podendo a pena ser agravada), segundo nova redação que pode ser dada ao Código de Trânsito Brasileiro. No atual código, a prática de homicídio culposo na direção de veículo automotor pode levar à detenção de dois a quatro anos, podendo também a pena ser aumentada.
De acordo com a proposta em discussão, o motorista também poderá perder a carteira de habilitação no mesmo dia em que o acidente ocorrer, pois a autoridade policial deverá imediatamente informar ao juiz sobre o ocorrido. Hoje, após um acidente com vítima, o condutor permanece habilitado para dirigir até o julgamento final, ou até que o juiz seja comunicado e decida pela suspensão ou perda da carteira, o que não ocorre de imediato.
Essas e outras mudanças estão previstas no Projeto de Lei 613/2007, de autoria do senador Cristovam Buarque (PDT-DF). A intenção, segundo o senador, é frear a imprudência e reduzir os altos índices de mortalidade no trânsito por meio do endurecimento da punição. “Coibir acenando com o fim da impunidade. O ideal é que ninguém seja preso nem seja necessário punir ninguém. Sabendo da lei, o motorista tomará mais cuidado”, argumenta Cristovam.
O projeto de lei (veja os principais pontos da proposta) altera o Código de Trânsito Brasileiro e o Código Penal, aumentando a penalidade para todos os acidentes com vítimas. Eleva de dois para três anos a pena mínima e de quatro para cinco anos a pena máxima para quem praticar homicídio culposo (sem intenção de matar) na direção de veículos.
As punições serão mais rigorosas para motoristas embriagados, que participarem de rachas ou dirigirem sem habilitação que se envolverem em acidentes que resultem em vítimas. O projeto acrescenta aos artigos 306, 308 e 309 do Código de Trânsito um parágrafo único no qual está prevista aplicação de pena de reclusão de dois a oito anos para motoristas que causarem acidente com lesão corporal grave e de quatro a 12 anos para motoristas responsáveis por acidentes com morte.
“Hoje o motorista embriagado ou participante de racha acaba causando acidentes e não paga preço algum. Nós devemos ver esse cidadão como alguém que cometeu um assassinato. É como se tivesse pegado um revólver e atirado. Esse deve ser tratado com todo rigor. Dirigir não é como ir comprar picolé na esquina”, defende o relator do projeto, senador Arthur Virgílio (PSDB-AM), que deu parecer favorável à matéria.
Mudanças contestadas
Antes mesmo de passar por seu primeiro teste no Senado, a proposta já causa polêmica. Tornar mais rigorosas as penas não é solução para a violência no trânsito, segundo o advogado criminalista Asdrúbal Lima Júnior, que classificou o projeto como “extremamente infeliz”. Na opinião dele, a proposta traz dois grandes equívocos. O primeiro, afirma, é partir do princípio de que o “direito retórico” resolve os problemas da sociedade.
O segundo, acrescenta, é confiar que o motorista vai deixar de ter determinada conduta por causa do aumento da pena, em especial quando se trata de ação de crime culposo, ou seja, de forma não intencional.
“É um absurdo querer aumentar a pena de um crime culposo. A pena proposta no projeto é muito exagerada. Não se pode tratar crime não intencional com as mesmas penas de crime praticado com intenção de matar”, diz. “Numa vontade pontual de tornar mais severa a lei de trânsito, tem-se a visão errada de que vão diminuir os acidentes aumentando a pena. Esse projeto cria um monte de distorções”, avalia Asdrúbal.
Lei Seca
O criminalista compara o projeto à recente Lei Seca (Lei 11.705/08) – que estabeleceu tolerância zero para quem dirigir sob efeito de bebidas alcoólicas, estipulando multa de R$ 950, perda da carteira de habilitação e, em alguns casos, prisão.
“O número de acidentes diminuiu por causa da fiscalização e não por conta da lei. Todas as infrações de trânsito tendem a diminuir com o aumento da fiscalização. Esse novo projeto cai, mais uma vez, na tentativa de achar que um problema será solucionado a partir da mudança da lei e do aumento da pena, supondo que as pessoas vão deixar de fazer por conta da punição. É a ilusão falsa de que, se for lei, muda tudo. É uma crença perigosa”, argumenta.
O presidente da Associação Brasileira de Vítimas de Trânsito (Abutran), José Eduardo Campanucci, também critica o projeto proposto por Cristovam. Segundo Campanucci, a matéria parte do pressuposto de que o motorista se tornará mais prudente sabendo que as penalidades serão maiores, o que nem sempre ocorre na prática.
“Infelizmente, o que as pessoas sentem mesmo é o bolso. Não adianta uma lei de educação se, neste país, as pessoas não têm educação. Não adiantará nada uma nova lei que não será cumprida”, critica.
Campanucci ressalta que, apesar da crítica, defende a punição severa para o condutor que se envolve em acidente mesmo em casos em que não há a intenção. “Se o motorista não está correndo e atropela alguém, é porque não sabe dirigir. É imperícia. Para pegar o carro tem que pensar duas vezes. O carro é um perigo. Está cheio de gente por aí que não sabe dirigir”, argumenta.
Em relação à Lei Seca, Campanucci afirma que as autoridades estão sendo “muito precipitadas” ao comemorar o sucesso da nova norma. Segundo ele, a redução no percentual de mortes no trânsito não foi assim tão significativa, considerando, entre outros fatores, que o primeiro mês de vigência da lei foi julho, período de férias escolares. “É cedo para avaliar. A diminuição foi insignificante”, diz.
Dados da Polícia Rodoviária Federal (PRF) ap
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