Danilo Pieri Pereira e Marcos Vinícius Baumann*
O feriado do dia 1° de Maio deste ano será comemorado pelos brasileiros em meio às celebrações de aniversário de 70 anos da Consolidação das Leis do Trabalho. Em data tão marcante, perguntamos se a sociedade brasileira tem muito a festejar – ao menos do ponto de vista do desenvolvimento econômico e social – em razão das poucas reformas que essas normas septuagenárias sofreram ao longo dos anos. De fato, a CLT representou a estruturação de um modelo de Direito do Trabalho em um único diploma normativo, elaborada em contexto político de ditadura que vigorava em um Brasil erguido sobre raízes econômicas agrárias, mas que buscava a criação de um parque industrial minimamente significativo, quando ainda inexistente uma massa expressiva de operários.
Passados 70 anos, o mundo já abandonou os modelos de produção vigentes àquela época, de modo a incorporar inovações tecnológicas e logísticas, e a se tornar de tal modo uniforme e globalizado, visando superar os limites das fronteiras transnacionais para produção e comercialização de produtos.
Contrapondo essa evolução, as atualizações legislativas necessárias para que o Brasil pudesse acompanhar a evolução social mundial se mostraram por demais insuficientes, por mais que – muitas vezes tentando mascarar a necessidade de reformas social e economicamente eficazes – intervenções legislativas pontuais tenham surgido sob o pálio de um escudo capaz de proteger o sempre “hipossuficiente trabalhador” da ameaça de um massacre social potencial a ser desencadeado pelo ameaçador poderio econômico dos chamados “detentores do capital”.
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Com isso, enraizou-se ainda mais a ideia de que o trabalhador brasileiro, mais do que um hipossuficiente, seria praticamente um incapaz, um ser alienado da faculdade de decidir o que entende mais apropriado para si próprio e para a sua família, de modo que ao Estado então caberia o papel de suprir essa hipossuficiência-deficiência mediante a imposição de obrigações a serem observadas na relação de trabalho entre particulares. Todas elas carregadas – claro – de uma boa dose de tributos, para financiar a máquina estatal no contínuo exercício de pátrio poder.
Enquanto isso, a ausência de atualizações legislativas e a insistência na manutenção desse modelo patriarcal de gestão das relações econômicas e sociais não apenas retirou do Brasil a oportunidade de acompanhar a evolução nos modos de produção e da atual ordem mundial, mas também relegou ao país uma posição de mero fornecedor de produtos de produtos de manufatura simplificada e adquirente de tecnologia estrangeira.
Não podemos deixar de lado, também, a ideia de que a ausência de proposições legislativas implicou em desvirtuamento do conceito de tripartição do poder. Isso porque o Poder Judiciário passou a criar jurisprudencialmente verdadeiras regras de Direito a fim de suprir lacunas, enquanto o Poder Legislativo não cumpre seu papel constitucional para o qual o cidadão o elegeu como representante de seus interesses.
Faz-se necessário, assim, que a sociedade brasileira enfrente sem demagogia uma séria reforma das normas trabalhistas, que garanta sim aos trabalhadores uma gama de direitos básicos, mas que ao mesmo tempo possibilite aos contratantes a disposição de suas vontades no momento de formação da relação jurídica como seres capazes para atos da vida civil, bem como dê suporte a toda sociedade para inovar seu parque científico, tecnológico e industrial como um todo.
Não se argumenta que essa disposição de vontades se aplique ao particular individualmente considerado, quando de fato colocado em posição de desvantagem perante o domínio econômico, pois seria insensato cogitar tal ideia em um país em que aproximadamente 10% da população adulta é composta por analfabetos e 20% por analfabetos funcionais (fonte: Pnad 2011). Essa parcela da população, principalmente, necessita de maior amparo para garantia de seus direitos, mas isso por meio de entidades de classe eficientes e não por patriarcalismo estatal.
O que se sugere, então, é que se dê maior força à eficácia dos acordos ou convenções coletivas firmados entre representantes das classes profissional e econômica, uma vez que elaborados dentro da efetiva realidade vivenciada por cada segmento do mercado. Nesse sentido, uma eventual regra que a princípio se mostraria desfavorável aos empregados de uma determinada coletividade não poderia ser descartada pelo Estado, uma vez que todo o regramento estaria inserido dentro de um bem maior, qual seja, a segurança do emprego ao hipossuficiente.
O caminho para essas necessárias reformas e mudanças de paradigmas deve ser iniciado pela revisão das normas trabalhistas, tanto do lado do Direito material quanto do Direito Processual do Trabalho, como uma necessidade de se criar novas formas de contratação, organização e fiscalização da jornada de trabalho e remuneração.
Um exemplo claro dessa necessidade imperiosa de reforma diz respeito ao trabalho à distância, de forma racional e ponderada: como negar a melhora na qualidade de vida de um trabalhador que não precisa gastar três ou quatro horas por dia no trajeto residência-trabalho-residência, algo cada vez mais comum nos grandes centros urbanos?
Após 70 anos de CLT, passa da hora de o Brasil fortalecer as suas instituições e discutir a reforma das normas trabalhistas como meio concreto de melhorar a qualidade de vida de sua população, adequando regras ultrapassadas a uma sociedade em constante evolução e transformação. Só assim se poderá comemorar o feriado de 1° de Maio em sua plenitude.
* Danilo Pieri Pereira e Marcos Vinícius Baumann são especialistas em Direito e Processo do Trabalho e advogados do escritório Baraldi Mélega Advogados.
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