Eleito presidente do Senado pela quarta vez, José Sarney (PMDB-AP) é um sobrevivente político. Bombardeado por uma série de denúncias, resistiu à chamada crise dos atos secretos, que quase lhe custou à renúncia à presidência em 2009, e garantiu mais dois anos à frente do Senado e do Congresso. Desta vez, conseguiu o apoio inclusive de partidos que pediam sua saída do cargo há pouco mais de um ano, como o PSDB e o DEM. O peemedebista se mantém no cargo apesar de não ter cumprido um de seus principais compromissos, a reforma administrativa do Senado. Em sua trajetória política, tornou-se conhecido pela facilidade com que se aproxima dos mais diversos governos, sejam eles da direita ou da esquerda.
Sarney é eleito presidente do Senado pela quarta vez
Nascido em Pinheiro, no Maranhão, há 80 anos, Sarney fez os estudos secundários no Colégio Marista e Liceu. Cursou em seguida a Faculdade de Direito da atual Universidade Federal do Maranhão, pela qual se bacharelou em 1953. Seu nome de batismo é José Ribamar Ferreira de Araújo Costa. Sarney, na verdade, era o primeiro nome de seu pai, Sarney de Araújo Costa. Por ser conhecido desde a infância como “Zé de Sarney” (ou seja, José, filho de Sarney), incorporou, como se fosse sobrenome, o Sarney, ao iniciar sua vida política.
Sarney ingressou na vida pública em 1950, como suplente de deputado pela União Democrática Nacional (UDN). É o parlamentar mais antigo ainda em atividade no Congresso Nacional.
Exerceu o cargo de deputado por três vezes, entre 1950 e 1967. Tornou-se governador do Maranhão em 1966 e governou o estado até 1971. A cerimônia de posse foi documentada pelo cineasta Glauber Rocha no curta-metragem Maranhão 66, que marca sua ascensão no cenário político. Assumiu uma vaga no Senado, também pelo mesmo estado, em 1971. Acabou reeleito e permaneceu no cargo até 1985.
Quando da derrota da emenda Dante de Oliveira, que tentava restabelecer, em 1985, a eleição direta para presidente, Sarney era o presidente do PDS, o partido que apoiava o regime militar. No comando do partido, Sarney viveu um período tumultuado, quando o PDS rachou na sucessão do general João Batista Figueiredo. A confusão era de tal ordem que, na convenção que escolheu Paulo Maluf como o candidato à Presidência (contra Mário Andreazza), Sarney teve que ir armado. O racha no PDS levou à criação da Frente Liberal, embrião do PFL, que se uniu ao PMDB para lançar a candidatura de Tancredo Neves. De presidente do PDS, Sarney acabou se tornando o candidato a vice na chapa de Tancredo.
Morte de Tancredo
Uma tragédia acabou fazendo com que Sarney ganhasse uma projeção nacional que nem ele mesmo esperava. Antes da posse, Tancredo adoeceu, e Sarney acabou sendo empossado presidente em seu lugar. No dia 21 de abril de 1985, Tancredo morreu, e Sarney herdou a primeira presidência da República após o fim da ditadura militar.
Sua posse foi tensa, pois havia dúvidas constitucionais sobre se era Sarney ou o presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães, quem deveria assumir a presidência da República. Foi decisivo para a posse o apoio do general Leônidas Pires Gonçalves, indicado por Tancredo Neves para Ministro do Exército, e que apoiou a posse de Sarney.
Foi um governo de altos e baixos. Sarney promoveu de fato de redemocratização do país. Tornou a imprensa livre, aboliu a censura (apesar da polêmica proibição ao filme “Je Vous Salue, Marie”, do cineasta francês Jean Luc Goddard). Ganhou as graças da população ao conduzir o Plano Cruzado, uma tentativa de acabar com a inflação. Baseado numa recuperação do poder de compra da população e em congelamento de preços, o plano fez com que diversas pessoas saíssem às ruas fiscalizando as lojas. Eram os “fiscais do Sarney”. O plano, porém, fugiu ao controle do governo.
Apenas seis dias depois de o PMDB, partido de Sarney, ter eleito todos os governadores do país, com exceção do governador de Sergipe, João Alves, o governo editou o Plano Cruzado II. Depois de meses de congelamento, a população teve de arcar com aumentos como: 60% no preço da gasolina, 120% na tarifa de telefone e de energia, 100% no preço das bebidas. Revoltada, a população foi às ruas, e foi duramente reprimida por tropas do Exército, no episódio que ficou conhecido como “badernaço”.
Enfraquecimento
Sarney começou aí a perder apoio. Na discussão da Assembleia Constituinte, enfrentou a ameaça de perder dois anos de mandato. Eleito para seis anos, ficaria com apenas quatro. Com o apoio de um grupo de parlamentares conservadores, batizado de “Centrão”, conseguiu um meio termo: não governaria seis anos, mas cinco (o mandato de quatro anos seria para seu sucessor). Para conseguir esse acordo, no entanto, Sarney distribuiu aos aliados várias concessões de rádio. Sarney ainda teve de enfrentar uma CPI que investigou corrupção em seu governo. Ao final, lidando com uma inflação de 2.751% ao ano, Sarney não era apoiado por nenhum dos candidatos à sua sucessão nas eleições de 1989.
Em 1991, para se eleger senador, Sarney troca o Maranhão pelo Amapá. No Senado, porém, recupera o seu prestígio político, presidindo a Casa por duas vezes. No governo Fernando Henrique Cardoso, mantém grande parcela de poder, conseguindo, inclusive, fazer de seu filho, José Sarney Filho, ministro do Meio Ambiente. Depois, porém, que a candidatura de Roseana Sarney à Presidência é derrubada por uma ação da Polícia Federal, que invade a empresa Lunus, de propriedade do marido de Roseana, Jorge Murad, e encontra ali dinheiro de caixa dois para financiar a campanha, Sarney rompe com Fernando Henrique e se torna um dos principais apoiadores da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva. Com Lula eleito, Sarney aumenta ainda mais a sua força política, tornando-se um dos homens mais influentes do novo governo.
O terceiro mandato
É nessa situação que Sarney resolve arriscar um terceiro mandato como presidente do Senado, numa ação que acaba por quebrar o entendimento entre o PT e o PMDB no Congresso. Em fevereiro de 2009, ele derrota o petista Tião Viana (AC), por 49 votos a 32, na disputa pela presidência da Casa.
A eleição envolveu interesses partidários que foram além do desejo de comandar o Congresso Nacional, já que o presidente eleito permanece no cargo em pleno ano eleitoral, tendo a prerrogativa de selecionar o que entra na pauta de votações. A vitória de Sarney interferiu nas relações entre o Palácio do Planalto e a base aliada no Senado. O rompimento de um acordo entre PMDB e PT, que previa a troca de apoio nas eleições da Câmara e o Senado, foi o motivo do abalo nas relações. A aliança vinha sendo mantida desde janeiro de 2007, quando o PMDB reforçou a campanha à candidatura do petista Arlindo Chinaglia (PT-SP), à presidência da Câmara. Em troca, obteve o apoio na eleição de Garibaldi Alves (PMDB-RN), à presidência do Senado. Porém, a aliança não se repetiu no último pleito, em 2009. Com bancada maior, os peemedebistas resolveram não ceder a vaga no Senado ao PT. Dessa forma, garantiram o comando das duas casas, tendo o deputado Michel Temer (PMDB-DP) na presidência da Câmara e Sarney no Senado.
Atos secretos
Sarney acabou pagando um preço alto pela quebra do acordo. Quatro meses após a disputa pela presidência do Senado, enfrentou sucessivas denúncias referentes a 663 atos secretos, baixados em sua gestão e nos últimos 14 anos. Os atos não tiveram nenhuma tipo de publicação oficial e deram regalias a parentes e apadrinhados politicos de senadores. Também aumentaram salários e garantiram a criação de novos cargos na Casa. Entre os beneficiados, estava o neto do presidente, João Fernando Sarney, que recebeu salário de secretário parlamentar por 18 meses. Além dele, a sobrinha de José Sarney, Vera Portela Macieira, que estava lotada na presidência do Senado, embora morasse em Campo Grande (MS).
Os dois parantes de Sarney, além de outros funcionários, tiveram as nomeações e exonerações baixadas por ato secreto. As decisões, no entanto, não foram publicadas no boletim administrativo do Senado, desrespeitando, assim, o princípio constitucional da publicidade. Com isso, acabaram anulados um mês após as denúncias, acatando as recomendação do Ministério Público Federal e da comissão de sindicância interna criada para apurar o caso. Porém, as anulações não tiveram efeito imediato no quadro do Senado e não representaram demissões.
Considerado o pivô das denúncias, o ex-diretor geral do Senado, Agaciel Maia, acabou afastado do cargo, em março de 2009, após ser acusado de ter ocultado de sua declaração de bens uma mansão de R$ 5 milhões em Brasília. Além disso, foi acusado de ser o principal responsável em assinar os atos secretos. Indicado ao cargo por Sarney, em 1996, Maia nega que as nomeações secretas tenham partido dele, e alega que apenas acatava as solicitações feitas pelos senadores.
Mesmo com todas as denúncias, o senador Sarney foi absolvido de todas as acusações. O presidente do Conselho de Ética, Paulo Duque (PMDB – RJ), alegou que as cinco representações e sete denúncias encaminhadas foram baseadas em “recortes de jornais”, e que portanto não haveria qualquer indício de quebra de decoro.
Levantamento feito pelo Congresso em Foco, em julho de 2009, mostrou que Sarney foi o senador mais faltoso durante o primeiro semestre do ano. De acordo com a matéria publicada com exclusividade, Sarney deixou de comparecer a 17 das 60 sessões deliberativas, ordinárias ou extraordinárias, usando boa parte do tempo para se defender das sucessivas denúncias. O segundo parlamentar mais faltoso foi Wellington Salgado (PMDB-MG), que, por coincidência, esteve entre os principais defensores de Sarney. Considerando-se todo o ano de 2009, Sarney foi o senador que teve mais faltas não justificadas.
Mais denúncia
Matéria publicada pela revista Veja, em julho de 2009, levantou mais uma denúncia contra o parlamentar. Pela publicação, Sarney manteve ligações diretas com o banqueiro Edemar Cid Ferreira, amigo de mais de três décadas, de quem teria recebido 10 mil dolares em uma conta em Veneza intitulada “JS”, conforme verificado nos arquivos pessoais do banqueiro. A transação teve como pano de fundo a liquidação extrajuducial do Banco Santos.
As verificações nos arquivos pessoais do computador do banqueiro Edemar Cid Ferreira reforçam as denúncias de transferências para a conta “JS”. Elas indicam a movimentação da conta, que em 30 de outubro de 1999, registrava saldo de 870 564 dólares. Além da entrega de dinheiro, os arquivos avaliados expõem outras duas retiradas.
A primeira, em 18 de dezembro de 2000, é de 4,7 mil dólares. A segunda, em 21 de março de 2001, descreve um saque de 2,2 mil dólares, que foram convertidos em reais no momento do saque, de acordo com a revista.
Com a longa trajetória, Sarney tornou-se um personagem influente no cenário político. Nos últimos anos teve papel determinate no governo Lula, tendo indicado nomes como o de Edison Lobão (Ministério de Minas e Energia), José Antônio Muniz (presidência da Eletrobras), Astrogildo Quental (diretoria do departamento financeiro da Eletrobras), Alan Kardec Duailibe (diretor da Agência Nacional de Petróleo) e Sérgio Pinheiro Rodrigues (Vice-presidente de logística da Caixa Econômica Federal).
Poder de família
Sarney é pai da governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB-MA), do deputado Sarney Filho (PV-MA) e de Fernando José Macieira Sarney, indiciado em julho de 2009 pela Polícia Federal pelos crimes de formação de quadrilha, instituição financeira irregular, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica. A operação da Polícia Federal, chamada de Boi Barrica, foi publicado na íntegra no site Congresso em Foco.
A família Sarney é dona do principal grupo de comunicação no estado do Maranhão, que inclui a TV Mirante, canal 10. As transmissões foram iniciadas em 15 de março de 1987, ainda como afiliada do SBT. A empresa funciona na região metropolitana de São Luís e passou a ser administrada pela família Sarney. O grupo também agrega a Mirante AM e Mirante FM.
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