O Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) lançou intensa campanha contra a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 33/2012 que trata da redução da maioridade penal. Estou em San Salvador, participando de missão oficial do Eurolat – Parlamento Euro Latino-americano, do qual sou membro pelo Parlasul – Parlamento do Mercosul e, neste fórum, a proteção da juventude e da infância é um dos temas em pauta, juntamente com questões igualmente importantes como a defesa da Amazônia, da igualdade de gênero e a luta contra a homofobia e a violência contra as mulheres, entre outros.
Acompanho atentamente a pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) – que tem prevista, para esta quarta-feira (20 de setembro), a votação desta PEC. Aliás, o tema da redução da maioridade penal é recorrente no Congresso Nacional e, em todas as ocasiões anteriores de projetos sobre este tema, sempre me manifestei contrariamente.
Estas propostas de redução da maioridade penal violam diversos tratados internacionais relacionados aos direitos humanos, como a Convenção sobre os Direitos da Criança e do Adolescente nas Nações Unidas, a Declaração Internacional dos Direitos da Crianças e Adolescentes e a própria Declaração dos Direitos Humanos.
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Não podemos aceitar que infrações cometidas por adolescentes sejam tratadas apenas como questão de segurança pública, em detrimento de todo o processo de violação de direitos humanos básicos que tal medida, se aprovada, encerrará.
Importante ressaltar que, atualmente, crianças e adolescentes já são responsabilizadas por infrações graves que venham a cometer, e essas infrações, diga-se, representam uma ínfima porcentagem no universo total dos crimes cometidos.
No atual sistema socioeducativo, os adolescentes infratores já são privados de sua liberdade, em locais – lamentavelmente, e contrariando o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – muito parecidos aos que são destinados aos adultos. Alguns estados brasileiros mantêm unidades especiais para adolescentes e/ou jovens com 18 anos ou mais que cometem delitos graves.
PublicidadeNão se sustenta a ideia de que a redução da maioridade penal e maior rigor na execução de medidas socioeducativas contribuirá para diminuir a incidência de atos infracionais praticados por adolescentes. Nesse sentido, a cadeia destinada aos presos adultos já demonstrou – com rigor exacerbado – que o endurecimento das penas é insuficiente para frear os elevados índices de criminalidade que assolam o País. Além disso, nosso sistema carcerário está hiper lotado e decadente.
Desde a promulgação da Lei de Crimes Hediondos, em 25 de julho de 1990 – com suas recentes atualizações legais –, a população carcerária no Brasil sofreu significativo aumento, verificando-se também elevação nos indicadores de criminalidade, ao contrário da imaginada redução de tais índices. Colaborou, inclusive, para agravar o problema da superpopulação carcerária, contribuindo para o surgimento de facções criminosas e revelando que o processo de elaboração da referida lei, aprovada num momento de comoção social, não passou por um debate profundo e consistente sobre como combater a violência crescente no país. Estatisticamente, comprovou-se que o aumento da pena ou o endurecimento da execução penal não gera diminuição da criminalidade.
As últimas pesquisas do censo penitenciário revelam, ainda, que o índice de reincidentes adultos que cumprem pena nas penitenciarias é de 70%. E que, nas unidades de execução de medidas socioeducativas de internação, a reiteração da prática do ato infracional é inferior aos 10% nas unidades mais próximas do perfil previsto no ECA (Lei 8.069, de 1990 e na Lei nº 12.594, de 2012, que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo).
Os referidos índices comprovam que o caminho é investir no sistema socioeducativo, de acordo com o que preconiza o Sinase – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, do qual tive a oportunidade e honra de ser uma das relatoras no Senado Federal quando de sua aprovação. O caminho é, mais ainda, investir em educação. Só com educação de qualidade e oportunidades reais poderemos oferecer condições para tirar os nossos jovens do caminho da criminalidade.
Ao invés de “amontoar” nossos adolescentes nas penitenciárias, violando direitos e garantias individuais, a juventude brasileira precisa de políticas públicas de educação, espaços de lazer e cultura, oportunidades de emprego e renda e de programas de apoio aos egressos do sistema de justiça juvenil.
Nosso posicionamento reflete nossa trajetória política e legislativa em defesa dos direitos humanos, em especial de crianças e adolescentes, atende ao princípio dos cuidados com esse público e vai ao encontro de inúmeras manifestações de entidades como o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Fórum Nacional das Entidades de Defesa de Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA) e até da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência da República, que na semana passada formalizou a todos os que atuam nessa área seu posicionamento contrário à aprovação da PEC 33/2012.
Reduzir a maioridade penal é culpar os adolescentes pela falência do Estado enquanto responsável por políticas públicas. #ReduçãoNãoÉSolução.
<< Os 80 anos da UNE – desde então, ninguém segurou mais a estudantada brasileira