Filhos, escrevo-lhes esta carta com o coração na mão. Vocês não sabem como funciona o coração de uma mãe. É mais ou menos como uma máquina em movimento, intenso e perpétuo; moto-contínuo.
Mesmo quando durmo, o coração não para de pulsar forte, e o cérebro sempre em alerta ao acordar aflita pensando em vocês, no que estão fazendo, se estão unidos, o que não eram na infância.
Em 1955, lá em Diamantino, no Mato Grosso, nasceu você, Gilmar. Menino indomável como os animais que corriam pelos pastos sem limites. Pés descalços, montando cavalos de qualquer raça ou origem, sem medo e sempre se machucando em pequenos acidentes nas suas travessuras. Você não chorava ou pedia desculpas. No seu olhar, o brilho dos audazes.
Já você, Rodrigo, bebê da cidade grande, chegou em 1956; robusto, bochechas vermelhas e um olhar meigo que encantava. Enquanto Gilmar subia em árvores em busca das frutas de galhos mais altos, você jogava milho para as galinhas e preparava armadilhas para pegar animais em busca de ovos. Suas roupas eram bem cuidadas apesar de Gilmar encontrar meios de jogá-lo ao chão. Você não reclamava, engolia o choro e, na calada da noite, manchava as roupas do seu irmão com restos de titica de galinhas. Gilmar ficava furioso e, em seguida, preparava uma vingança que nunca deixava de chegar.
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A diferença entre vocês era gritante, e eu os mantinha juntos e sob o meu olhar atento. Os vizinhos comentavam que Gilmar, no caminho da escola, atormentava seu irmão. Eu, observadora privilegiada da vida de vocês, sabia que da mesma forma que Gilmar era impulsivo, sabia que Rodrigo agia discretamente com resultados que irritavam Gilmar, que reagia com o que tivesse nas mãos.
Na verdade, meus filhos, vocês nunca se deram muito bem. Na vida adulta, cada um foi para o seu lado, mas o destino os levou para o Direito e à Justiça.
Eu tinha o maior orgulho de ver os desempenhos de vocês no exercício das atividades profissionais e, quando os via na televisão, falava com os amigos: ‘São meus meninos, eu os adoro!’
A vida, no entanto, os levou aos desentendimentos que, agora, afloram como se fossem cactos desabrochando em flor. Os espinhos se destacam, mas as flores amenizam as agressões verbais e escritas.
Gilmar, como sempre foi, enfrenta com todas as suas forças e destemperança as artimanhas que você, Rodrigo, prepara enquanto se delicia com uma taça de um chileno de boa procedência.
Aflita, aguardo o momento em que Gilmar irá jogar o irmão no chão e, se puder, pisar em seu pescoço. Você, Rodrigo, esperará o sol se pôr e, na escuridão da noite, preparará a sua inevitável vingança.
Meus filhos, esta carta é escrita em duas vias de igual teor – como fazem os advogados – esperando que leiam com atenção, pois estou magoada com as referências grosseiras que me fazem por tê-los colocado no mundo.
Apesar dos desencontros, ajam como irmãos que são e que juntos podem fazer o melhor por mim, sendo exemplos de respeito, compaixão, compreensão e espírito público, deixando de lado os rompantes de Gilmar e as artimanhas de Rodrigo; afinal, se nada der certo, ao fim e ao cabo, iremos para o mesmo buraco.
Beijos da mamãe.
Brasilina”
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