Lucas Ferraz
Um dos três relatores no Conselho de Ética do processo contra o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o senador Almeida Lima (PMDB-SE) se notabilizou nos últimos dois meses por defender com veemência o colega de partido. Apesar das sucessivas denúncias e da crescente pressão dos demais senadores para que o alagoano se afaste da presidência da Casa, Almeida Lima acredita que Renan é a grande vítima da crise que sangra o Senado desde junho.
Para o sergipano, o presidente do Senado é alvo de desrespeito e prejulgamento da imprensa e da oposição. Embora admita que não possa garantir que Renan não tenha recebido dinheiro da construtora Mendes Júnior, para a qual trabalha o lobista Cláudio Gontijo, e que não põe a “mão no fogo” por nenhum dos senadores, Almeida Lima diz estar convicto da inocência do colega peemedebista.
“Por incrível que possa parecer à imprensa, até o presente momento não há uma única prova de falta de decoro do presidente Renan Calheiros”, diz o senador. Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Almeida Lima ataca a imprensa, sobretudo a revista Veja, autora das principais denúncias contra o presidente do Senado, e aconselha o colega a travar uma guerra na Justiça contra os veículos de comunicação que o acusam.
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“O presidente do Senado está sendo atingido por sua honra de forma desrespeitosa, ele não está desrespeitando”, afirma. “Querem pôr a corda no pescoço do presidente Renan Calheiros a todo custo, sem provas”, acrescenta.
Indicado há pouco mais de um mês para relatar, ao lado dos senadores Renato Casagrande (PSB-ES) e Marisa Serrano (PSDB-MS), a denúncia de que Renan teve contas pessoais pagas por um lobista da Mendes Júnior, Almeida Lima admite a possibilidade de apresentar um relatório à parte caso não concorde com o parecer dos colegas. O relator diz que não há qualquer possibilidade de o Conselho de Ética costurar um grande acordo apenas para salvar o presidente da Casa. “Essa questão, no Conselho de Ética, não pode passar por acordo. Acordo é sem-vergonhice”, considera.
Professor de Direito, Almeida Lima está em seu quinto ano de mandato no Senado. Eleito em 2002 pelo PDT, ele passou, em 2005, pelo PSDB antes de se filiar ao PMDB. No auge do escândalo do mensalão, o senador ganhou fama de controvertido ao convocar a imprensa prometendo apresentar, na tribuna do Senado, denúncias bombásticas contra o então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Diante de um plenário repleto de jornalistas, limitou-se à leitura de recortes de jornais e de denúncias já conhecidas.
Veja a seguir os principais trechos da entrevista:
Congresso em Foco – O que leva o senhor a defender Renan Calheiros de maneira tão enfática?
Almeida Lima – Há um equívoco na afirmativa de que eu faço a defesa do senador Renan Calheiros. A defesa do Renan é feita por seus advogados. Faço a defesa, como membro do Senado Federal e do Conselho de Ética, ao respeito do devido processo legal. Não posso admitir que um senador seja processado como se estivesse vivendo num Estado tirânico, e não num Estado de Direito, onde as normas legais existem e precisam ser respeitadas.
O senhor acha respeitoso à imagem do Congresso o presidente do Senado, acusado de várias irregularidades, continuar no cargo?
Acho desrespeitosa é a imprensa, como a revista Veja, que publica uma matéria nacional intitulada como denúncia e nela não consta uma prova. Desrespeito é uma atitude como essa, que não leva em consideração os aspectos políticos e constitucionais do país, e joga uma matéria dessa na rua de forma irresponsável, criando um clima de instabilidade por conta de fatos que a própria revista não provou.
Mas o senhor não respondeu: é respeitoso ao Congresso e ao Senado um presidente acusado de tantas irregularidades continuar no cargo?
Acho que o presidente do Senado deveria, já a partir de agora, instaurar processos criminais e cíveis quantos forem os atos praticados por uma imprensa que não se respeita. Ou seja, não há atitude desrespeitosa por parte do Congresso Nacional. O presidente do Senado está sendo atingido por sua honra de forma desrespeitosa, ele não está desrespeitando. Ao contrário.
Mas o senhor não acredita que o fato de ele continuar presidindo o Congresso com tantas denúncias não fere a instituição?
Falar em irregularidades neste momento é prejulgamento. Nós não podemos prejulgar, estamos apurando. Por incrível que possa parecer à imprensa, até o presente momento não há uma única prova de falta de decoro do presidente Renan Calheiros.
Usar um lobista, por mais que eles sejam amigos, para pagar contas pessoais não é quebrar o decoro parlamentar?
Classificar o Cláudio Gontijo de lobista é uma excrescência. O fato de ele ser funcionário de uma construtora não dá a ninguém esse direito. Não posso me referir a um jornalista como lobista da empresa onde ele trabalha. Lobista tem um sentido pejorativo. O uso da intermediação de um amigo, e o que está provado até o presente momento é apenas isso, e não o uso do dinheiro do amigo ou da empresa na qual o amigo trabalha, não importa em falta de decoro. O que há na verdade é uma precipitação. Querem pôr a corda no pescoço do presidente Renan Calheiros a todo custo, sem provas.
Muitos parlamentares prevêem que é uma questão de tempo a queda de Renan Calheiros. O presidente Lula, em declaração recente, no México, se referiu ao presidente do Senado ao dizer que uma pessoa não pode atrapalhar a votação de projetos no Congresso. Até quando vai se empurrar esse caso, com todo o desgaste do Congresso?
Nunca ouvi o presidente Renan falar em se licenciar, se afastar. Se nós não temos ainda a conclusão da investigação, dizer que é uma questão de tempo a queda, a cassação de Renan, é precipitação. É prejulgamento. E todo prejulgamento é uma imoralidade. Eu não me presto a cometer a uma imoralidade dessa antes de conhecer provas. Antes de se fazer a apuração, você já está condenando.
Assim como Renan Calheiros, o senhor acha a imprensa opressora?
Não, aí seria generalizar. Mas o ato de uma revista que faz publicar uma sociedade secreta, como ela mesma diz, contando toda uma história sem apresentar um único documento da lavra ou subscrito pelo senador, sem apresentar nenhuma declaração atribuindo a quem quer que seja o envolvimento do senador Renan Calheiros, é uma hipocrisia. Então, eu não generalizo na questão da condenação que eu faço da imprensa, mas, neste caso da Veja, ela comete um absurdo, leva a revista para a lata do lixo.
E qual a avaliação da imprensa de forma geral?
No caso Renan Calheiros teve precipitação na medida que faz publicações sem sequer tomar conhecimento dos fatos. Por exemplo, no dia 10 de julho, Renan Calheiros fez um ofício à Procuradoria Geral da República pedindo ao procurador, se entregando de corpo e alma, para que ele, Renan, fosse investigado. O procurador recebeu a petição, Renan Calheiros comunicou isso ao Brasil, e a imprensa não publicou uma única linha de que ele tenha feito esse pedido à Procuradoria. Trinta dias depois, por conta desse pedido, o procurador vai ao Supremo Tribunal Federal, que decide autorizar a investigação do Ministério Público, a pedido de Renan. No dia seguinte, a versão que a imprensa passa é de que Renan mais uma vez foi derrotado e de que mais uma vez ele está engaiolado, porque agora é uma decisão do Supremo, quando foi o próprio senador que fez o pedido. O que eu posso falar de uma imprensa assim? É que ela se acha no direito de dizer. O direito de dizer, eu reconheço, mas de dizer de forma correta, ética, respeitável, mas não de forma abominável como faz. Então, vai ter que ouvir o que não deseja ouvir.
E qual a avaliação da conduta de Renan Calheiros?
Não tenho ainda um juízo de valor. Eu o tenho como companheiro, colega de partido e de Senado. Neste episódio, não faço juízo de valor. Não posso afirmar que Renan Calheiros não tenha recebido dinheiro da Mendes Júnior. Mas ninguém tem o direito de afirmar que ele recebeu, porque não tem provas. Não boto minha mão no fogo por senador nenhum. Mas eu não tenho o direito de afirmar que você é inocente.
Mas o senhor o defende como se ele fosse inocente…
Eu não tenho o direito de garantir que você é inocente. Mas eu não tenho o direito de afirmar que você é culpado se eu não apresentei nenhum prova. Na Constituição, todos são inocentes até provem o contrário. O que eu não posso é garantir inocência de quem quer que seja, não posso garantir. Não posso, neste presente momento, fazer nenhum juízo de valor do comportamento dele, estou apreciando. Não sou o advogado dele. Estou propugnando pelo respeito ao devido processo legal, que é um princípio constitucional.
Não fica uma imagem que o senhor esteja atuando como uma espécie de advogado do diabo?
Olha, a sociedade pensa o que ela entende de pensar. Agora, existe também o que eles chamam de opinião pública e opinião publicada. O que não posso é pautar meu comportamento pela imprensa. A imprensa jamais terá esse poder sobre mim. Ou seja, eu respeito a imprensa, gosto da imprensa, é um instrumento necessário às liberdades democráticas. Agora, numa República democrática, todos precisam se subordinar às leis da Constituição.
A sociedade já deu várias demonstrações de que o presidente do Senado, Renan Calheiros, deveria se licenciar do cargo. Há vários movimentos na internet nesse sentido, por exemplo. E não estou falando da opinião publicada a que o senhor se referiu.
Nunca vi isso. Olha, manifestação da sociedade a gente afere através de plebiscito, referendo e eleição. O restante não é manifestação da sociedade, é manifestação de setores da sociedade. Por essas opiniões da internet, de vaias aqui, ali e acolá, o presidente Lula foi condenado. E ele foi reeleito. Então, essas coisas não intimidam, sobretudo ao parlamentar que tem a consciência de seu papel, ao magistrado que tem a consciência de seu papel.
Então o senhor acha correto Renan Calheiros continuar presidindo o Senado, mesmo constrangendo a instituição e pondo em risco o andamento dos trabalhos?
Eu não me sinto constrangido. Na terça-feira (7), no plenário do Senado, nós limpamos a pauta.
Mas porque houve acordo…
O acordo é o que mais existe no Parlamento. Aqueles que desejarem trancar a pauta, obstruir a pauta, tem que responder perante a opinião pública. O fato de Renan estar presidindo é porque ele foi eleito para isso. Os que fazem essa crítica é porque estão querendo o lugar dele.
Então o senhor acha que um acordo pode salvar Renan Calheiros?
Não. Essa questão, no Conselho de Ética, não pode passar por acordo. Acordo é sem-vergonhice. Essa questão tem que ser devidamente investigada e, ao final, as pessoas têm que se posicionar da forma mais livre possível.
O senhor pretende apresentar voto, no final do processo, em separado?
Entendo que nós chegaremos ao mesmo balizamento da questão, porque com a leitura que eu faço, os dois outros senadores fazem do mesmo jeito. Agora, se houver um entendimento diferente, não tem por que um senador se subordinar à opinião do outro. Cada um tem o direito de emitir livremente a sua opinião, sem pressão, de forma legítima, com autoridade e moral.
Ao que tudo indica, o presidente do Conselho de Ética, Leomar Quintanilha (PMDB-TO), vai determinar novos relatores, ou um relator, para a nova representação encaminhada contra Renan Calheiros, sobre o caso Schincariol. O senhor concorda?
O que não pode é essa representação vir para os autos da primeira representação. Pode até tomar a decisão de uma comissão de relatores e os membros serem os mesmos, mas em processos separados.
Durante toda essa crise, o senador Renan Calheiros se notabilizou como um exímio criador de gado. E o senhor também é criador de gado. Conforme declaração na Justiça Eleitoral, o senhor possuía, em 2002, 269 cabeças de gado. É um bom negócio?
Olha, eu não abri minha declaração de Imposto de Renda para ninguém. Não irei fazê-lo, sem razão justificadora. Dos negócios que eu exerço e que eu possuo o Senado Federal tem conhecimento. A declaração de renda minha, deste ano, foi entregue ao Senado. Não tenho por que dar explicações a esse respeito, e não as farei, salvo se houver uma determinação legal.
O senhor não poderia falar se o negócio é lucrativo, se vale a pena ou não entrar para o ramo?
É uma questão que… Primeiro, não diz respeito ao processo Renan Calheiros. Em segundo lugar, não tem por que eu falar de minha vida privada, salvo se houver necessidade para tanto.
Como homem público o senhor não vê necessidade?
Como homem público eu tenho a obrigação de cumprir a lei. E eu a tenho cumprido.
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