Um dos principais nomes da bancada ruralista no Congresso Nacional, jornalista, uma das primeiras mulheres a comentar economia na TV brasileira, defensora da livre iniciativa, autora de cinco leis, aliada do PSDB e antipetista convicta. Aos 73 anos, a gaúcha de Lagoa Vermelha Ana Amélia Lemos será a vice na chapa encabeçada por Geraldo Alckmin (PSDB) na corrida à Presidência da República. Sua primeira incursão nacional confirma uma ascensão meteórica na política, na qual entrou há apenas oito anos.
Em 2010, Ana Amélia trocou uma carreira de quase quatro décadas no jornalismo, ocupando cargos de chefia no grupo RBS, por uma inédita aventura eleitoral. Desbancou o favoritismo do ex-governador Germano Rigotto (MDB) e conquistou uma das duas vagas em disputa no Senado (a outra ficou com o petista Paulo Paim). Em sua estreia nas urnas, a jornalista recebeu 3,4 milhões de votos.
Ao escolher Ana Amélia, Alckmin aposta na atração do numeroso eleitorado conservador da região Sul que, até agora, tem pendido para Jair Bolsonaro (PSL) e Alvaro Dias (Podemos). Tenta reforçar, ainda, o apoio do agronegócio e o caráter antipetista de sua campanha. Em 2014 Ana Amélia apoiou a candidatura de Aécio Neves (PSDB-MG) para presidente. Mas a experiência não foi positiva, reconhece ela.
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Quatro anos depois, ela diz ter se sentido traída pelo tucano ao tomar conhecimento das denúncias da Lava Jato contra ele. Em outubro de 2017 a senadora votou pela continuidade do afastamento de Aécio do mandato, conforme recomendara a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal no processo em que ele é acusado de corrupção e obstrução de Justiça na Operação Lava Jato. “Eu estava aliada ao Aécio em 2014, quando ele ganhou no Rio Grande do Sul. Mas eu e 48 milhões de eleitores dele ficamos de boca aberta. É inacreditável o que esse moço fez”, disse à Revista Congresso em Foco no final do ano passado.
Na entrevista – antes, portanto, da prisão do ex-presidente Lula –, Ana Amélia defendeu que o ex-presidente participasse da eleição. Não por apoiá-lo, pelo contrário. “Eu gostaria muito que o Lula fosse candidato em 2018. É preciso que ele seja submetido a um julgamento político. É muito melhor para a sociedade brasileira. Não tenho medo do Lula”, disse.
Viúva e sem filhos, Ana Amélia foi casada com o advogado Octávio Omar Cardoso, falecido em 2011, que foi senador pelo PSD do Rio Grande do Sul entre 1983 e 1987. O PSD foi um dos herdeiros da Arena, partido de sustentação da ditadura militar. Na disputa ao governo do Rio Grande do Sul, em 2014, foi acusada por adversários de ter sido funcionária fantasma do marido (leia mais abaixo).
PublicidadeLeis propostas
A pauta da senadora não se restringe ao agronegócio, setor que a ajudou a se eleger. Ela também legisla nas áreas do municipalismo, da saúde e da educação. Filha de um carpinteiro e uma merendeira, a senadora só levou os estudos adiante, até se formar em Jornalismo, graças à ajuda do então governador gaúcho Leonel Brizola, um dos ícones da esquerda brasileira. Ela própria escreveu uma carta a Brizola e conseguiu, assim, uma bolsa de estudos.
Como senadora, Ana Amélia aparece entre os que mais emplacaram leis nos últimos anos. Autora de mais de 110 propostas, viu cinco delas serem sancionadas pelo Palácio do Planalto. Entre elas, a Lei 12.880/2013, que incluiu na cobertura obrigatória dos planos de saúde o tratamento, em casa, contra o câncer, com remédios de uso oral. E também a Lei 13.362/2016, que garante, no Sistema Único de Saúde (SUS), o acesso das mulheres com deficiência a equipamentos adequados no diagnóstico e tratamento dos cânceres de mama e de colo de útero. Em sete anos e meio de mandato, relatou mais de 400 proposições.
Depois de fazer forte oposição à presidente Dilma Rousseff e votar pelo impeachment, a candidata a vice de Alckmin assumiu discurso de independência em relação a Michel Temer. Mas votou favoravelmente às duas principais e polêmicas propostas do atual governo: a reforma trabalhista e o teto dos gastos públicos.
Bate-bocaAna Amélia admite que mantém relação exclusivamente de trabalho com a grande maioria dos senadores. Seus principais desafetos são Gleisi Hoffmann (PR) e Lindbergh Farias (RJ), presidente e líder do PT respectivamente.
Em abril, Ana Amélia bateu boca com os petistas após ao repreender Gleisi pela divulgação de um vídeo por meio da TV árabe Al Jazeera. Em discurso no plenário, a gaúcha sugeriu que a paranaense tinha a intenção de convocar o “exército islâmico” para defender o ex-presidente Lula.
“Eu só espero que essa exortação feita pela senadora do PT não tenha sido para convocar o exército islâmico para vir ao Brasil fazer as operações de proteção ao partido que perdeu o poder, e agora parece ter perdido também a compostura e o respeito e o apoio popular”, disse Ana Amélia. Gleisi rebateu e classificou as críticas da opositora como “ignorância, xenofobia e má-fé”.
Ana Amélia esteve entre os melhores parlamentares no Prêmio Congresso em Foco nas cinco edições de que participou. No ano passado, ganhou na categoria de “Melhor senador” na votação de um júri especializado.
DesalentoDentro do Senado, a gaúcha é considerada uma “caxias” e uma mulher de temperamento forte, dura por vezes com os colegas. Ana Amélia está entre os parlamentares mais assíduos no Senado. Este ano faltou a apenas uma das 36 sessões destinadas a votação na Casa. No ano passado foi a 58 das 65 reuniões possíveis. Sua presença também é constante nas comissões de que participa.
Ainda em entrevista à Revista Congresso em Foco, Ana Amélia relatou que sente vontade, às vezes, de deixar a política. “Tem horas que dá um desânimo muito grande, vontade de sair desse ambiente. Trabalho de 12 a 15 horas por dia, de segunda a sexta, no Congresso, no Rio Grande do Sul ou em outro lugar. Vejo que o meu trabalho é só uma gota d’água. Dá uma sensação de impotência, mas claro que há pessoas maravilhosas no Congresso também”, disse.
Para ela, o problema não está só na política, mas na sociedade brasileira como um todo, que “terceirizou a ética”. “Um grande empresário gaúcho me perguntou como eu me sentia no Congresso, no meio de políticos acusados de corrupção, respondi: “Como você se sente ao lado de empresários que sonegam milhões, que não assinam carteira de trabalho, que não respeitam os direitos dos trabalhadores?”. É um problema, terceirizaram a ética no Brasil.
Acusação e defesa
Candidata ao governo do Rio Grande do Sul em 2014, em coligação com o PSDB, o PRB, o PP e o Solidariedade, Ana Amélia liderou as pesquisas de intenção de voto até os últimos dias. Mas acabou fora do segundo turno, perdendo para Tarso Genro (PT) e José Ivo Sartori (MDB), eleito governador. A candidata recebeu 1,3 milhão de votos.
Analistas políticos gaúchos atribuem sua queda ainda no primeiro turno à demora em se defender de duas acusações feitas pelo PT na reta final da campanha: a de conciliar um cargo comissionado no gabinete do marido, o então senador Octávio Omar Cardoso, e a função de chefe da sucursal do grupo RBS em Brasília, e de ter omitido em sua declaração de bens a propriedade de uma fazenda em Goiás.
Segundo informação revelada pelo site Sul21 na época, Ana Amélia foi secretária parlamentar de marido entre 1983 e 1987. Recebia o equivalente a mais de R$ 8 mil (em valores atualizados) por um contrato de oito horas diárias. Suplente, Octávio herdou por quatro anos o mandato do senador biônico Tarso Dutra após o falecimento do titular.
Ainda durante a campanha, Ana Amélia se defendeu: “Vasculharam minha vida inteira e a o que a milícia petista encontrou foi trabalho, um cargo comissionado legal que era comum há quase 30 anos”, afirmou. “Querem destruir minha reputação e credibilidade dizendo que omiti da declaração de renda enviada à Justiça Eleitoral parte da propriedade rural em Goiás, declarada desde 1980 em nome do meu marido, que morreu em 2011”, continuou.
“O patrimônio não é só meu, metade pertence às três filhas do meu marido e em 2015 minha parte estará na declaração de bens porque o inventário foi concluído e a partilha executada com a venda da propriedade”, disse. “Onde está a ilegalidade desse ato?”, questionou. Afirmou ainda ser contra a explosão de cargos comissionados.
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Ana Amélia: “Terceirizaram a ética no Brasil”
Veja a íntegra da entrevista concedida por Ana Amélia no final do ano passado:Revista Congresso em Foco – Por que a descrença do brasileiro com a política alcança níveis recordes?
Ana Amélia – Pelo conjunto da obra. O nascimento do PT veio como uma luz no fim do túnel para trazer uma nova forma de fazer política, com fidelidade partidária, honestidade e comprometimento com o interesse público. Lula teve boas iniciativas na Presidência porque herdou uma herança positiva de Fernando Henrique Cardoso. O país já havia recuperado sua estabilidade econômica. O Lula pegou a onda favorável da economia, da estabilidade, da responsabilidade fiscal. Poderia ter feito um grande avanço, mas preferiu ser marqueteiro de seu governo. Com os escândalos que vieram na esteira disso, tudo aquilo ruiu.
Qual a responsabilidade de Lula nesse processo?
O mensalão e o petrolão mostraram o fosso criado pelo PT. Ao admitir, em 2005, o caixa dois e dizer que todo mundo fazia aquilo, Lula fez uma confissão de culpa da qual não soube se livrar. Além do crime de responsabilidade, Dilma caiu também porque tratava os parlamentares como uma categoria de segunda classe. O Congresso votava mais propostas de interesse de corporações do que da sociedade. Justiça seja feita, a colaboração premiada foi criada no governo Dilma. Mas, hoje, o mesmo partido que criou esse instrumento é adepto de acabar com as delações premiadas. É como o marido traído que flagra a esposa com o amante. Não adianta tirar o sofá da sala.
E qual a contribuição do governo Temer para esse descrédito também?
A sorte é que a crise política que envolve o presidente descolou da economia, que se recupera. Parece que o inconsciente coletivo da sociedade tem uma tolerância com as denúncias contra ele e o deixam ficar. Mesmo todo dia martelando-se que ele compra votos. Quem tem poder exerce o poder da maneira que sabe exercer. Ainda assim, não está indo gente para a rua para pedir Fora Temer. Esse é um fato que precisa ser visto. Se a oposição tivesse força para fazê-lo, faria com vontade.
Mas a senhora acredita na mudança desse cenário?
Tem horas que dá um desânimo muito grande, vontade de sair desse ambiente. Trabalho de 12 a 15 horas por dia, de segunda a sexta, no Congresso, no Rio Grande do Sul ou em outro lugar. Vejo que o meu trabalho é só uma gota d’água. Dá uma sensação de impotência, mas claro que há pessoas maravilhosas no Congresso também.
A senhora falou que o problema é o conjunto da obra. Como é que faz uma obra nova em relação ao descrédito dos políticos?
Não tem obra nova. Começará a mudar, se a sociedade quiser, na eleição de 2018. O melhor lugar para mudar é a eleição. Agora, se as coisas continuarem como estão, se as mesmas figuras que tiveram envolvimento com uma série de governos permanecerem com o mandato, não culpem o Congresso Nacional. É a sociedade que tem essa responsabilidade. O título de eleitor é uma grande arma. O que está aqui dentro é o retrato perfeito e acabado do que está lá fora. Todos vêm pelo voto.
A senhora foi aliada de Aécio Neves na campanha presidencial de 2014 e votou pelo afastamento dele do Senado. A senhora se sentiu traída pelo senador?
Eu estava aliada ao Aécio em 2014, quando ele ganhou no Rio Grande do Sul. Mas eu e 48 milhões de eleitores dele ficamos de boca aberta. É inacreditável o que esse moço fez. É um jovem com uma história política extraordinária. Presidente da Câmara duas vezes, neto de Tancredo Neves, com uma estirpe política muito grande. Lamento, é penoso você ter que vir aqui no plenário e fazer o julgamento de outra pessoa. Eu quero julgar a mim mesma, não os outros. Mas não posso fugir à minha responsabilidade.
Mas será que a sociedade tem opções de fato?
É aquela história: não deu certo com esse, não deu certo com outro, você vai lá no extremo do “prendo e arrebento”, do “bandido bom é bandido morto”. Você entra por um discurso mais radical. Mas tenho esperança de que, em 2018, as redes sociais serão um fenômeno eleitoral. Mais do que nunca, a política é uma coisa de consumo hoje. Por pior que esteja, cada um tem o seu palanque. Isso pode mudar a realidade.
O país caminha para o radicalismo?
A visão da sociedade pode até, em determinado momento, se encaminhar para um radicalismo, um extremo. Eu gostaria muito que o Lula fosse candidato em 2018. É preciso que ele seja submetido a um julgamento político. É muito melhor para a sociedade brasileira. Não tenho medo do Lula. Seria para aferir qual é a percepção que a sociedade tem. Se quer aquele velho mantra do Ademar de Barros, o “rouba mas faz”. Esse é o nosso dilema. Quais são os valores individuais do brasileiro? Amizade, o respeito, a cordialidade, a solidariedade, a honestidade. Quais são os valores coletivos? A corrupção, a intolerância, o desrespeito, o desajuste e tudo o mais.
Por causa do grande número de acusações contra parlamentares, a senhora acredita em grande renovação no próximo Congresso?
Penso que haverá uma renovação no Congresso, especialmente na Câmara. Inclusive com caras novas, não vinculadas à política, com gente que possa fazer coisas diferentes. Ainda tem um jogo não jogado. Tem muita peça para vir ao tabuleiro. É o Lula, é o Bolsonaro… Qual é a resistência disso? É o Ciro Gomes? É a Marina? O João Doria ou o Geraldo Alckmin?
A senhora defende a aprovação da reforma da Previdência enviada por Michel Temer ao Congresso?
Para mim, Temer não pode nem deve fazer a reforma da Previdência. A lei do teto dos gastos públicos e a reforma trabalhista representaram avanços. Se conseguir aprovar uma reforma tributária que simplifique o sistema, ele também vai dar um impulso à modernização do Estado brasileiro. Custa muito caro hoje pagar imposto no Brasil.
Na opinião da senhora, qual é a grande agenda do novo Congresso e do futuro presidente, a partir de 2019?
A grande agenda é preparar o Brasil para o futuro. Isso significa, primeiro, resolver o deficit que tem, e o da Previdência é o principal deles. Não é exclusividade do Brasil. O Estado brasileiro custa muito. Há uma injustiça do andar de cima, que é o do setor público, em relação ao andar de baixo. Como explicar que um juiz receba R$ 500 mil por mês? Esgotou-se esse negócio e a realidade veio quando se escancarou o deficit público. Os governos do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro não pagam as contas, não têm dinheiro para bancar o funcionalismo. O Estado brasileiro quebrou.
Mas o governo ainda faz programa de refinanciamento e perdão de dívidas para grandes empresas que devem milhões à União. Isso não é contraditório?
Tudo isso está dentro desse processo. O problema é que todas essas pessoas querem que o Congresso seja ético. Um grande empresário gaúcho me perguntou como eu me sentia no Congresso, no meio de políticos acusados de corrupção, respondi: “Como você se sente ao lado de empresários que sonegam milhões, que não assinam carteira de trabalho, que não respeitam os direitos dos trabalhadores?”. É um problema, terceirizaram a ética no Brasil.
A senhora é uma grande defensora do agronegócio no Congresso. Por que o setor é malvisto por grande parte da sociedade?
Preconceito puro. A área urbana não consegue entender bem essa coisa. Essa campanha que está na Globo, “Agro é pop”, dá até uma visão romântica, bonita, porque as imagens são fantásticas. Mas a complexidade disso é enorme. Pensam que é só o campo, só a terra. Não. São máquinas, sementes, fertilizantes e defensivos agrícolas. A segurança do país é comida, não é petróleo, nem outra coisa. O agronegócio é muito ensimesmado e cai em um discurso, às vezes, um pouco fora da realidade.
A senhora conviveu como jornalista com a então secretária estadual Dilma Rousseff no Rio Grande do Sul. Fez oposição a ela no Senado e depois votou a favor do impeachment. Como era a relação entre vocês?
Quando ela era presidente, me contou o senador Jorge Viana (PT-AC), que Lula falava para Dilma: “Por que não convida a Ana Amélia para vir tomar um café?”. Fui uma vez logo no começo do primeiro mandato, em 2011. Lula sugeriu que ela me convidasse para ir ao cinema e jogar conversa fora. Eu sou viúva, ela era separada. Mas Dilma é uma pessoa difícil, amarga, tem dificuldade de relacionamento.