Apesar das ameaças, mantidas até bem perto do final da noite, o ano de 2012 vai começar com orçamento. Faltando menos de dez minutos para a meia-noite desta quinta-feira (22), último dia para votar a peça, os deputados e senadores aprovaram o orçamento para o ano que vem no valor de R$ 2,2 trilhões, que prevê salário mínimo de R$ 622, inflação de 6%, crescimento do PIB de 4,5%, nenhum centavo de ganho real para aposentados que recebem mais de um salário mínimo e nenhum reajuste para o grosso do funcionalismo público.
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Até as 22h50, a sessão ameaçava cair. O deputado Paulinho da Força (PDT-SP) e o senador Paulo Paim (PT-RS), o governo e a base aliada no Legislativo estavam em impasse. Os aposentados queriam 11,7% de aumento, contrapuseram um acordo por escrito para negociar reajustes reais até março do ano que vem, mas obtiveram um “não” do Palácio do Planalto. Em represália, Paulinho pediu verificação de quórum. Era evidente que não havia o número mínimo necessário de deputados e de senadores para manter a votação. Sem quórum, a sessão estava prestes a cair, e os parlamentares apenas lamentavam o fato nos microfones, enquanto o líder do governo, senador José Pimentel (PT-CE), criticava duramente Paulinho da Força. Ficava claro que Paulinho, como principal articulador da estratégia que derrubou a sessão, e subsidiariamente, Paulo Paim, que lhe apoiava, passariam a partir daquele momento a sofrer o isolamento dos demais líderes, com grandes possibilidades de represálias pesadas no ano que vem.
Sem Dilma
Para não pedir a verificação de quórum, Paulinho propunha uma solução que envolvia diretamente a presidenta Dilma Rousseff. Ele queria que ela se comprometesse pessoalmente com uma solução no ano que vem para os aposentados. Paulinho não aceitava ouvir respostas dos seus intermediários políticos, como a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti. Tinha de ouvir a resposta da própria Dilma. Depois da aprovação da matéria na comissão de orçamento, já por volta de 20h30, tentou-se o que Paulinho pedia. Ele, Paim e a vice-presidenta do Congresso, deputada Rose de Freitas (PMDB-ES), foram ao Palácio do Planalto tentar uma conversa com a presidente Dilma Rousseff. Ouviram de Ideli que isso não seria possível. Ouviram ainda, no viva voz do telefone, os ministros Garibaldi Alves Filho (Previdência) e Gilberto Carvalho (Secretaria Geral da Presidência). Eles endossaram que não havia espaço para qualquer reajuste, calculado em R$ 6 bilhões, ou mesmo para fazer, por escrito, um acordo em que o governo se comprometesse a fazer uma política de “ganho real” (acima da inflação) para aposentados que recebem mais que um salário mínimo em 2012.
“Você acha que Dilma ia comparecer?”, questionou um líder governista. Segundo ele, é impossível o governo aceitar uma política de ganhos reais para os aposentados. Se isso fosse possível, contou, não haveria sido vetado por Dilma na sanção da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Como reação, na volta do Palácio, iniciada a sessão do Congresso, Paulinho pediu a verificação de quórum.
Enquanto a sessão caminhava para o impasse, nos bastidores seguia a tentativa de negociação. Ideli conseguiu obter de Dilma a promessa de que responderia nesta sexta-feira (23) a oito cartas das entidades de aposentados pedindo reajustes. As correspondências vinham sendo ignoradas desde o início do ano. Referiam-se ano não cumprimento de uma promessa de campanha da presidenta, de conceder o reajuste. A resposta de Dilma era uma tentativa de acenar com uma possibilidade de negociação a partir do ano que vem para conceder algo à categoria. Além disso, os líderes no Congresso comprometiam-se a apoiar a luta de Paulinho e Paim nesse sentido no ano que vem. “Vamos acreditar desacreditando”, afirmou Paulinho, reticente e calejado pelas negociações com o Executivo.
PublicidadeNos bastidores, os líderes, porém, eram mais duros com Paulinho da Força e Paulo Paim. Demonstravam que caso a sessão caísse, a situação só pioraria. No ano que vem, no retorno do Congresso, o quórum necessário para a aprovação do orçamento seria facilmente obtido. E a possibilidade de negociação de algo para os aposentados ficaria ainda menor, ainda mais com o isolamento político dos dois parlamentares que negociam em nome da categoria. “Não íamos ganhar nada”, entendeu o presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados e Pensionistas, José Inocentini. Líder do PDT, Paulinho também perderia politicamente. Depois da demissão de Carlos Lupi, o PDT luta para manter o Ministério do Trabalho. O gesto de Paulinho poderia diminuir as chances de o partido manter o comando da pasta.
“Crucificado”
Na iminência da derrota e em um último esforço, o vice-líder do governo no Congresso, deputado Gilmar Machado (PT-MG), acompanhado do senador Paulo Paim (PT-RS), alertou os sindicalistas sobre os danos que seriam causados ao colega do PDT caso ele insistisse na derrubada da sessão para ser coerente com os anseios dos aposentados. Por volta das 22h, quando muitos governistas já davam sinais de desistência, Machado e Paim levaram os sindicalistas a um canto do plenário e os convenceram a encerrar a pressão sobre o presidente da Força Sindical – que, segundo eles, poderia ser “crucificado” pelo governo. “Nós vamos colocar ele [sic] numa situação muito ruim. Não vamos fazer isso, gente”, exclamou Machado.
O líder do PMDB no Senado, Valdir Raupp (AP), reforçava a pressão sobre os aposentados. Por várias vezes nesta quinta-feira ele recebeu ligações do vice-presidente da República, Michel Temer (PMDB), e repassava aos sindicalistas o conteúdo dos diálogos, reiterando o compromisso de um entendimento no ano que vem. Além disso, Raupp insistia na tese de que os representantes de classe terão sido os responsáveis por um eventual isolamento político de Paulinho da Força e Paulo Paim. “Vocês vão terão de apresentar uma solução para o Paulinho e o Paim. Eles vão ficar numa situação muito difícil”.
“Culpa do PDT”
No plenário, o senador José Pimentel (PT-CE) resumia como ficaria a situação de Paulinho e do PDT. “As conseqüências desse ato, embora legítimo, deixando 5565 municípios sem orçamento, deixando o governo federal sem orçamento, no meio de uma grande crise internacional…”, iniciou ele. Ele lembrou que em 2012 já haveria aumento de 5,2% para todo aposentado. Quem ganha apenas um salário mínimo, 14%. “Lamentavelmente, o PDT resolveu jogar tudo isso no lixo e dizer: ‘Prefiro derrotar o Brasil, vou prejudicar todos os municípios brasileiros, e expor o Brasil, em nome de uma liderança. Queremos responsabilizar o PDT”, disparou.
Pimentel relembrava problemas antigos na relação da base com o PDT. “Setores do PDT já votaram contra a política do salário mínimo”, relembrou, ao criticar o partido que defendeu um mínimo de R$ 560 em fevereiro passado, quando o Executivo queria apenas R$ 545.
Enquanto o relator do orçamento, Arlindo Chinaglia (PT-SP), fazia um apelo da tribuna, Paulinho postava-se à frente de um microfone no centro do plenário, com Paim a seu lado. Após Chinaglia, o senador Walter Pinheiro (PT-BA) também cobrou. Paim, então, foi ao microfone e pediu cinco minutos para uma tentativa de acordo com os aposentados. Na verdade, a sessão acabou interrompida por cerca de meia hora. “Há um apelo enorme de todos os líderes para que a gente vote ainda hoje. A situação é muito difícil”, reconhecia Paim. Após a conversa com os aposentados, porém, os dois cederam e permitiram a votação.
Com a aprovação do orçamento, respiraram aliviados os parlamentares e os prefeitos, que terão verbas e tempo disponível para reservar (ou empenhar) dinheiro para tocar obras e projetos sociais em um ano eleitoral. Se os empenhos não forem feitos até junho, só poderão ser autorizados em novembro, depois das eleições municipais.
Ao mesmo tempo, o governo venceu a quedra de braço com os aposentados. Não concedeu o reajuste que eles queriam. Não assinou um termo de compromisso prometendo fazer aumentos acima da inflação em 2012. E vai ter a tranquilidade de assumir o próximo ano num clima de normalidade.
Rodoanel
A proposta orçamentária prevê R$ 106 bilhões no total de investimentos, já considerados as aplicações feitas pelas estatais. Na última hora, foram colocadas mais obras de infraestrutura no valor de R$ 50 milhões. Foram para Minas Gerais (R$ 20 milhões), Ceará (R$ 15 milhoes) e Paraíba (R$ 15 milhões). No Ceará, serão R$ 5 milhões para o Instituto José Frota, o maior hospital público do estado, e R$ 10 milhões para infraestrutura turística. Mais cedo, já haviam sido reservados R$ 175 milhões para as obras do Rodoanel de São Paulo, demanda da oposição, em acordo costurado por parlamentares com a ministra Ideli Salvatti (Relações Institucionais).
A proposta de orçamento não concedeu aumento para quase nenhum funcionário público, ainda que a União vá gastar R$ 203 bilhões com o funcionalismo, R$ 3 bilhões a mais do que este ano. O relatório do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) concedeu reajuste apenas para umas poucas carreiras do Executivo. Ele negou criação de cargos no prório Ministério do Planejamento e rejeitou também, com a concordância do Planalto, reajustes para funcionários do Judiciário, Ministério Público, Câmara dos Deputados e Tribunal de Contas da União, além dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Os recursos para compensar estados e prefeituras com perdas de impostos por conta do incentivo às exportações da Lei Kandir foram elevados para R$ 3,9 bilhões. Pelo texto do orçamento, a margem de manobra para remanejar recursos entre um projeto e outro continuará em 10%, como acontece hoje. Acima desse índice, o governo terá de enviar ao Congresso um projeto de lei para fazer mudanças. Mas, para as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o percentual de remanejamento sem autorização dos parlamentares será de 30%.
Salário mínimo e inflação
A proposta orçamentária prevê um salário mínimo de R$ 623 em 2012, uma inflação de 6% ao final do ano. Para este ano a previsão é que a inflação fique em 6,4%.
Para 2012, o substitutivo de Chinaglia antevê o dólar cotado a R$ 1,80, a taxa básica de juros de 11,5% ao mês – exatamente como hoje – e crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) em 4,5%. O PIB deste ano, que já foi estimado no mesmo índice, deve fechar 2011 com crescimento de 3,8%.
O superávit primário, a economia que se faz para pagar juros, deverá ser de 2,15% do PIB no ano que vem. Descontados os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que podem ficar de fora dessa conta, o superávit seria reduzido para 1,58% do PIB.
Investimentos
O relatório de Chinaglia à proposta prevê R$ 2,25 trilhões no orçamento. Foram destinados R$ 655 bilhões para rolagem das dívidas do setor público. Ou seja, descontado esse valor, a quantidade de verba disponível para gastos é de R$ 1,6 trilhão.
O orçamento prevê que R$ 106 bilhões serão investimentos feitos pelas empresas estatais, das quais a União tem parte, como a Petrobras, o Banco do Brasil e as Centrais Elétricas de Furnas, por exemplo. Sem as estatais, os investimentos se limitam a R$ 79,7 bilhões.
O orçamento de 2012
TIPO DE GASTO | Valores em R$ bilhões | |
Gastos com pessoal | 203,24 | 6% |
Investimentos (1) | 79,70 | 3% |
Despesas de custeio | 776,86 | 25% |
Outros (2) | 75,86 | 2% |
Serviço da dívida (3) | 2.029,48 | 64% |
TOTAL | 3.165,14 | 100% |
(1) Valores não incluem investimentos das estatais. (2) Inversões financeiras e reserva de contingência. (3) Serviço da dívida, juros, encargos e amortizações. Elaboração: Congresso em Foco. Fonte: Relatório do substitutivo ao projeto de lei orçamentária para 2012 (PLN 28/11), página 4.