Bezerra Couto |
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E o homem aplicou essa traulitada no PT e no governo Lula justo no mês em que o partido do presidente comemorou 25 anos de vida! Mal tomou posse, transformou em festa o dia-a-dia da Câmara. Bom pagador, anunciou de imediato advinha o quê? Bingo: o compromisso de saldar a fatura pela vitória, prometendo aumentar de R$ 12,8 mil para R$ 21,5 mil os vencimentos dos deputados. O seu gabinete tornou-se o metro quadrado mais concorrido da república. Tal é o afluxo, por ali, de políticos, jornalistas, assessores, lobistas e outros tantos que Severino já precisou algumas vezes de se trancar no banheiro privativo para conversar em particular. Leia também Invejo a facilidade com que o mais recente fenômeno da política brasileira estimula a imaginação de gente com especial vocação para construir metáforas e neologismos. “Severinice”, “severinada”, “severinagem”, “República Severina”, “o furacão Severino”, “Severino, o fenômeno” foram algumas das coisas que ouvi ou li. Mas também lembro de uma frase atribuída a Sócrates, o filósofo grego: “A pior ignorância é a ignorância de quem pensa que sabe”. A grande imprensa, chocada com o nascimento de algo que crescia debaixo do seu nariz, mas que ela foi incapaz de prever, dá vazão a preconceitos vários. Contra pernambucanos e nordestinos. Contra o que chama de “baixo clero”, expressão imprecisa que ora designa picaretas militantes, ora abarca todos os parlamentares excluídos da minúscula lista de caciques (e fortes candidatos a cacique) que têm o privilégio de receber a atenção dos jornalistas políticos. Contra Brasília, em cujas costas sempre é jogada a responsabilidade pelas desventuras cometidas pelos políticos eleitos nas diversas unidades da federação. Contra o seu público, cuja inteligência está sempre disposta a desafiar. Sem dúvida, a eleição de Severino Cavalcanti demonstra que o negócio da política é mesmo um negócio. Fosse eu repórter, e não mero observador – ainda que relativamente privilegiado – da cena política nacional, estaria farejando o quem-votou-em-quem, na tentativa de contabilizar como de fato funcionaram os dois lados do balcão: a trôpega articulação governista e o movimento que a derrotou. Que favores não terão sido oferecidos? Que benefícios, negociados? Que argumentos não terá usado Garotinho para primeiro lotar o PMDB de deputados convertidos às vésperas da eleição de Severino e, depois, liderá-los na histórica sessão que levou à presidência da Câmara o inimigo-mor da união entre parceiros do mesmo sexo? Na falta de respostas, tentarei ser útil de outro modo: apontando, mesmo antes de a poeira assentar, o impacto monetário do quadro gerado pela renovação das mesas diretoras da Câmara e do Senado. Monetário? Sim, porque essa realidade nova mudou a configuração de um peculiaríssimo mercado, o que define o capital político de quem exerce influência decisiva sobre os rumos do Congresso. Esqueçam os reais, os dólares ou os euros! Agora, a moeda-padrão é o Severino, que pode ser grafada assim: S$. Veja quanto vale um Severino (S$ 1,00): Um Genoino – Personagem central das trapalhadas que fizeram de Luiz Eduardo Greenhalgh o candidato oficial do PT ao cargo agora ocupado por Severino, o presidente nacional do partido, José Genoino, está com valor baixíssimo na praça. Queimou-se no governo e no Congresso. Hoje, um Genoino é igual a S$ 0,10. Ou seja, a um décimo de Severino. Um Zé Dirceu – Parceiro de Genoino na desastrada operação que enfiou Greenhalgh pela goela abaixo da bancada petista, o ministro-chefe da Casa Civil também anda em baixa. Ao contrário do seu correligionário, porém, tem a vantagem de comandar uma área-chave do governo, o que mantém em suas mãos nacos consideráveis do poder federal. Sua cotação atual é de S$ 0,20 – isto é, um quinto de Severino. Um Renan – Eleito sem polêmica para a presidência do Senado, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) tornou-se o mais forte aliado do governo no Congresso Nacional. Sem a sua participação, é impensável a aprovação de matérias de interesse do Palácio do Planalto no Parlamento federal. Está em forte alta. Um Renan = S$ 1,50 (um Severino e meio). Um Aldo Rebelo – Boicotado pelo PT, que jamais aceitou sua nomeação para o cargo, o ministro da Articulação Política não se meteu em questão interna do partido de Lula, mas, leal, assumiu a defesa de um candidato (Greenhalgh) sem chances de vitória. Metade da Esplanada dos Ministérios quer vê-lo longe do Planalto. Apesar de contar com a simpatia de Lula, do ministro Antônio Palocci e de Renan, está em baixa. Um Aldo Rebelo vale no momento S$ 0,50 (meio Severino). Um PSDB – Não se beneficiou diretamente do novo quadro no Congresso, mas tem demonstrado competência para capitalizar tanto o desgaste causado ao governo pela emergência do Severino como por outros tropeços do governo (equívocos de articulação política, declarações desastradas de Lula, veto do BNDES ao empréstimo para o metrô de São Paulo etc.). Moeda em suave processo de elevação – embora, até o momento, a alta seja sentida mais entre formadores de opinião do que no Congresso Nacional. Um PSDB = S$ 1,00 (um Severino). Um Baixo clero – Desprezados pela imprensa, pelo governo e pela elite do Congresso até anteontem, os parlamentares associados ao chamado baixo clero experimentam forte processo de apreciação. Guiam, e até certo ponto são guiados por, São Severino – aliás, nome de um santo pra valer, protetor das parturientes, que nasceu na Itália no ano de 410 e consta do calendário litúrgico de Roma. Um Baixo clero deveria ter o mesmo peso de seu mestre maior. Mas, num momento de distração deste, apresentou pequena oscilação para cima, confirmando a violenta vocação especulativa dessa moeda. Assim, um Baixo clero = S$ 1,01 (um Severino e um centavo). Um Lula – Como mostraram pesquisas divulgadas nos últimos dias, a nova realidade monetária do Congresso em nada alterou seu prestígio popular. Seus dois maiores problemas continuam sendo o descontrole verbal e a incapacidade de pôr ordem no PT e na base governista. Mantém, de qualquer maneira, o poder de nomear e demitir. Um Lula = S$ 2,00 (dois Severinos). Para não cansar os eventuais leitores, vou parar por aqui. Mas não sem antes ressaltar que as cotações acima descritas estão sujeitas a chuvas e trovoadas. Nesse grande bazar que é a política nacional, os valores de troca de protagonistas e coadjuvantes encontram-se em permanente estado de mutação. Até a próxima. |