Andrea Vianna
Enquanto a maioria dos artistas preferiu o silêncio diante da crise política, os Titãs causaram barulho ao escancarar o sentimento de revolta popular com o escândalo do mensalão com versos como “Filha da Puta! Bandido! Corrupto! Ladrão!”. Lançada no ápice da crise, em 7 de setembro, a música Vossa Excelência (veja a letra) incomodou parlamentares e chegou a ser boicotada em rádios de Brasília, São Paulo e do Rio.
Versos agressivos, com palavrões, que nasceram espontaneamente da indignação de Paulo Miklos, Charles Gavin e Tony Bellotto com o aparecimento de personagens nebulosos que fizeram de Brasília o cenário de uma ópera-bufa que em nada lembra o bom rockn’roll que, um dia, a cidade exportou para todo o país. “Quando usamos palavrões, nunca é gratuito. É que tem horas que só um palavrão exprime o sentimento exato”, conta o guitarrista Bellotto nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco.
“Não generalizamos. Não estamos dizendo que todo político é ladrão, todo político é corrupto. Nós sabemos que tem pessoas legais ali no Congresso. Você pode notar que os xingamentos são no singular. ‘Corrupto’, ‘Ladrão’. Isso porque nos referimos a políticos individuais, a quem efetivamente roubou, enganou o povo”, pondera Bellotto.
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Autor de quatro livros – entre eles, Bellini e a Esfinge, que até virou filme –, o guitarrista diz estranhar o silêncio da maioria dos artistas diante dos escândalos políticos, mas aponta uma razão para o recolhimento dos colegas. “A maior parte da classe sempre apoiou o Lula. Não sei se as pessoas se sentiram com o rabo preso, se ficaram em cima do muro como o próprio Lula”, afirma.
Mesmo declarando-se fã do presidente, Bellotto não esconde a decepção com o petista que, segundo ele, reagiu timidamente à crise. “Lula não é mais o mesmo. Sempre gostei muito dele e acho que toda essa lama não destrói o cara brilhante que ele era, que ele é. Mas ele deixou a desejar com essa atitude.”
A crítica política deve dar o tom do show dos Titãs, que abrem, neste sábado, a apoteótica apresentação dos Rolling Stones na praia de Copacabana, no Rio. Bellotto e banda prometem fazer os seus versos anticorrupção voarem, das areias de Copacabana, até a Esplanada dos Ministérios. “É uma catarse. Vai dar pra ouvir lá em Brasília”, brinca o guitarrista.
O palco de 22 metros de altura (o equivalente a um prédio de sete andares) pode se transformar num palanque para a ironia mordaz dos roqueiros. Eles incluíram no repertório músicas com forte conteúdo de crítica social ou política, como Bichos Escrotos, Homem Primata, Lugar Nenhum, Polícia e Aluga-se, regravação de Raul Seixas que trata de um país sem dono ou rumo.
Entre os 3.500 convidados da área vip, várias “excelências” devem marcar presença no show. O líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (PFL-RJ) – filho do prefeito César Maia – convidou, entre outros, o senador Delcídio Amaral (PT-MS) e os deputados Osmar Serraglio (PMDB-PR) e Antonio Carlos Magalhães Neto (PFL-BA) – respectivamente, presidente, relator e subrelator da CPI dos Correios – para acompanhar o espetáculo de camarote.
Congresso em Foco – As letras dos Titãs sempre foram questionadoras, combativas. Há uma preocupação de fazer um rock engajado politicamente?
Tony Bellotto – Não há, nem nunca foi uma preocupação. Mas, naturalmente, desde a formação inicial dos Titãs, nossa música teve esse tom de questionamento, de não acomodação. Porque o rock não é só um estilo de música, é um estilo de vida, cuja função também é questionar. Buscamos inspiração em outras bandas, como The Clash, banda punk dos anos 70, que sempre adotou uma postura combativa. Tem também o som do Bob Marley, que fazia um reggae de denúncia contra injustiças sociais. Mesmo em nossas canções de amor, se você reparar, tem alguma ponta de questionamento.
Vocês foram uma das poucas bandas de rock que levantaram a voz para protestar contra a onda de corrupção no ano passado, com a composição de Vossa Excelência. Por quê?
Nesse último ano, especificamente, em que vimos tantas denúncias de corrupção aí em Brasília, não conseguimos ficar sem reação, não tínhamos como ficar parados diante de tanta indignação. Mas nossa preocupação não era – nem nunca foi – fazer uma música panfletária, não é isso. Acima de tudo, nossa maior preocupação sempre foi compor música. E Vossa Excelência, antes de ser música de protesto, é um bom rockn’roll.
Como foi composta Vossa Excelência?
A idéia partiu do Paulo Miklos, que já vinha rabiscando algumas letras para o novo disco (Titãs MTV ao Vivo). A letra acabou surgindo com aquela veia cômica e mordaz do Miklos, ironizando as perucas dos senadores, falando nos fundilhos dos vereadores. E tem aquele refrão indignado que representa – eu acho – as palavras que todo mundo queria usar naquela hora. Acho que expressa a vontade da população de xingar, botar pra fora o sentimento de indignação. Daí aconteceu a magia da música, que ficou pronta em três dias. Ela nasceu bem espontânea, no calor dos acontecimentos.
A letra tem palavrões e xingamentos. Não ficou agressiva?
Sim, mas é uma agressividade genuína. Não generalizamos. Não estamos dizendo que todo político é ladrão, todo político é corrupto. Nós sabemos que tem pessoas legais ali no Congresso. Você pode notar que os xingamentos são no singular. "Corrupto", "ladrão". Isso porque nos referimos a políticos individuais, a quem efetivamente roubou, enganou o povo. Quando usamos palavrões, nunca é gratuito. É que tem horas que só um palavrão exprime o sentimento exato.
É verdade que a música foi censurada nas rádios aqui em Brasília?
Olha, a informação que tivemos da gravadora foi que as rádios aí de Brasília não estavam tocando a nossa música. Acho que o problema é que muitas rádios aí têm rabo preso com políticos. Mas algumas rádios do eixo Rio-São Paulo também não tocaram. Deve ser medo de ofender algum político. Mas isso é bobagem, qualquer cidadão entende que a música não é um ataque à classe política como um todo, e sim, direcionada a autoridades específicas.
Vossa Excelência é bem recebida nos shows?
É uma catarse, é dessas músicas que arrebatam. Nem sei como vai ser lá em Copacabana. Acho que vai dar pra ouvir em Brasília.
Vocês também vão tocar Aluga-se, uma regravação do Raul Seixas cuja letra diz que a saída é alugar o Brasil para os gringos. Você acha que a solução é essa mesmo?
Como eu disse antes, pra fazer rock, tem de saber ser irônico. O Raul colocou nessa letra a mordacidade do rockn’roll. Ele não quis dizer exatamente aquilo, que tem de alugar o país para os estrangeiros. Mas eu acho que, infelizmente, tem gente que quer levar isso a sério. Vejo gente querendo sucatear o Brasil, e não é essa a saída.
Em outra conjuntura política, o grupo Os Paralamas do Sucesso fez a música Luiz Inácio, inspirada no sindicalista e oposicionista Luiz Inácio Lula da Silva. Na música, Luiz Inácio denuncia que existem "300 picaretas com anel de doutor" no Congresso Nacional. E agora, você acha que o Luiz Inácio mudou de lado?
Pra mim, o Lula não é mais o mesmo. Acho que ele tinha uma postura quando era de oposição e foi obrigado a adotar uma outra postura na presidência, por força de várias circunstâncias. Sempre gostei muito dele e acho que toda essa lama não destrói o cara brilhante que ele era, que ele é. Mas ele deixou a desejar com essa atitude dele. Teria de ser mais claro, mais enfático e, no entanto, diante de toda essa bandalheira, ficou em cima do muro.
Com o lançamento de Vossa Excelência, vocês foram um dos poucos que romperam um longo silêncio da classe artística depois do estouro da crise política. Não é de se estranhar esse silêncio, essa apatia da classe artística diante do atual momento político?
Também estranhei. Achei que os artistas iam se manifestar. Mas, historicamente, a maior parte da classe sempre apoiou o Lula. Não sei se as pessoas se sentiram com o rabo preso, se ficaram em cima do muro como o próprio Lula. Quando era para falar mal da ditadura ou do governo de direita, os artistas sempre topavam, saíam às ruas, faziam manifestações. Desta vez, acho que não conseguiram atacar alguém que eles haviam apoiado. Por outro lado, não é porque acontece uma crise dessa ordem na sociedade que o artista tem obrigação de criar uma obra de protesto. O artista é livre para fazer o que quiser.
Uma pesquisa de um cientista político da Universidade de São Paulo (USP) revelou que os jovens brasileiros não querem saber de política. Você acha que os Titãs, com suas letras combativas, podem aproximar os jovens da política?
Em algumas pessoas, eu acredito que é possível, sim, despertar alguma consciência. Mas essa pesquisa pode revelar, também, que não é só o jovem que não está interessado em política. No ano passado, você podia perguntar a qualquer pessoa nas ruas, todos iam dizer que não gostam de política. Porque essa política que chega até nós pelos jornais, que tem sido praticada em Brasília, só passa uma imagem de falta de patriotismo, de ser movida apenas por interesses pessoais. Essa daí é uma política rasteira, eleitoreira, que fez o eleitor tomar asco. O que não pode acontecer é que as pessoas comecem a se desinteressar da política com “P” maiúsculo, que é a reguladora dos problemas do país, administradora das liberdades individuais. Os jovens precisam saber que existe uma política com “P” maiúsculo, que vai além desse espetáculo patético a que estamos assistindo em Brasília.
Quando os Titãs vêm a Brasília?
Com certeza, ainda no primeiro semestre para lançar o disco novo. Brasília é especial para a gente em todos os sentidos, por causa das bandas queridas, por causa da tradição de rock.
E vocês vão tocar Vossa Excelência aqui na capital?
Vamos tocar com muita gana, com muita vontade. Inclusive, “vossas excelências” estão convidados para o show. Se alguém vestir a carapuça, a culpa não é nossa.