Como todo mundo já sabe, está explodindo por todo o país um sem-número de casos de violência. O que mais impressiona não é propriamente o grau em que ela irrompe, mas, sim, a grande diversidade de situações. Temos a violência da polícia ao tentar controlar manifestantes, temos a violência doméstica em que pais matam filhos (e vice-versa), temos depredações sem fim nas greves dos serviços públicos, temos seguidos casos de violação legal de parlamentares e gestores públicos, que também é uma forma de violência, e muito mais.
Com isso, a sensação de impotência e de frustração se generaliza pela sociedade. Aquela ideia de que “não adianta fazer nada” ou de que “está tudo perdido”. Daí o risco de anomia, que é a descrença da sociedade nas suas instituições, em especial as de Estado.
Por outro lado, temos de tomar cuidado com o jornalismo de informação e a mídia sensacionalista, quando malham sucessivamente os casos de violência legal. Isso acaba alimentando ainda mais essa cultura de violência social, resultando no sentimento de que estamos todos sem projetos, sem razão de ser, sem perspectiva de vida, como se o Brasil se transformasse numa nau sem rumo.
Somos todos “vilões” da nossa própria sociedade. Na Idade Média, vilões eram aqueles que moravam nas vilas nos entornos dos castelos. Eles eram tão servos quanto os que trabalhavam nas terras dos senhores feudais, mas tinham mais privilégios pessoais e econômicos, e menores deveres para com seus senhores. Daí o sentido pejorativo do termo, como aquele que tem mais vantagens, que viola regras, que coloca seus interesses pessoais acima do coletivo e que não tem qualquer empatia por seus próximos. Se quebramos, matamos, depredamos, desviamos e corrompemos, somos, sim, todos cúmplices em nossa vilania.
Leia também
Pois para transformar esse estado de vilania geral, precisamos de um choque de cultura de cidadania. E isso somente será possível através de um jornalismo voltado também para a construção de valores e princípios da plena cidadania. O risco é real: um jornalismo que só denuncia pode ter como efeito colateral uma retração do engajamento cívico do cidadão.
Afinal, só a cultura de cidadania poderá superar a cultura de impunidade e da transgressão social. Uma cidadania exercida pela participação política de verdadeiros agentes de cidadania, dispostos a identificar problemas e fazer propostas concretas de políticas públicas, de modo suprapartidário e para além do jogo político eleitoral.
PublicidadeComo afirmou certa vez a cientista política e professora de Harvard Judith Shklar: “Somos passivamente injustos quando não nos indignamos, quando não reagimos ou informamos de delitos, quando miramos a outro lado ante a desonestidade e o enriquecimento injusto, ou aceitamos, com gesto bovino, situações que sabemos injustas, torpes ou oportunistas”.
É esse conceito de injustiça passiva, ou injustiça pela passividade, que precisa ser revisto por todos os responsáveis pela formação dos cidadãos e difusão dos valores da cidadania pela sociedade, seja família, instituições religiosas, educação, justiça ou mídia. De preferência, desde a mais tenra idade.