Antônio Augusto de Queiroz*
As mudanças legais e constitucionais no sistema eleitoral, assim como as interpretações da Justiça especializada, em grande medida, resultaram de medidas casuísticas ou de puro improviso. Com essa prática, apesar da alternância no poder, o sistema político perde legitimidade a cada dia. E as perspectivas de reforma, por causa dessa tradição, são quase sempre frustradas.
Ao longo da história política brasileira há dezenas de casuísmos. No período militar, a eleição indireta para governador e presidente, o senador biônico, a instituição do bipartidarismo, o retorno do pluripartidarismo, o fim da eleição dos suplentes de senadores e a fixação do número mínimo e máximo de deputados por estado são exemplos dessa prática. As duas últimas mudanças foram mantidas na Constituição e estão em vigor até hoje.
As decisões e interpretações judiciais também têm sido marcadas por casuísmo em muitos episódios, infelizmente. A interpretação de que a verticalização era obrigatória, após duas eleições sem essa exigência, e o entendimento de que a lei eleitoral de 2006, supostamente destinada a reduzir gasto de campanha, poderia vigorar no pleito do ano passado, são exemplos de casuísmo. Ora, a Justiça havia decidido que a Emenda Constitucional nº 52, que acabou com a obrigatoriedade de verticalização e também foi aprovada a menos de um ano da eleição, não poderia valer para aquele pleito.
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Outro sinal claro de casuísmo e de improviso diz respeito à cláusula de barreira. Ela foi aprovada na Lei dos Partidos Políticos, em 1995, para vigorar em 2006, mas foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2007, exatamente o ano que produziria seus efeitos. O principal deles seria a perda do direito de funcionamento parlamentar aos partidos que não tivessem atingido, na disputa para Câmara dos Deputados, 5% do eleitorado nacional e 2% dos votos válidos em pelo menos nove estados, na última eleição.
Hoje há um consenso sobre a necessidade de uma reforma política, mas a herança de casuísmos passados e a ausência de acordo sobre o conteúdo do que deve ser votado tem levado a um impasse. Além disso, a rejeição da lista fechada e a Emenda à Constituição nº 52 dificultam boa parte da reforma.
A rejeição da lista fechada, vista como o principal pilar da reforma – porque criaria as condições para o financiamento público e a fidelidade parditária – jogou um balde de água fria no tema. A Emenda 52, que tratou da verticalização, também dificulta a aprovação de outros temas, que estão na pauta de votação.
O financiamento público, por exemplo, só será possível para as eleições majoritárias, já que a rejeição da lista fechada inviabiliza essa modalidade de custeio para as eleições proporcionais (deputados e vereadores). O instituto da fidelidade partidária ampla, com a transferência do mandato do deputado para o partido, também fica inviável com a rejeição da lista.
O fim das coligações nas eleições proporcionais e a criação da federação de partidos, que também fazem parte da reforma, correm risco, se aprovadas, de serem declaradas inconstitucionais, por conflitarem com o teor da emenda constitucional, segundo a qual “é assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária”.
Ora, se a Constituição dá autonomia e delega aos partidos políticos o poder para “adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais”, não teria sentido ou cabimento a lei proibir as coligações nem tampouco dizer que a federação de partidos será o substituto da coligação, exceto se fixado por emenda à Constituição.
Por último, restariam apenas duas mudanças. Uma regra de fidelidade a partir da ampliação do prazo de filiação como condição para concorrer a novo mandato, agravada com a inelegibilidade por um determinado prazo para quem mudasse de partido, e a proibição de mudança de domicílio de prefeito reeleito. É muito pouco para ser chamada de reforma política. Talvez seja necessário alterar a Constituição para remover os obstáculos a uma verdadeira reforma política.
* Antônio Augusto de Queiroz é jornalista, analista político e diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).