Renata Camargo
O PT trabalha para aprovar um projeto de lei, apresentado por quatro deputados, com uma série de mudanças no Código Florestal brasileiro. As propostas formuladas pela ala desenvolvimentista do partido flexibilizam a legislação atual e se contrapõem, em alguns pontos, às posições defendidas pela bancada ruralista no Congresso.
A iniciativa também tem o objetivo estratégico de posicionar o PT no debate dos assuntos ambientais nas eleições de 2010. O projeto de lei foi protocolado em maio pelos deputados Leonardo Monteiro (MG), Geraldo Magela (DF), Nilson Mourão (AC) e Dr. Rosinha (RS). Recebeu, ainda, apoio do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc.
O PL 5226/09 modifica, mas não revoga, o Código Florestal brasileiro e estabelece um discurso político para os petistas. “Não é justo dizer que o governo não está preocupado com as questões ambientais”, afirma Leonardo Monteiro (PT-MG). “Vivemos um problema de transição, em que saímos de uma época em que os governos tinham como políticas de crescimento derrubar árvores e drenar córregos. Hoje o momento é outro e a questão ambiental está em evolução dentro do governo Lula”, acrescenta.
A cartada verde do PT foi antecipada pelo articulista Olympio Barbanti Jr. em texto publicado com exclusividade pelo Congresso em Foco no último domingo (7). A proposta petista surgiu a partir do consenso de que o atual Código Florestal, promulgado em 1965, está em desacordo com a realidade do país.
“O atual Código Florestal é uma lei de mais de quatro décadas e está muito ultrapassado. Temos que atualizá-lo de acordo com nova realidade, criando um código que possa atender a expectativa desenvolvimentista”, diz Monteiro, único membro petista da Comissão de Meio Ambiente da Câmara.
O projeto de lei dos petistas tramita na Câmara apensado ao PL 1.876/1999, do ex-deputado Sérgio Carvalho (PSDB-RO), que está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e depois seguirá para plenário.
Aos dois, deve ser apensado também o PL 5367/09, protocolado pela bancada ruralista junto à Mesa Diretora da Câmara na última quarta-feira (3). A proposta apresentada por um grupo de parlamentares ligados ao setor produtivo, com 45 assinaturas, pretende revogar o atual Código Florestal e criar o Código Ambiental Brasileiro, baseado em uma nova política nacional do meio ambiente.
Polêmica
Entre as mudanças propostas pelos deputados petistas, está a previsão de pagamento para quem preservar florestas além das áreas obrigatórias por lei. Se, por exemplo, um dono de terra na Amazônia – onde é obrigatória a preservação de 80% das matas nativas – decidir deixar em pé 90% dessa vegetação, ele poderá receber pagamento por esse serviço ambiental.
Um dos pontos polêmicos do projeto envolve a permissão para plantar nas chamadas áreas de preservação permanente (APPs). O projeto autoriza que plantios já existentes em encostas de morros sejam mantidos. A atual legislação ambiental proíbe qualquer plantação em área com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive. A proposta petista, no entanto, admite a continuidade das atividades econômicas nas áreas em altitude superior a 1,8 mil metros, ocupadas com culturas até a data de publicação da lei, se aprovada.
Em contrapartida, o projeto prevê que devem ser firmados termos de compromisso entre o proprietário do imóvel e o órgão estadual ou federal competente, para que sejam estabelecidas medidas mitigadoras – ou seja, para diminuir o dano ambiental na área – e medidas compensatórias – para compensar aquele prejuízo ao meio ambiente.
“Na verdade, a proposta reconhece que existe plantio em encostas, mas estabelece que aquela atividade precisa ser menos danosa e que será preciso medidas para compensar aquele dano ambiental. O produtor deverá avaliar, por exemplo, a necessidade de plantio em curva de nível, contenção de encosta, mudanças de cultura e outras medidas”, explica o assessor técnico da Liderança do PT Titan de Lima, que participou da elaboração do projeto.
Preservação
O projeto traz também normas sobre as questões ambientais em meio urbano, diferentemente do atual código que apresenta diretrizes apenas para áreas rurais. Entre os dispositivos, está a permissão para que sejam implantados espaços de esporte, lazer e atividades educacionais e culturais ao ar livre à beira de rios, córregos e lagos e outras áreas de preservação permanente em perímetros urbanizados.
A permissão é condicionada, entre outros requisitos, à adequação ao plano diretor municipal referido no art. 182, § 1º, da Constituição Federal, e ao licenciamento ambiental dos empreendimentos.
Segundo o texto do PL, o uso legal desses espaços será possível desde que “a supressão [retirada] de vegetação requerida não descaracterize a função ambiental” da área de preservação permanente, o que na prática, significa que não é permitido, por exemplo, o desmate da vegetação nativa para o plantio de grama nas beiras dos rios.
Em relação aos limites de APPs, o projeto mantém os mesmos percentuais previstos no atual Código Florestal. É mantido, por exemplo, a obrigatoriedade de preservar 500 metros ao longo de rios com largura superior a 600 metros. Também permanece a faixa mínima de 50 metros em toda a extensão de lagos naturais de largura de 100 metros.
O PL, no entanto, permite que essas faixas tenham o limite reduzido. Ele traz a possibilidade para que os limites mínimos de APPs ao longe de rios, nascentes, lagos e outros cursos d’água possam ser reduzidos em até 50%. Essa redução, entretanto, só poderá ser feita a partir do plano de recursos hídricos elaborado para a bacia hidrográfica.
Confronto
O projeto petista contraria outras propostas em tramitação na Câmara. A principal delas será a proposta que cria o Código Ambiental Brasileiro apresentada pelos ruralistas. Entre as duas propostas, o ponto de maior impasse se dará em torno do entendimento sobre a participação de estados e municípios no processo legislativo.
Os ruralistas entendem que, a exemplo do Código Ambiental de Santa Catarina – que tem artigos questionados no Supremo Tribunal Federal (STF) –, os estados devem ter autonomia para legislar sobre questões ambientais locais. Leis estaduais e municipais, pela proposta da bancada, devem estabelecer limites de áreas a serem preservadas, enquanto a legislação federal traz apenas normas gerais, sem especificidades.
Ao contrário da proposta ruralista, o projeto do PT estabelece que os estados, o Distrito Federal e os municípios só poderão estabelecer normas peculiares às questões locais se as regras forem mais restritivas do que o previsto em âmbito federal. “Entendemos que norma geral não é norma vazia, tem conteúdo de comando, tem o teto e o mínimo. Os estados podem fazer uma lei estadual ambiental, mas com mais rigor”, afirma Titan.
Reserva legal
A proposta do PT modifica ainda a definição e o conceito do que hoje se admite como reserva legal. De acordo com a proposta, essa reserva passa a ser denominada de área de reserva e uso sustentável. A intenção é deixar mais claro o fato de que nessa área é permitida a atividade econômica, desde que use de modo sustentável, ou seja, preservando os recursos naturais.
“Mudamos o conceito para deixar claro que essa reserva pode ser usada, desde que seja usada de maneira sustentável. Ou seja, a pessoa pode retirar cipó da área de reserva, desde que garanta a preservação da floresta”, considera Monteiro.
O projeto petista explicita também a gratuidade do processo de averbação da área de reserva. O atual código já prevê que pequenos proprietários tenham isenção de taxas nesse processo. Mas, por falta de clareza na norma, muitos produtores acabam pagando para oficializar essa demarcação de reserva. “Hoje é caro e burocrático averbar terras. O projeto propõe a desburocratização desse processo e reforça a gratuidade”, finaliza o deputado mineiro.