Tatiana Damasceno
Aproxima-se um novo round jurídico. Os advogados de um lado; de outro, juízes, policiais e promotores de Justiça. Dois polêmicos projetos de lei em análise no Congresso e na Presidência da República garantem a réus e seus defensores mais garantias do que o razoável, na opinião de investigadores e julgadores. Ambos podem influenciar diretamente as ações da Polícia Federal.
O projeto de lei complementar 36/06 precisa apenas de uma canetada do presidente Lula para virar realidade e garantir a “blindagem” dos escritórios de advocacia. Apesar das resistências no Executivo, a idéia é sancioná-lo até 11 de agosto, dia do Advogado.
Já o projeto de lei 4.208/01 limita o uso da prisão preventiva, o que mudaria radicalmente operações como a Satiagraha, que prendeu o banqueiro Daniel Dantas. A matéria passou numa sessão confusa na Câmara e espera parecer de Demóstenes Torres (DEM-GO) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado.
As mudanças no Código de Processo Penal foram propostas pelo Executivo. O juiz que conduz as investigações da Satiagraha, Fausto Martin de Sanctis, já se declarou contra o projeto. Para ele, nenhuma detenção temporária seria feita pela polícia caso a proposta estivesse em vigor. Sanctis pediu a prisão preventiva de Daniel Dantas pela suspeita de tentativa de suborno.
“É correta a preocupação de que a prisão seja uma exceção, mas também não pode cercear a tal ponto que ninguém vai poder ser preso”, protesta o o vice-presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Nino Oliveira Toldo. “E até nos casos de criminosos mais violentos, de violência física, o sujeito vai se beneficiar dessas brechas da lei.”
O PL permite que o acusado tenha seu passaporte confiscado, o que hoje não está claramente definido em lei. Atualmente, só a interpretação dos juízes garante decisões (a chamada “jurisprudência”) que determinam a retenção do passaporte. Quando o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, mandou soltar Daniel Dantas, houve o temor de que ele fugisse do país – como fez o banqueiro Salvatore Cacciola, que ficou foragido do Brasil oito anos.
Menos crimes
A prisão preventiva tem prazo máximo de 81 dias e pode ser decretada durante o inquérito policial ou ação penal, quando se verifica a existência de crime e indícios de autoria.
Pelo novo texto, o juiz só poderá decretar a preventiva se outras medidas cautelares não puderam substituí-la. Entre elas: prisão domiciliar noturna, proibição de se ausentar da comarca e o comprometimento do investigado de comparecer periodicamente em juízo.
Só alguns crimes poderão permitir o uso da detenção provisória. Ficarão de fora os delitos que tiverem penas máximas inferiores a quatro anos de prisão. Isso inclui, por exemplo, tentativa de estupro, seqüestro, atentado violento ao pudor e coação à testemunha.
A reforma do Código de Processo Penal proposta pelo PL 4.208/01 permite que os juízes substituam a prisão preventiva pela domiciliar caso os suspeitos tenham mais de 80 anos, possuam doenças graves, sejam pessoas com deficiência, estejam no sétimo mês de gravidez ou sejam imprescindíveis para cuidar de crianças menores de 6 anos.
Para Nino Toldo, o PL pode manter um entendimento – na sua visão, equivocado – de que uma pessoa só pode ser presa depois de ser condenada e também depois que todos os recursos forem julgados, inclusive os especiais e os extraordinários no STF e no Superior Tribunal de Justiça.
“A condenação do juiz não pode ser um nada”, reclama o juiz da 10ª Vara Criminal Federal de São Paulo. “O juiz é a pessoa que melhor conhece o processo. Então, o legislador não pode fazer uma coisa a tal ponto que tolha o juiz dessa possibilidade de decretar prisão.”
Aprovação tumultuada
A proposta de limitar a prisão preventiva foi aprovada de forma tumultada na Câmara. Em 25 de junho passado, a matéria entrou na pauta juntamente com outras que mudavam o Código de Processo Penal. As restrições às prisões foram aprovadas por meio de um acordo do Colégio de Líderes da Casa.
Mas a votação teve de ser interrompida pelo plenário quando os parlamentares questionaram a existência desse acordo. Para Miro Teixeira (PDT-RJ), ninguém sabia o que fazendo naquele momento.
“Acho que não estamos fazendo boas leis, nesse caso penal e processual penal. Acho estamos sendo temerários na maneira ligeira como estamos olhando e, a não ser os relatores, acredito que ninguém possa ir para a tribuna dizer o que acabou de ser votado”, desabafou ele, à época.
A restrição às prisões já tinha sido aprovada e seguiu para o Senado. Procurado desde a semana passada, o relator da proposta na CCJ, senador Demóstenes Torres, não foi localizado pela reportagem. Sua assessoria informou que, por causa do recesso parlamentar, ele estava viajando e incomunicável.
Menor potencial
O secretário da Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Rogério Favreto, afirma que a adoção de outras medidas cautelares em vez da prisão preventiva é voltada para crimes de menor potencial ofensivo. Ele afirma que a nova lei só regulamenta uma prática já utilizada por muitos juízes. “O entendimento do Ministério da Justiça é ter um instrumento de maior eficácia para este tipo de crime”, diz Favreto.
Ele não descarta a possibilidade de o governo recuar no texto. “Essas ponderações que são feitas por algumas pessoas são passíveis de ajustes. Esse projeto não deve ser visto de forma isolada, deve ser olhado junto com os outros três aprovados, tribunal de júri, das provas e dos procedimentos mais o projeto de recursos que está na Câmara”, relata.
Favreto se refere a um pacote de mudanças no Judiciário aprovado no Congres
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