A proposta do governo Michel Temer para regulamentar a compra de terras por estrangeiros enfrenta uma divergência interna de peso. O ministro da Agricultura, Blairo Maggi, reconhece que a medida aumentaria o financiamento ao setor agrícola, mas defende a adoção de restrições no caso das “culturas anuais”, como soja e milho – dois dos principais produtos de exportação do país. A área econômica e o Palácio do Planalto não aceitam essa restrição justamente no setor mais atrativo: o agronegócio.
O projeto deve ser fechado pelo ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, e enviado ao Congresso ainda nesta semana. O governo quer permitir a venda de até 100 mil hectares para estrangeiros. É muito acima do que está previsto hoje, mas aquém do que muitas empresas controladas por estrangeiros já possuem no país. Ouvidas pelo Congresso em Foco, algumas dessas empresas manifestaram otimismo.
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Blairo teme que fundos de investimentos estrangeiros comprem uma grande área para implantar essas “culturas anuais”, mas deixem de plantar em determinado ano por causa de condições adversas no mercado internacional. “Isso seria o caos para a economia, para os municípios”, argumenta. Ele defende a exigência de uma cota de produção anual. Mas não vê problemas no caso das culturas perenes, como cana-de-açúcar, café, laranja e eucalipto – essa destinada à produção de celulose.
O ministro conhece bem o agronegócio. Ele é acionista da Amaggi, uma das maiores empresas do ramo na América Latina e com presença na Holanda, Noruega, Suíça e Argentina. No ano passado, a empresa plantou 282 mil hectares de soja, milho e algodão. O grupo tem espalhadas pelo país duas indústrias de processamento de soja e dez fazendas, além de 28 armazéns – a maior parte em Mato Grosso.
Argentinos
Mato Grosso viveu uma situação traumática com a empresa argentina El Tejar, que chegou a produzir 600 toneladas de grãos em 2010, numa área de 180 mil hectares, sendo apenas 40 mil próprios. Produtores de soja e milho denunciaram uma ação “predatória” da empresa – no Brasil chamada de O Telhar –, que arrendava as terras e transferia os custos trabalhistas e tributários aos produtores – responsáveis pela produção, com máquinas próprias. Havia também denúncias na área trabalhista.
Em agosto de 2010, um parecer da Advocacia-Geral da União (AGU) equiparou a estrangeiros empresas brasileiras controladas por pessoas sem nacionalidade brasileira – o caso de O Telhar. A empresa inicialmente estancou, depois reduziu seus investimentos. Hoje, vive uma realidade completamente diferente. O controle acionário foi vendido para os grupos de investimentos Capital International, americano; e Altima Partners, britânico.
Em entrevista ao Congresso em Foco, 0 diretor-presidente da empresa, o uruguaio Ismael Turbán, reconhece que houve erros no passado: “Houve notas muito ruins sobre nós. Isso foi totalmente modificado, tanto que naquela época era tudo terceirizado. Hoje, é tudo feito com pessoal próprio, maquinário próprio. Acreditamos que temos que trabalhar dentro da legalidade”. Hoje, a empresa tem 75 mil hectares de terras próprias e nada arrendado. Planta 130 mil hectares de soja, milho e algodão, alternando as culturas de inverno e verão.
Celulose
A tese de Blairo tem o apoio do diretor-presidente da CMPC Celulose Riograndense, Walter Nunes. A empresa, que tem controle acionário chileno, está instalada em Guaíba (RS). A papeleira ocupa 360 mil hectares de terras, sendo 324 mil próprios. “O governo não quer empresas que venham plantar soja para exportar e processara sei lá onde. O princípio deveria ser: utilizar a base fundiária para gerar a matéria prima com o adensamento da cadeia econômica no país. Mais um menos como o Trump está querendo fazer nos Estados Unidos”.
“Parece que o governo quer mais atividades agrícolas multianuais do que anuais, para não permitir que venha o capital volátil aqui, adquira terra, produza um ano e deixe de produzir. Eu aqui tenho que pensar no investimento no mínimo de 20 anos para ter retorno. Aqui não tem volatilidade”, argumenta.
O Congresso em Foco ouviu também uma corretora brasileira que comprou 40 mil hectares para estrangeiros no Piauí antes do parecer baixado pela AGU. A empresa suspendeu novos negócios após a decisão do governo, em 2010. Agora, está otimista com a proposta do governo Temer. Pedindo para permanecer no anonimato, o diretor comentou: “Olha, estou vendo com muito bons olhos o projeto. Pelo que entendi, o cara que comprar 100 mil hectares fica com o comprometimento de fazer um assentamento de 10 mil hectares. Esse projeto será tocado pela iniciativa privada que vai assentar essas famílias. A empresa vai dar toda a assessoria, assistência para desenvolver essa área”.