Alegando “estranheza da população”, “constrangimento”, “inconveniência”, “mácula” à imagem do Ministério Público brasileiro, 82 promotores de Justiça e procuradores da República e do Trabalho pediram nesta segunda-feira (27) o afastamento do ex-senador Demóstenes Torres do cargo de procurador de Justiça em Goiás. Cassado por receber “vantagem indevida” do bicheiro Carlinhos Cachoeira, Demóstenes voltou a seu cargo anterior sob questionamento de parte dos colegas da Ministério Público de Goiás (MPGO).
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Em representação protocolada hoje, os promotores e procuradores pedem ao Conselho Nacional do Ministério Público que assuma um processo administrativo-disciplinar contra o ex-senador que hoje está a cargo do Colégio de Procuradores de Goiás. “A percepção do grupo é que seria um alívio para o colégio”, afirmou hoje à tarde um dos porta-vozes do grupo, o promotor de Justiça Reuder Cavalcante Motta. “Nós vivemos uma angústia muito grande. O Ministério Público tinha um nome muito conceituado”, disse ele ao Congresso em Foco.
Veja a íntegra da representação
A presença de Demóstenes é considerada “inegável constrangimento” para os colegas dele. Desde março passado, eles relatam situações incômodas. Um deles disse a uma fonte do Congresso em Foco ter ficado envergonhado após conseguir a condenação de um assassino no tribunal do júri em Goiânia. “Doutor (sic), eu tô preso, né? Então… quando é que vocês vão prender o Demóstenes?”, teria dito o réu, algemado, após ouvir a sentença por homicídio.
Uma prova “incontestável” da inconveniência da presença do ex-senador seria, segundo a representação, a defesa de uma empresa à Justiça. Nela, os advogados dizem que o interesse do MPGO no processo não é defender o interesse público. “O real interesse … [é] atender aos interesses do mencionado bicheiro ‘Carlinhos Cachoeira’”, dizem os defensores da concessionária de veículos, envolvida em uma acusação de permuta ilegal de terrenos com a prefeitura de Goiânia.
Na representação, os promotores dizem que Demóstenes foi cassado “em virtude de práticas incompatíveis com a ética e o decoro, acontecimento este suficiente, de per si, para fundamentar o afastamento pleiteado”. Dizem que a instauração de inquérito no Supremo Tribunal Federal também é argumento suficiente para afastar o ex-senador do cargo no MPGO.
Ele ainda reclama que, em reunião interna no dia 31 de julho, quando se discutia a criação de uma comissão de processo contra Demóstenes, o ex-senador criticou um dos membros do colegiado. Para os representantes, isso gerou “situação constrangedora”.
Apesar disso, a remessa do caso para o CNMP deveria ser feita devido a “possíveis antigas relações pessoais e apoios externados” pelo corregedor-geral Ailton Vecchi e dois membros da comissão.
De acordo com Reuder Cavalcante, o processo em Goiânia está se arrastando a passos lentos. Até hoje, o corregedor sequer teve acesso formal às provas obtidas pela CPI do Cachoeira, conforme admite em nota enviada à imprensa nesta segunda-feira.
Ação política
Demóstenes não estava em seu gabinete hoje. Sua assessoria afirmou que ele estava de licença médica por conta de uma sinusite e indicou seu advogado, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, para comentar o caso. Kakay disse ao Congresso em Foco disse que a representação “é mais política do que jurídica”.
O advogado disse que, para se afastar alguém, seria necessário ao menos um julgamento, o que não aconteceu. “Lamentável que o Ministério Público possa pedir o afastamento sumário”, disse Kakay. Por outro lado, ele disse que Demóstenes e ele não estão preocupados com isso por julgarem que a ação está juridicamente mal fundamentada.
Kakay ainda disse que a remessa da apuração contra o ex-senador para o CNMP não deve ser aceita. Isso porque seria o mesmo que colocar os colegas de Demóstenes sob suspeição. “São pessoas sérias”, disse o advogado.
Irmão impedido
A assessoria do Ministério Público de Goiás disse que o procurador-geral, Benedito Torres, irmão de Demóstenes citado na representação, não irá se manifestar. Ele está impedido de dar opiniões sobre o caso.
Por meio de nota da assessoria, o corregedor Ailton Vecchi disse não existir razão para mandar o processo administrativo-disciplinar para o CNMP, em Brasília. “A Corregedoria (…) prosseguirá nos atos voltados à completa apuração dos fatos e não se omitirá na adoção de toda e qualquer providência (…) para o resguardo dos interesses (…) do Ministério Público de Goiás e da sociedade goiana.”
Vecchi é contra o afastamento de Demóstenes, pelo menos por enquanto. Como o corregedor sequer recebeu a documentação da CPI do Cachoeira e do Tribunal Regional Federal com as provas contra Demóstenes, ainda não foi aberto um processo formal contra o ex-senador. “A adoção do afastamento cautelar só poderá ser avaliada após vencido tal estágio da investigação”, afirmou Vecchi em nota.
Nota do Ministério Público
Em princípio a Corregedoria-Geral do Ministério Público do Estado de Goiás não vislumbra razão para a avocação da reclamação disciplinar instaurada em 13.07.2012 em face do Procurador de Justiça Demostenes Torres, já que todas as diligências e providências tendentes a apuração de eventual conduta violadora de dever funcional foram adotadas e são do conhecimento formal do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), não havendo inércia do órgão correicional e tampouco suspeição tanto do Corregedor-Geral como dos membros da Comissão de Procuradores de Justiça que acompanha os atos investigatórios. Apesar disso, caso seja constatada a conexão dos fatos aqui apurados com outros investigados no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público, não vê qualquer dificuldade ou óbice na transferência da continuidade da investigação aqui iniciada para aquele órgão colegiado. Ressalta, por fim, que, enquanto não houver qualquer deliberação emanada do Conselho Nacional do Ministério Público, a Corregedoria Geral do Ministério Público de Goiás prosseguirá nos atos voltados à completa apuração dos fatos e não se omitirá na adoção de toda e qualquer providência, inclusive de natureza cautelar, necessária para o resguardo dos interesses da Instituição do Ministério Público de Goiás e da sociedade goiana.
Nos termos da Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de Goiás o afastamento cautelar de membro do Ministério Público, vitalício ou não, só pode ser determinado após a expedição de portaria instauradora de SINDICÂNCIA ou PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD) especificando, com todas as suas circunstâncias, a(s) conduta(s) violadora(s) de dever funcional, o que só será possível após o recebimento da documentação já solicitada ao Senado Federal e ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região. A adoção do afastamento cautelar só poderá ser avaliada após vencido tal estágio da investigação.