Eduardo Militão
Vêm de um promotor e de um juiz que trabalham diretamente no combate às organizações criminosas duras queixas às restrições ao trabalho de elucidação de casos. Secretário-executivo do Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo, José Reinaldo Carneiro critica o projeto de lei 150/2006 do Senado, que proíbe investigações feitas por promotores. E o juiz Fausto De Sanctis – que já condenou os banqueiros Daniel Dantas e Edemar Cid Ferreira – reclamou da falta de uso de medidas previstas na Convenção de Palermo, ratificada pela Brasil, como o compartilhamento de informações entre juízes de países diferentes sem a necessidade de intermediários.
As críticas foram feitas em palestras no 4º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, em São Paulo, realizado no último final de semana pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
A Convenção de Palermo foi um acordo internacional para prevenção e combate eficaz às organizações criminosas, inclusive de atuação transnacional. O Brasil é um dos signatários do tratado, criado em 2000. Segundo o promotor José Reinaldo Carneiro, uma das vantagens do PL 150/2006 é adotar a definição de “organização criminosa” criada pelo tratado. Atualmente, o tipo penal “formação de quadrilha ou bando”, de 1940, não pune corretamente os complexos casos investigados.
Mas o texto diz que só as polícias civis e Federal poderão apurar crimes. “O projeto esconde uma armadilha grave. Entregam com uma mão e tiram com a outra”, protestou José Reinaldo, que coordena uma equipe de 55 promotores no estado de São Paulo. Atualmente, o PL está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com o senador Aloízio Mercadante (PT-SP).
Segundo o promotor, a restrição tem apoio de alguns parlamentares e de ministros do Supremo Tribunal Federal, como o presidente da corte, Gilmar Mendes, e Marco Aurélio Mello. Eros Grau, Celso de Mello e Ayres Brito seriam contra a limitação da investigação do Ministério Público.
Mecanismos da Convenção
Apesar de proferirem palestras em dias diferentes no Congresso da Abraji, José Reinaldo e Fausto De Sanctis concordaram que as autoridades brasileiras costumam questionar mecanismos de investigação previstos na Convenção de Palermo.
Um deles é a possibilidade de um juiz ou promotor brasileiro solicitar informações a outro juiz ou promotor no exterior sem a necessidade de autorização do Ministério da Justiça. “Mas o Brasil se recusa a aceitar a cooperação direta”, afirmou De Sanctis.
O juiz responsável pela Operação Satiagraha lembrou que até o compartilhamento de informações entre a Receita Federal e outros órgãos do Judiciário e MP costuma ser questionado.
De Sanctis condenou a redução do período em que as escutas telefônicas podem ser utilizadas. Atualmente, não há limite para isso. Um projeto de lei no Congresso quer reduzir o período a um ano, embora existam apurações que levem cerca de dois anos para serem realizadas. “Está se querendo alterar a legislação, a meu ver desnecessariamente.”
José Reinaldo acrescenta que as restrições e questionamentos se estendem à infiltração de agentes nas quadrilhas e à delação premiada, quando o acusado tem sua pena reduzida se confessar o crime e entregar outros participantes das irregularidades. “Isso é visto com enorme demérito. Comparam [o delator] com Judas Iscariotes”, disse o promotor.
Para De Sanctis, as limitações parecem presumir que o Brasil não possui problemas com corrupção, crime organizado e tráfico de entorpecentes. “Querem tirar do Estado o pouco que estava funcionando”, reclamou o juiz.
60 palestrantes
O 4º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo foi realizado entre 9 e 11 de julho na Universidade Anhembi-Morumbi, em São Paulo. Esse foi o maior evento organizado pela Abraji, instituição fundada em 2002. Foram mais de 60 palestrantes durante os três dias, com jornalistas e profissionais de outras áreas do conhecimento. Os eixos temáticos principais do Congresso foram crime organizado e meio ambiente.