Matéria atualizada às 16h de 05/12/12
Um agente policial poderá se infiltrar em organizações criminosas e cometer crimes sem correr o risco de ser punido pela Justiça. Investigadores passarão a ter acesso a dados como número do cartão de crédito, endereço e telefone de suspeitos de integrarem organizações criminosas sem a necessidade de autorização judicial. Também terão direito a retardar uma operação até chegar aos chefes da organização criminosa sem o temor de serem responsabilizados caso a estratégia fracasse. A Câmara deu mais um passo para regulamentar esses e outros meios de investigação de organizações criminosas, previstos em projeto de lei considerado prioritário pelo Ministério da Justiça e por entidades que representam integrantes do Ministério Público e da Polícia Federal. Um requerimento de urgência assinado pelos líderes partidários garantiu que o projeto de lei seja analisado diretamente no plenário sem ser votado na Comissão de Constituição (CCJ). O pedido, feito pelo relator, deputado Vieira da Cunha (PDT-RS), está na pauta do plenário desta tarde.
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A principal polêmica no projeto é um efeito colateral dele. Infiltrados, os policiais poderiam cometer qualquer tipo de crime isentos de punição. Em tese, assassinatos, sequestros, tortura, estupro… Durante os debates do Projeto de Lei 6578/09, chegou-se a colocar exceções à liberdade de agir do agente infiltrado. Mas isso poderia causar mais problemas. O Ministério da Justiça convenceu os parlamentares que as quadrilhas, quando desconfiassem da infiltração de um policial na organização criminosa, criariam “rituais” para testar o suposto traidor do bando. Poderiam, por exemplo, obrigar o policial disfarçado a matar um homem, estuprar uma mulher ou torturar alguém.
Há três anos na Câmara, o projeto introduz na legislação brasileira o conceito de organização criminosa, atualmente confundido com o crime de formação de quadrilha ou bando, e preenche lacunas que prejudicam o combate a esse tipo de crime. “Pretendemos votar o projeto até a próxima semana”, diz Vieira da Cunha.
“É uma agenda extremamente positiva, a maior resposta que o Legislativo brasileiro pode dar a essa onde violência em São Paulo e Santa Catarina”, avalia o presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal (ADPF), Marcos Leôncio Sousa Ribeiro. Para o delegado federal, o projeto de lei afasta a insegurança jurídica que atrapalha as investigações sobre o crime organizado.
Veja as íntegras
Projeto original – Substitutivo em discussão
Em tese, a Lei 9.034/95, que trata dos meios operacionais para prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminais, já permite a infiltração policial, o acesso a dados cadastrais e o retardamento de operações – a chamada ação controlada. Mas esses expedientes têm sido pouco utilizados devido à falta de regras. “A lei atual só faz referência a técnicas e meios de prova. Mas não diz como fazer. Não há nada na lei que isente, por exemplo, um policial infiltrado da responsabilização penal”, explica Marcos Leôncio.
A proposta prevê até perdão ao criminoso que ajudar os investigadores a desmontar a organização. Pelo projeto, o juiz poderá conceder o perdão judicial, reduzir em até dois terços a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que a colaboração tenha resultado na identificação dos participantes da organização e da estrutura hierárquica, na localização das vítimas ou, ainda, na recuperação de produtos obtidos de maneira criminosa. De acordo com a colaboração prestada, o Ministério Público poderá até pedir ao juiz o perdão judicial para o colaborador caso considere que a ajuda foi de extrema relevância.
Guerra civil
Para o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), César Mattar Júnior, a mudança na legislação é fundamental para coibir a ação de grupos criminosos. “Estamos vivendo uma verdadeira guerra civil camuflada. De um lado, a bandidagem, o terrorismo urbano, e de outro o cidadão comum. Nós temos de parar de ter receio de proteger os cidadãos de bem por temer represália do poder criminoso”, considera.
O Projeto de Lei 6.578 ajusta a Lei 9.034/95 à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, a chamada Convenção de Palermo. Apesar de ser considerado mais grave e sofisticado, o crime de organização criminosa tem sido tratado como formação de quadrilha ou bando, punível hoje com prisão de um a três anos.
A dificuldade conceitual ficou explícita recentemente no julgamento do mensalão. Apesar de o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, descrever os réus como integrantes de uma “sofisticada organização criminosa”, a maioria dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que não era possível enquadrá-los nessa categoria porque o conceito da Convenção de Palermo não estava explicitado em nenhuma lei brasileira.
Divisão de tarefas
Proposto inicialmente pela ex-senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), ainda em 2006, o projeto relatado pelo deputado Vieira da Cunha qualifica comoo organização criminosa o grupo de três ou mais pessoas que se organiza, com divisão de tarefas, para cometer crimes graves, com pena máxima de quatro anos ou mais ou de caráter transnacional. O substitutivo do relator prevê, nesses casos, pena de três a oito anos de prisão.
Vieira da Cunha rebatiza o crime de formação de quadrilha ou bando como “associação criminosa”, deixando-o apenas para os casos de menor gravidade, com pena de um a três anos de prisão. “A ideia é tornar a lei mais eficaz e separar os crimes de maior gravidade”, conta o deputado.
Ou seja, um grupo de batedores de carteira seria enquadrado como associação criminosa. Integrantes de facções criminosas ou de máfias com atuação no serviço público teriam de responder na Justiça como organização criminosa. A pena aumenta em até 50% se houver emprego de arma de fogo. E cresce de um sexto a dois terços quando há participação de menor de idade ou funcionário público. A proposta alcança, inclusive, pessoas que promovem fraudes em licitações ou concursos públicos e financiam a campanha de candidatos com o objetivo de representar os interesses dos criminosos.
Falta de regras atrapalha investigação de criminosos
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