Cezar Barbosa, Uniceub
A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Cármen Lúcia, assinou nesta segunda-feira (8), em Goiânia, um termo de cooperação para implantar em Goiás um cadastro nacional de presos. A visita à capital goiana ocorre uma semana após a primeira das três rebeliões no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia, que resultaram 9 mortes, 14 feridos e centenas de fugas. A crise também se estende ao Rio Grande do Norte, estado que, ao lado do Amazonas, protagonizou cenas de violências em presídios no início do ano passado.
Nos centros de pesquisa, teóricos da área discutem a efetividade da restrição da liberdade àqueles que cometeram crimes. A professora de Direito Carolina Costa Ferreira considera que “o sistema penal sempre foi falido”. Para ela, a prisão como recurso “foi colocada na história do Direito Penal como se fosse uma resposta humanitária a um modelo de punição corporal”. “Então, a ideia de inibir a pessoa do direito de ir e vir é muito poderosa. E o Estado só pode fazer isso se a pessoa pratica um crime muito grave”, defende.
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Segundo o Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias) de 2014, a população prisional brasileira era de 607.731 internos para uma área com capacidade para 376.669 pessoas.
No Distrito Federal, existem seis centros penitenciários com capacidade para 7.395 internos. Mas estão, atualmente, nos presídios, 15.742 pessoas. Alan Guimarães Esteves, 29 anos, experimentou a vida no Centro de Detenção Provisória e na Penitenciária do DF II (PDF II), quando condenado, em 2010.
Preso no regime semiaberto, Alan conta que direitos são restringidos pela superlotação: “É por causa da administração. Rigoroso, extremamente rigoroso. Rigoroso mesmo. É superlotado, banho de sol limitado”. Ele ficava em uma cela de aproximadamente sete metros por dez, com oito camas para 23 pessoas. O único banheiro da cela, em frente ao corredor dos policiais, deixava o preso exposto na hora do uso. Nesse regime, os internos ficam presos o dia todo, com saídas a cada 48 horas, para o banho de sol de 30 minutos.
“Entre as muitas coisas, eu vi preso que tinha tiro no pulmão, com dificuldade na respiração passar mal, e policial, em dia de domingo, quando eles jogam, não atender, mandar ele parar de reclamar. Ele só precisava ir para o posto de saúde da própria prisão”, relembra Alan sobre a experiência com um colega de cela.
No PDF II, às vezes, a comissão de Direitos Humanos da OAB, outras vezes, o conselho de Direitos Humanos do Distrito Federal entram nos presídios para verificar se os direitos dos internos estão sendo respeitados. Os presos são convidados para conversar com o conselheiro ou advogado, na tentativa de expor parte do que se passa nos centros de detenção. Segundo Alan, alguns agentes penitenciários descobrem quem se levantou e, após a saída dos defensores dos direitos, levam o preso ao pátio. O detento afirma que eles usam um bastão de madeira escrito “Direitos Humanos”, para deixar marcas no corpo do interno e lembrá-lo de não relatar novamente os problemas.
Pela Constituição, o responsável pela fiscalização dos casos de tortura dos agentes penitenciários é o Ministério Público, titular do controle externo da atividade policial. Segundo a professora Carolina Ferreira, há brecha para tortura nos presídios por diversos motivos, e um deles é o fato de os representantes do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) não irem aos centros penitenciários para ouvir os detentos.
O MPDFT, em nota, informou que faz vistorias mensais, sem agendamento prévio, nos centros penitenciários. “Sempre que o preso é ouvido pelo MPDFT e relata riscos à sua integridade física, a instituição entra em contato com o sistema prisional e pede que seja resguardada a sua integridade”.
Alan acredita que a tortura e a violência arbitrária têm o aval da administração, porque a prática é indiscriminada e não velada dentro da prisão: “Todos que estão lá dentro sabem o que acontece. E isso continua acontecendo, a tortura ainda existe. A administração sabe e deixa esses casos acontecerem”.
Atualmente, há agentes penitenciários denunciados por tortura. Existem processos em andamento contra eles, mas o MPDFT não divulgou quantos são esses processos, tampouco quem são os policiais denunciados.
Hoje, Alan Guimarães mora no Areal. De sua casa, a vista da região é muito mais ampla que a limita pelas grades.
Tantos mil à espera da Justiça
A falência do sistema passa pela demora em julgar o acusado. No Brasil, 84% dos presos são provisórios, ou seja, ainda não foram condenados à prisão, apesar de estarem no local.
No Distrito Federal, entre junho e agosto de 2017, 30 mil pessoas foram detidas pelas polícias civil e militar. Muitas fazem parte dos 3.648 internos do CDP. Enquanto são detidos e presos pelas autoridades policiais, o Tribunal de Justiça do DF demora em julgar os casos. No mesmo período da atuação das polícias, foram concluídos 3.821 casos, com 2.961 pessoas condenadas, 642 absolvidas e 218 absolvidas/condenadas em parte.
De acordo com o ministro Cezar Peluso, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), 70% dos internos são reincidentes. Este número, segundo a professora Carolina Ferreira, dificilmente é comprovado, porque a rotatividade é muito grande.
Em Brasília, por exemplo, um camburão com presos provisórios é levado, às segundas e sextas-feiras, da Delegacia de Polícia Especializada ao Centro de Detenção Provisória. Trata-se de um dado que varia o tempo todo, e cada recorte de tempo e espaço é muito específico, o que dificulta a clareza da informação.
Um grupo de pesquisa da Universidade de Brasília fez um estudo sobre reincidência criminal no ano de 2008, e acompanhou a vida de 261 pessoas julgadas pelo sistema de Justiça. O resultado mostra que o retorno ao crime é maior quanto mais grave for o regime.
A experiência na prisão não fez de Alan um homem melhor: “Na verdade é uma escola do crime, né. Porque a pessoa entra sem saber algumas coisas e sai mais malicioso. Na verdade, ela entra uma pessoa e sai outra, pior do que entrou”. Esse é o motivo de ele acreditar que o encarceramento não dá mais segurança à sociedade, e que o atual sistema penitenciário se vinga de quem cometeu o crime em vez de preparar a pessoa para ser reinserida na sociedade.