Erich Decat
A falta de previsão do governo em encaminhar ao Congresso as propostas que poderão engordar o contracheque de mais de 300 mil funcionários deve detonar, a partir de hoje (19), uma reação em cadeia de manifestações públicas e possível paralisação de vários setores.
A ameaça parte dos próprios representantes dos servidores que pressionam o Executivo a enviar as medidas provisórias (MPs) que estabelecem os reajustes e a reestruturação dos planos de cargos e carreiras para pelo menos 54 categorias.
Em meio ao impasse, parlamentares da oposição e da base governista criticam a possibilidade de o governo recorrer mais uma vez a esse tipo de instrumento legislativo, em vez de tratar do assunto por projeto de lei.
As novas propostas com previsão de aumento salarial, retroativo a julho deste ano, são consideradas uma segunda rodada de reajustes ao funcionalismo público. Em maio deste ano, o Congresso aprovou MP que contemplou cerca de 1,4 milhão de servidores civis e militares, incluindo aposentados e pensionistas, o que provocará um impacto de R$ 7,7 bilhões aos cofres da União, apenas em 2008.
Nessa nova etapa, três propostas devem ser encaminhadas para apreciação no Congresso. A primeira é direcionada a 220 mil funcionários federais distribuídos por vários órgãos, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis Naturais (Ibama), o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit). Também fazem parte desse grupo os servidores do Hospital das Forças Armadas (HFA), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e dos ministérios da Fazenda e da Ciência e Tecnologia, entre outros.
Os percentuais de reajustes discutidos para os servidores destas instituições variam de 0,6% a 193,8%. Caso a proposta seja aprovada, o impacto previsto no Orçamento da União somente este ano será de R$ 1,9 bilhão.
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A expectativa dos representantes dos sindicatos era de que o texto, com os reajustes, fosse encaminhado para o Congresso na última semana, o que ainda não ocorreu.
“A possibilidade do recuo caiu como uma bomba aqui dentro”, afirmou o presidente nacional da Associação dos Servidores do Ibama (Asibama). “O servidor já estava em pé de guerra por causa do acordo que fechamos em maio, agora reivindica o que foi acordado”, ressaltou.
Paralisações
Hoje, representantes da Asibama prometem protestar em frente ao Palácio do Planalto. Caso a iniciativa não tenha o resultado esperado, a entidade promete uma paralisação nacional de 24 horas com início na próxima quinta-feira (21), podendo ser estendida por tempo indeterminado.
Os auditores fiscais também prometem cruzar os braços nesta semana. A categoria quer o cumprimento do acordo feito com o Executivo quanto aos reajustes salariais. De acordo com a atual proposta, os vencimentos de um auditor-fiscal passariam ainda neste ano para R$ 12.693, no início de carreira, e para R$ 16.680, no final. Em 2010, o piso e o teto da carreira serão de R$ 14.760 e R$ 19.451, respectivamente, caso a proposta reivindicada pela categoria seja levada adiante.
“Estamos aguardando que o governo resolva os problemas internos para mandar [o projeto] para o Congresso. Tenho informação de que essa proposta chegou na Casa Civil no dia 17 de julho. Não há motivo para tanta demora”, ressaltou o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Unafisco), Pedro Delarue.
A entidade ainda prevê um cabo de guerra com o Ministério do Planejamento, que incluiu na minuta da MP um sistema de avaliação de promoção que não foi acordado com os representantes da categoria e que, segundo a entidade, estabelece uma paralisia nas carreiras.
“Vamos fazer um dia de protesto na quinta-feira, com um dia de paralisação nacional”, adiantou Delarue.
O texto da MP também estabelece que, exceto para aqueles que estão inseridos nas carreiras de área jurídicas, os demais servidores contemplados passarão – de forma retroativa, a partir de 1º de julho de 2008 – a serem remunerados, exclusivamente por subsídio, fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória.
A proposta do governo impede, no entanto, que esses servidores acumulem com o subsídio quaisquer valores ou vantagens incorporadas à remuneração por decisão administrativa, judicial ou extensão administrativa de decisão judicial, de natureza geral ou individual, ainda que decorrentes de sentença judicial transitada em julgado (quando não couber mais recurso).
Além dos auditores-fiscais, a medida contempla as carreiras de analista de finanças, planejamento e comércio exterior; especialistas em políticas públicas e do Banco Central; diplomatas; analista técnico da Superintendência de Seguros Privados; servidores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea); entre outros.
De acordo Pedro Delarue, uma segunda proposta – que trata de 46 carreiras que não recebem salários baseados em subsídio – também está sendo analisada em conjunto com a primeira, mas ainda aguarda os últimos acertos.
As duas proposições atingem 91.308 servidores da administração pública federal. Desse total, 45.661 são ativos, 30.062 aposentados e 15.585 pensionistas.
Impasse
A possibilidade de o governo conceder o reajuste aos servidores por meio de MPs já enfrenta resistência de integrantes da oposição e da base do governo na Câmara.
Para o vice-líder do DEM na Câmara, Ronaldo Caiado (GO), a iniciativa do governo tem cunho eleitoreiro. “Ainda não sei como a bancada vai se posicionar, mas é um insulto. É um ato descortês do Executivo que cria uma situação oportunista em um período eleitoral”, disparou o parlamentar, que defendeu o envio da proposta por meio de projeto de lei.
Os meios utilizados pelo Executivo também são questionados pelo líder do PMDB na Casa, Henrique Eduardo Alves (RN). “Já houve reações a outras medidas provisórias, por isso acredito que outra não é o ideal. Acho que o Congresso já está cansado disso”, avaliou. O líder peemedebista, porém, defendeu os reajustes previstos nas MPs.
“É uma negociação antiga dos servidores que vem sendo cumprida aos poucos pelo governo e por isso temos de avaliar porque são segmentos importantes. Mas vai depender da mobilização desses seguimentos junto ao governo”, concluiu o parlamentar.