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O primeiro, como o Congresso em Foco revelou com exclusividade em novembro de 2014, foi feito quando João Pedro ainda estava na Penitenciária Compacta de Potim II, no Bairro das Correias, em São Paulo. Na ocasião, ele se queixava de violação de direitos individuais em decorrência das más condições do sistema prisional, e culpava Dilma e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB-SP), pela situação. O caso foi arquivado. Agora, o detento acusa a petista de ter utilizado dinheiro desviado da Petrobras para se reeleger.
A demanda do detento foi enviada pelos Correios à Central do Cidadão do Supremo Tribunal Federal (STF), que repassou o pedido à Câmara. Na “ementa” de seu pedido, João Pedro atribui a Dilma “autoria por negligência e culpa em sentido estrito, reeleição com verba oriunda da Operação Lava Jato; atos de reeleição são inerentes ao segundo mandato – atividade em detrimento do patrimônio nacional”.
Sujeito a arquivamento
Como foi escrito à mão, o pedido de impeachment fica sujeito ao arquivamento sumário, segundo a norma vigente, devido ao não atendimento dos requisitos formais. O próprio autor da mensagem reconhece a situação.
“O ora impetrante encontra-se preso e recolhido, mas ainda possui seus direitos de cidadão, todavia, em hipossuficiência para cumprir formalidades como autenticação de assinatura, cópia autenticada de CPF/RG, comprovante de regularidade com a Justiça Eleitoral. Assim, em homenagem à paridade de armas, com a devida vênia, vossa excelência poderá oficiar à PGR [Procuradoria-Geral da República], ou mesmo o corpo jurídico da Casa legislativa, para atuar como patrono do impetrante, […] para auxiliar este impetrante a exercer sua cidadania”, diz trecho da carta – nos moldes da anterior, com texto em letra cursiva e linguagem formal que sugere certo conhecimento sobre a legislação aventada para o caso, a Lei 1.079/50 (em vigor há mais de 60 anos, “define os crimes de responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento”).
Estudos e reportagens
João Pedro recorre a estudos acadêmicos para fundamentar sua demanda. Para tipificar a “culpa” da presidenta Dilma, ele menciona trecho da obra Curso de Direito Civil Brasileiro, da jurista e professora da PUC de São Paulo Maria Helena Diniz, doutora em Teoria Geral do Direito e Filosofia do Direito. Na sequência, na seção “Dos fatos”, o detento faz referência à reportagem publicada pela revista IstoÉ em 28 de agosto com o título “Gilmar Mendes: o ministro que tira o sono de Dilma”.
O presidiário faz referência a “fartas as denúncias sobre o abuso de poder econômico e político na campanha à reeleição de Dilma Rousseff” – objeto do processo em curso contra a chapa presidencial vencedora em 2014 no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). “De acordo com relatório técnico do TSE, o PT recebeu, de 2010 a 2014, R$ 172 milhões de empresas envolvidas no esquema do Petrolão. Além dos repasses do partido, a campanha de Dilma conseguiu R$ 47,5 milhões das empreiteiras investigadas”, diz trecho da reportagem, mencionado na carta do detento.
“Destarte, se a presidente, em sua reeleição, usou, por negligência, dinheiro oriundo, no mínimo, de sonegação fiscal, temos caracterizado o crime de responsabilidade contra a guarda e legal emprego dos dinheiros públicos. Pois, se usou dinheiro sem origem, incorreu em prejuízo ao patrimônio nacional”, argumenta João Pedro.
Por determinação de Eduardo Cunha, todo e qualquer pedido de impeachment protocolado em sua gestão só poderá ser liberado à consulta pública pela Secretaria-Geral da Mesa depois de uma decisão do próprio presidente da Câmara. A não ser que o próprio autor libere o conteúdo antes – caso dos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal, que formalizaram requerimento com ampla cobertura pela imprensa na última quarta-feira (21), com direito a íntegra publicada na internet e apoio da oposição.
Novo pedido
O pedido de João Pedro foi protocolado no último dia 14 na Câmara. Depois desse requerimento, apenas um chegou à Casa até o momento. Trata-se da denúncia em que o advogado Luís Carlos Crema, “pela robustez dos fatos, das provas e dos fundamentos jurídicos”, pretende enquadrar Dilma na esteira da rejeição, por parte do Tribunal de Contas da União, das contas presidenciais relativas a 2014 e 2015 – com destaque para as chamadas “pedaladas fiscais”, espécie de manobra contábil do governo para alcançar meta de superávit (economia para pagamento dos juros da dívida pública).
O requerimento de Crema, a exemplo daquele protocolado pelos juristas, também acusa Dilma de ter assinado decretos que desrespeitaram a Lei Orçamentária Anual e a Constituição e cita a questão da Lava Jato. E, como o requerimento de Bicudo, Reale e Paschoal, tem mais chances de ser acatado por Cunha, uma vez que dispõe da fundamentação jurídica que João Pedro não conseguiu apresentar.
Dos 44 pedidos de impeachment da era Dilma, 34 já foram arquivados até esta terça-feira (27). Segundo especialistas, estão entre as razões que levaram ao arquivamento das peças a ausência de provas e testemunhas de que Dilma tenha cometido ilícitos e o fato de que o eventual crime de responsabilidade fiscal tenha sido cometido no mandato presidencial anterior, o que a livraria da cassação. Além de Cunha, já mandaram pedidos para a gaveta os ex-presidentes da Câmara Henrique Eduardo Alves (11 peças) e Marco Maia (três).
Numerosos e inusitados
O Congresso em Foco acompanha desde outubro de 2012 os pedidos de impeachment protocolados na Câmara contra Dilma, então em seu segundo ano de mandato – todos foram arquivados por falta de embasamento legal. Àquela época, Dilma ainda gozava de aprovação popular (chegou a 65% em março de 2013), e sequer poderia imaginar que enfrentaria as manifestações de junho de 2013 e as seguintes, quando viu a aprovação ao seu governo despencar para 30% e, nas medições posteriores, para menos de 10%.
Com a primeira reportagem sobre o assunto, o site mostrou que, tanto quanto numerosos, os pedidos são inusitados.
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