Ana Paula Siqueira
O ano de 2007, além das denúncias e escândalos que assolaram o Congresso, pode também passar à história como um dos períodos em que os deputados mais faltaram ao trabalho, mesmo sabendo-se que alguns mecanismos regimentais de justificativa, como as missões oficiais e a licença médica, ainda podem baixar um pouco esse patamar.
Levantamento feito pelo Congresso em Foco indica que somente no primeiro semestre deste ano foram computadas, oficialmente, 4.941 faltas, sendo que 1.562 não foram justificadas, para um total de 71 sessões deliberativas. Somente as faltas não justificadas representam um índice superior a três ausências para cada um dos 513 parlamentares.
O pior é que o grande número de faltas verificado no último semestre ocorreu em um ano não eleitoral, quando em tese os parlamentares ficam mais tempo em Brasília. Em seis meses, o número de faltas sem justificativa já corresponde a quase 50% das ausências, também não justificadas, de toda a legislatura passada. Entre 2003 e 2007, foram 3.162 faltas sem explicação, num total de 51.830 nos últimos quatro anos (leia mais).
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Nem todos os deputados em exercício na Câmara, no entanto, merecem a fama de faltosos. Dos 513, dez estiveram presentes em todas as 71 sessões realizadas durante o primeiro semestre de 2007. O número representa apenas 1,9% dos parlamentares da Casa (veja quem são os mais assíduos e os mais faltosos).
É verdade que a atividade parlamentar tem características próprias, quando comparada a outras, por exigir visitas rotineiras às chamadas bases eleitorais, situadas nos municípios, ou muitas viagens e participação em reuniões de articulação política. Mesmo assim, fica claro que os deputados federais continuam longe de padrões ideais de assiduidade. Nesse quesito, de qualquer maneira, a Câmara está em melhor situação do que o Senado Federal pelo menos em um aspecto: o Senado continua dificultando o acesso à freqüência dos senadores às sessões deliberativas.
Jeitinho parlamentar
Pelo art. 55 da Constituição Federal, o deputado que faltar a mais de um terço das sessões pode ter o mandato cassado. Contudo, essa disposição legal não costuma ser aplicada de forma rigorosa. Há apenas dois registros, ambos em 1989, de cassação de parlamentar por falta. Os dois eram do PMDB: Felipe Cheidde, de São Paulo, e Mário Bouchardet, de Minas Gerais.
O chamado “jeitinho brasileiro” também funciona, de alguma forma, no Congresso. E esse jeitinho sempre encontra guarida nas entrelinhas dos dispositivos do Regimento Interno, seja ele da Câmara ou do Senado Federal.
Os deputados, no caso da Câmara, têm até o fim de seus mandatos para apresentar justificativas de suas ausências, o que garante aos faltosos, entre outras coisas, escapar dos “desagradáveis” descontos em seus salários.
Os pedidos de justificativa não têm um prazo determinado para serem apreciados pela administração da Casa. Podem correr rapidamente, como no caso de licenças médicas para tratamento de saúde cuja documentação comprobatória tenha sido corretamente apresentada; ou demorar semanas até sair o veredito final.
Mudanças na lista de faltosos
A possibilidade de justificativa das faltas embaralha o resultado final de qualquer pesquisa que se queira conclusiva em relação à assiduidade dos parlamentares em suas atividades no Congresso. Deputados que estavam entre os mais faltosos sem justificativa na semana passada, por exemplo, já não se encontram mais no topo da lista negativa na semana em curso. Isso porque conseguiram abonar senão todas, pelo menos parte de suas ausências.
Na semana do dia 20, por exemplo, a página da Câmara na internet mostrava o deputado Mário de Oliveira (PSC-MG) com 15 faltas não justificadas. Na semana passada, o número caiu, de uma hora para outra, para 12. Caso semelhante é do deputado Sandro Matos (PR-RJ), que até sexta-feira (20) tinha 19 faltas sem justificativa e agora tem 16.
Segundo a assessoria de Sandro Matos, das 19 faltas que o parlamentar teve, já foram apresentados os motivos para cinco: uma se deveu a um jantar no dia 15 de maio patrocinado pelo governo do estado do Rio de Janeiro; outra, no dia 6 de junho, por motivo médico; e mais três, nos dias 19, 20 e 21 de junho, deveram-se a um evento em Macaé (RJ), no qual o deputado era palestrante. O pedido de justificativa de duas delas ainda está sendo analisado.
Por sua vez, o deputado Sandro Mabel (PR-GO), cujo número de faltas não justificadas no mesmo período manteve-se em 18, explicou que suas ausências foram pela necessidade de reestruturar o seu partido no estado. Ele é presidente regional do PR e disse que se reúne com prefeitos e lideranças quase sempre no meio da semana, quando as sessões estão sendo realizadas em Brasília. Apesar das faltas constarem como não justificadas, Mabel avisa que já solicitou a baixa das ausências.
Impossibilitado de ir ao Congresso por motivos de saúde, o deputado Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB), também teve mudanças em suas faltas não justificadas na última semana. No primeiro levantamento feito por este site, ele tinha 17 faltas não justificadas. Agora, o número caiu para 13. A assessoria do deputado disse que já protocolou as demais justificativas e explicou que todas as ausências deveram-se a licenças médicas.
Licenças médicas
Assim como Ronaldo Cunha Lima, outros deputados também tiveram as faltas justificadas por atestados médicos. Foi o caso do deputado Nélio Dias (PP-RN), que veio a falecer no dia 20 de julho em decorrência de um câncer. Ele foi o parlamentar que mais esteve ausente às sessões deliberativas, mas teve apenas uma falta não justificada. Das 71 sessões deliberativas realizadas no semestre, o deputado compareceu a apenas 12 (16,9%), totalizando 58 faltas justificadas (81,7%) e uma não justificada (1,4%).
No levantamento realizado para esta reportagem, verificou-se que nove deputados tinham mais de 40% de ausências justificadas. São eles: José Santana Vasconcelos (PR-MG), Mussa Demes (DEM-PI), Mauro Lopes (PMDB-MG), Mário Negromonte (PP-BA), Miguel Martini (PHS-MG), Ana Arraes (PSB-PE), Sandra Rosado (PSB-RN), Eliseu Padilha (PMDB-RS) e José Carlos Machado (DEM-SE). O Congresso em Foco procurou todos os deputados.
Os que foram localizados – José Santana Vasconcelos, Mussa Demes, Miguel Martini, Sandra Rosado e Eliseu Padilha – alegaram que as faltas justificadas foram todas para tratamento de saúde. A deputada Ana Arraes, que justificou 31 das 38 faltas que teve no último semestre, disse que se ausentou para acompanhar tratamento de saúde de seu irmão, que estava com câncer.
Os mais assíduos
Os dez deputados mais assíduos, presentes em todas as 71 sessões realizadas durante o primeiro semestre deste ano, são: André de Paula (DEM-PE), Ângela Amin (PP-SC), Arlindo Chinaglia (PT-SP), Jofran Frejat (PR-DF), José Genoino (PT-SP), Jutahy Junior (PSDB-BA), Manato (PDT-ES), Pedro Fernandes (PTB-MA), Sérgio Barradas Carneiro (PT-BA) e Tadeu Filippelli (PMDB-DF).
Para a deputada Ângela Amin (PP-SC), a primeira obrigação do parlamentar é a sua presença nas sessões. A deputada defende, também, a participação intensa nas comissões, pois “é lá que são realmente discutidos os assuntos de interesse da população”. Ângela se diz descontente por esse assunto ainda ser objeto de atenção: “Eu realmente lamento que a assiduidade dos deputados seja manchete, pois o mínimo que um parlamentar pode fazer é participar das sessões”.
O deputado Jutahy Junior (PSDB-BA) também é enfático: “Eu parto do principio de que no dia da sessão tenho que estar em Brasília. O motivo para um não comparecimento deve ser excepcional, até mesmo para que eu possa me justificar perante meus colegas e, principalmente, meus eleitores na Bahia”.
Quem também defende a presença nas sessões da Câmara, é o deputado Tadeu Filippelli: “A assiduidade é um dever do parlamentar. Tive participação em todas as sessões deste semestre, principalmente como primeiro vice-líder do PMDB na Câmara. Também tenho a responsabilidade de coordenar a bancada do PMDB do Centro-Oeste, articulando votações de projetos de interesse da região junto aos 16 deputados que formam a bancada”, disse.
Pequenos têm mais faltas
Embora com poucos deputados, os partidos pequenos seriam os campeões de faltas sem justificativa em uma hipotética corrida olímpica de assiduidade na Câmara dos Deputados.
Se for dividido o número coletivo de faltas das bancadas pelo respectivo número de deputados, o Partido Trabalhista Cristão (PTC) ganha de longe a medalha de ouro, pois conta com a maior média de faltas por parlamentar em relação às sessões realizadas: 6,5. A legenda possui apenas dois deputados em sua bancada, mas, somados, eles tiveram 13 faltas não justificadas.
A seguir vem o Partido Republicano Brasileiro (PRB), o partido do vice-presidente da República, José Alencar, com média de 5,3 faltas por deputado; e, logo abaixo, segue o Partido Verde (PV), com média de 4,2 ausências não justificadas.
Grandes partidos como o PMDB, DEM, PSDB e PDT apresentam uma média de ausência pouco superior a três. O PT aparece no final da lista, com média de 2,2 faltas por deputado, empatado com o PCdoB (confira a média de faltas dos partidos).
Faltas por estado
Os estados do Norte e do Nordeste se destacam entre os de mais baixa assiduidade. O Amapá é o campeão absoluto. Com apenas oito parlamentares na Câmara, obteve média de ausências não justificadas de 4,5 faltas por deputado. O Amazonas, com 4,3, e o Acre, com média de 4,2 faltas por parlamentar, vêm em seguida.
A região Nordeste também apresenta altos índices de ausências sem justificativa de parlamentares. O Maranhão ocupa o quarto lugar no ranking, com 4,1 de média de faltas para seus 18 deputados. A seguir, vem Paraíba, com 3,9 faltas por deputado e uma bancada de 12 representantes. Depois, aparecem Sergipe e Pernambuco que, com oito e 25 parlamentares, respectivamente, têm média de 3,6 ausências por deputado – a mesma de Roraima.
Representando as regiões Centro-Oeste e Sudeste, Goiás e Minas Gerais empatam com média de 3,5 faltas, para 17 e 53 deputados, respectivamente. São Paulo, o estado com mais deputados eleitos para a Câmara (70 no total), aparece com média de 2,5 (veja a média de faltas sem justificativa por estado).
Leia mais:
Veja a tabela completa e por ordem alfabética da assiduidade dos deputados
Veja a lista por ordem decrescente de faltas sem justificativa
Veja a lista completa por estado
Confira a lista completa por partido
Matéria publicada em 30.07.2007. Última atualização em 31.07.2007.