Por 44 votos a 23, o Plenário do Senado aprovou nesta quarta-feira (5) o projeto de lei que possibilita o cancelamento de todos os precatórios e Requisições de Pequeno Valor (RPV) federais cujos valores não tenham sido sacados pelo credor e estejam depositados há mais de dois anos em instituição financeira oficial. Houve apenas uma abstenção e todas as emendas foram rejeitadas. Os recursos oriundos dos cancelamentos ficarão à disposição da União. O PLC 57/2017 segue agora para sanção presidencial.
De autoria do Poder Executivo, o projeto determina que o cancelamento de precatório ou RPV será realizado mensalmente pela instituição financeira oficial que possuir o depósito, cujo montante será transferido para a Conta Única do Tesouro Nacional.
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O projeto também determina que pelo menos 20% do total do montante cancelado deverá ser aplicado pela União “na manutenção e desenvolvimento do ensino” e 5%, pelo menos, no Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte. Após o cancelamento do precatório ou da RPV, o credor deverá ser comunicado e poderá requerer novo ‘ofício requisitório’ para reaver seus valores não reivindicados anteriormente.
A proposta autoriza ainda o Poder Judiciário a contratar, com dispensa de licitação, um banco público federal para fazer a gestão dos recursos destinados ao pagamento de precatórios e de RPVs federais.
“Impacto positivo”
De acordo com o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, os depósitos não sacados ficam parados por até dez anos ou mais. Com as novas regras, o ministro calcula em R$ 8,6 bilhões o impacto positivo para o erário.
Levantamento do Conselho da Justiça Federal (CJF) aponta a existência de 493,3 mil contas bancárias com verbas de precatórios ou RPVs paradas. O Executivo alega que a manutenção desses valores representa “situação de ineficiência na utilização de recursos públicos”, mesmo argumento usado pelo relator do projeto em plenário, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), que apresentou parecer em substituição às Comissões de Constituição e Justiça (CCJ) e de Assuntos Econômicos (CAE).
PublicidadeSegundo o relator, a proposta de cancelamento dos precatórios e RPVs parados há mais de dois anos foi baseado em um parecer elaborado pela Advocacia-Geral da União (AGU) e em uma resolução do Conselho da Justiça Federal (CJF). Em março, a AGU publicou uma portaria regulamentando a execução dos recursos parados nos bancos federais.
Jucá defendeu a legalidade e constitucionalidade da proposta por ela estar de acordo com a Resolução 405/2016 do CJF, que aconselha o cancelamento desses precatórios parados. Ele disse que o projeto não vai cancelar qualquer decisão judicial e que o credor não perderá o direito de receber seu dinheiro, bastando fazer novo requerimento após tomar ciência do cancelamento. Ele também garantiu que a Presidência da República se comprometeu a vetar o art. 4º do PLC, dispositivo incluído no texto pelos deputados federais, mas que não tem relação com o tema da proposta.
Mas a argumentação do relator não convenceu vários senadores, tanto da oposição, quanto da base governista.
“Confisco”
As senadoras Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Lídice da Mata (PSB-BA) discursaram contra a aprovação do PLC. Para elas, o governo quer apenas reforçar o caixa da União para tentar recompor as finanças públicas. Lídice afirmou que a proposta, a qual classificou de “sequestro”, acabará por ser contestada no Supremo Tribunal Federal (STF). Já Vanessa chamou a medida de “confisco” e disse que o governo federal vai “pegar um dinheiro que não é seu para fazer caixa”, o que ela considerou imoral, ilegal e inconstitucional.
— Isso sim é pedalada, é uma operação de crédito, que o governo é proibido de fazer. Não vai resolver problema nenhum, vai só tapar buraco — disse a senadora pelo estado do Amazonas.
O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) também posicionou-se contrário à aprovação do PLC. Para ele, a iniciativa tem “constitucionalidade duvidosa” por atentar contra “direito líquido e certo”. Quanto à destinação de parte dos recursos para a educação, Ferraço classificou apenas como “um pretexto cívico para tentar justificar o injustificável”. Em sua opinião, o cancelamento de precatórios atinge o art. 100 da Constituição federal.
— O governo está tentando tirar água de pedra para tentar fechar suas contas. Cancelamento de precatório agride o artigo 100 da Constituição. Estamos invadindo aquilo que está preservado pela Constituição Federal — afirmou Ferraço.
“Pedalada”
Os senadores Lindbergh Farias (PT-RJ) e Otto Alencar (PSD-BA) foram pela rejeição do projeto de lei. Na avaliação do senador pelo estado do Rio de Janeiro, o PLC é “uma invenção do governo para tentar ajudar na meta do resultado primário”. Lindbergh também chamou a proposta de “instrumento criativo” e “apropriação indébita”.
— O governo quer se apropriar de R$ 8,6 bilhões que não é seu, mas pertence a muitas pessoas e empresas devido a decisões judiciais — afirmou Lindbergh, classificando a proposta de uma “pedalada” nas contas públicas.
Otto Alencar chegou a pedir bom sendo ao presidente do Senado, Eunício Oliveira, que presidia a sessão, no sentido de adiar a votação do PLC, para que os senadores pudessem debatê-lo com mais profundidade.
“Recursos ociosos”
Já os senadores José Serra (PSDB-SP) e Simone Tebet (PMDB-MS) também defenderam a aprovação do projeto. Para eles, são recursos ociosos que poderão ser usados pelo governo e 20% do montante irá obrigatoriamente para a educação.
— Esses recursos estão parados nos bancos e os bancos estão ganhando com isso — disse Serra.
Por sua vez, a senadora Ana Amélia (PP-RS) defendeu a aprovação do PLC, principalmente por entender como de extrema importância a destinação de 20% dos recursos para a educação fundamental.
Precatórios
Precatórios são requisições expedidas pelo Judiciário para cobrar dos estados, municípios ou da União o pagamento de valores devidos após condenação judicial.
Já as RPV são requisições feitas ao ente público (União, estado, município, suas autarquias ou fundações) para pagar quantia determinada, em virtude de uma decisão judicial definitiva e condenatória, que possibilita à pessoa vitoriosa receber o crédito da condenação independentemente da expedição de precatório. Têm valor limitado de até 60 salários mínimos.
Previsto no artigo 100 da Constituição, o sistema de precatórios já foi alvo de várias mudanças, uma delas promovida pela Emenda 62, que reservou parcela da Receita Corrente Líquida (RCL) para o pagamento de precatórios, com 15 anos de regime especial de pagamento.
Em 2013, no entanto, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inconstitucional o prazo de 15 anos previsto na Emenda 62. Mas a decisão teve de ser modulada pelos ministros, visto que os entes federados não teriam condição de pagar de imediato todo o saldo acumulado dos precatórios ao longo de décadas. Assim, a modulação manteve o regime especial de pagamento por mais cinco anos, até 2020. No final de 2016, foi promulgada a Emenda Constitucional 94.