Os erros gramaticais e de interpretação são responsáveis pela maioria das reprovações em concursos públicos. Parece bobagem, mas a fragilidade do conhecimento formal da língua portuguesa está prejudicando milhares de concurseiros. Na era da informação e da internet, saber se comunicar não é suficiente para vencer uma prova de português em um concurso público.
“A internet bagunçou totalmente! Não se observa mais a concordância verbal. Em uma frase, a pessoa é tratada como ‘tu’, mas o verbo é conjugado como se fosse ‘você’. Eu costumo dizer que o concurso não pode ser uma prova ‘auditiva’, o candidato não pode ‘ir pelo ouvido’, porque o mundo virtual destruiu a língua portuguesa!”
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A avaliação é de uma apaixonada pela língua: a professora Beatriz Margarida Backes, a Bia, que trabalha há muitos anos na área de concursos. Somente no Curso Vigor, do qual é diretora, são 35 anos de atuação, em Porto Alegre. Ela também trabalhou em duas bancas examinadoras – a Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (FAURGS) e a Fundação para o Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH) -, quando esteve do “outro lado” da história, na produção das provas.
Beatriz tem autoridade para falar do assunto, especialmente depois que os concursos públicos passaram a dar ainda mais importância para a prova de português. Um exemplo é a seleção para o cargo de técnico judiciário do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, prevista para meados de setembro. A avaliação terá 70 questões objetivas, sendo 26 de português. A responsabilidade do candidato aumenta, já que as questões sobre a disciplina representam 37% do total dos pontos e tem caráter eliminatório e classificatório. O aumento do peso da língua portuguesa nos concursos é uma tendência, conforme explica a professora: “Atualmente muitos concursos têm colocado português como classificatório e eliminatório. Mas a importância dele vai muito além: se o concurso prevê questões de raciocínio lógico, é preciso ter um bom português para entender os enunciados. Na própria legislação, uma colocação pronominal ou uma vírgula deslocada podem mudar tudo”.
O professor Andresan Machado, que dá aulas no curso CETEC, em Porto Alegre, e trabalha na preparação para concursos públicos há dez anos, reforça a necessidade de o candidato atentar ao idioma: “O nível das provas está cada vez mais elevado. Dependendo da banca, o candidato precisa acertar de 80% a 90% das questões para estar entre os primeiros a serem nomeados. O mínimo não vale mais”, comenta.
Exige concentração
PublicidadeO estudante Alexandre Kickhöfel, 38 anos, se prepara há um ano e meio para concursos públicos e reconhece a importância da disciplina: “Português exige dedicação, mas, para mim, há outras matérias mais difíceis”, diz o concurseiro, que pensa que é a matemática que impõe maior dificuldade nas provas de concursos públicos. Já para a tecnóloga em fruticultura Bibiana Galarza, 24 anos, o português é a disciplina mais difícil. “A matemática é exata; no português, é preciso prestar atenção ao contexto”, diz. A estudante lembra que as provas exigem concentração do candidato, que deve analisar as palavras destacadas pela banca examinadora dentro do texto – “elas podem assumir diferentes funções, dependendo do contexto em que forem empregadas”. Para vencer as dificuldades com a disciplina, Bibiana relata que, além de frequentar as aulas da professora Beatriz, procura outras abordagens assistindo vídeo aulas na internet.
De acordo com dados do banco de questões e simulados online Rota dos Concursos, interpretação de texto e a morfologia são os tópicos mais exigidos pelas bancas examinadoras. Nas provas do Centro de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (Cespe/UnB), 45,8% dos tópicos exigem dos textos, já nas avaliações da Escola da Administração Fazendária (Esaf), este assunto representa 28,3% dos itens.
Confira a distribuição das exigências no quadro abaixo:
Para garantir a vaga no serviço público, o professor Andresan Machado recomenda que o candidato faça um curso específico da matéria, além de realizar muitos exercícios. O professor relata a procura crescente pelos cursos de resolução de questões, que são uma boa oportunidade para que o aluno exercite o conhecimento e também se familiarize com a linguagem das organizadoras, garantindo a compreensão dos enunciados das questões: “percebemos que muitas vezes o aluno sabe a matéria, mas não entende o enunciado”, alerta.
A professora Beatriz concorda: “Conhecer o mecanismo da banca é importantíssimo. O candidato que se habilitar a fazer uma prova e não fizer muito exercício pode ser comparado a alguém que pensa em correr, mas fica só na teoria, no pensamento”, completa. A professora destaca ainda que a postura correta do candidato é o preparo a longo prazo. “Hoje um módulo de seis meses em português, com aulas uma vez por semana, pode chegar a sete, oito meses, dependendo da necessidade do grupo. A resposta é muito positiva. No mínimo, os alunos levam uma nova noção da importância do português”, diz.
A professora reforça que o concurseiro não deve ter pressa e dá a sua dica para aqueles que almejam uma vaga no serviço público: “concurseiro tem que ter escolha, firmeza, persistência e humildade. Esse é o caminho para chegar lá!”