Ao todo, 15 irregularidades foram apontadas por técnicos da corte a Nardes, que acolheu o trabalho na íntegra. O Palácio do Planalto, por meio de nota (leia a íntegra abaixo), mantém o discurso e diz que órgãos técnicos e jurídicos têm “plena convicção” de que as contas de 2014 estão em conformidade com a lei.
“As contas não estão em condição de serem aprovadas. Recomendo a sua rejeição pelo Congresso”, declarou o ministro-relator, para quem “o que se observou foi uma política expansiva de gastos sem responsabilidade fiscal e sem a devida transparência”.
Ao comentar decretos presidenciais supostamente indevidos, o ministro apontou ainda o que seriam excessos do governo em meio a compromissos orçamentários. “Além de não efetuar o contingenciamento [orçamentário] de R$ 28,5 bilhões, ainda foram liberados R$ 10,1 bilhões”, emendou o ministro, que sintetizou seu parecer em nove páginas.
Tão logo foi anunciada a deliberação da corte, uma sessão de fogos de artifício destoou do ambiente solene do TCU. O festejo foi organizado pelo deputado Paulo Pereira da Silva (SD), o Paulinho da Força, líder da Força Sindical e um dos principais opositores ao governo Dilma na Câmara.
Órgão auxiliar
Formalizado o parecer do TCU, órgão auxiliar do Legislativo, caberá ao Congresso analisá-lo. O julgado agora segue para Comissão Mista de Orçamento (CMO), que promoverá nova análise sobre a decisão e, em um prazo de cerca de 80 dias, deve votar novo relatório. Em seguida, deputados e senadores devem deliberar sobre o entendimento da CMO, em sessão conjunta ou separada – neste caso, nos moldes das votações de propostas de emenda à Constituição.
Trata-se da segunda vez em que o TCU recomendou rejeição de contas presidenciais desde que foi criado, em 1890. Um parecer prévio foi aprovado pelo tribunal, em 1937, recomendando a desaprovação das contas do governo Getúlio Vargas.
Elogios
Durante o julgamento, ministros parabenizaram Nardes por seu relatório e o caráter técnico do trabalho, como que em desagravo ao fato de o governo ter pedido o afastamento do magistrado. Em seu voto, o ministro Bruno Dantas, mais novo integrante da corte, fez menção a recente entrevista concedida por Nardes ao jornal Valor Econômico, em que o magistrado diz que o TCU faria “história”. “Vossa excelência não mentiu, ministro Nardes, quando disse que este tribunal faria história”, observou Dantas.
Na abertura do julgamento, o advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, fez uma defesa enfática das contas governamentais e reclamou da postura do relator (leia a íntegra da defesa formalizada no TCU). “É artificioso achar que isso [pedaladas fiscais] se trata de uma violação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Não se trata. O tema adquiriu um contorno excessivamente político”, disse o chefe da Advocacia-Geral da República.
“Nós vivenciamos um debate que extrapolou e confundiu o debate técnico. O que não pode é artificiosamente transformar isso em um movimento de cassação de mandato presidencial”, arrematou Admas. Ele se refere ao fato de que, em um Congresso marcado por divisões na base aliada, a rejeição das contas dá ensejo à abertura de um processo de impeachment de Dilma, em processo que teria início na Câmara e sob a prerrogativa do presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), opositor declarado do governo. Cabe ao Congresso analisar o julgado pela corte de contas, decidindo pela aprovação ou pela rejeição do entendimento do TCU.
Ao final do julgamento, que durou pouco mais de três horas, o presidente do TCU, Aroldo Cedraz, parabenizou o relatório de Nardes e o fato de ele não ter exposto qualquer restrição ao exame dos especialistas da corte. Em decisão anunciada no domingo (4), em entrevista coletiva concedida por três ministros, Nardes foi contestado pelo governo junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao próprio TCU devido à sua atuação no caso. Para o Planalto, o ministro agiu politicamente em vez de se limitar à apreciação técnica das contas.
Irregularidades
O relatório de Nardes se amparou em basicamente duas principais irregularidades entre as 15 apontadas pelo departamento técnico da corte. A primeira diz respeito às popularmente conhecidas pedaladas fiscais, que consiste em atraso nos repasses da União a bancos públicos (Caixa Econômica, Banco do Brasil), obrigando as instituições financeiras a custear programas governamentais. A manobra foi interpretada como descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) por constituir uma operação de crédito entre órgão do governo e ente federativo. A fim de alcançar meta de superávit (economia para o pagamento de juros da dívida pública), o governo “pedalou” R$ 40 bilhões.
A outra falha fiscal considerada grave pelo relator foi o não contingenciamento de despesas discricionárias (não obrigatórias) de R$ 28,5 bilhões, aliado à liberação de R$ 10,1 bilhões no transcurso do ano de 2014. Ao todo, as irregularidades significaram uma má conduta fiscal estimada em R$ 106 bilhões.
Além de Nardes e Dantas, votaram os ministros Vital do Rêgo, Ana Arraes, José Múcio Monteiro, Walton Alencar, Benjamin Zymler e Raimundo Carreiro, corregedor do TCU. Cedraz não precisou votar e, assim, limitou-se a proclamar o resultado. O julgamento foi acompanhado pelos deputados Mendonça Filho (PE), líder do DEM na Câmara, Antônio Imbassahy (PSDB-BA) e Izalci (PSDB-GO), e pelo líder do PSDB no Senado, Cássio Cunha Lima (PB). Eles devem usar o parecer da corte de contas para embasar um pedido de impeachment no Congresso.
Confira a íntegra da nota do Planalto:
“A decisão hoje tomada pelo Tribunal de Contas da União constitui um parecer prévio sobre as contas de 2014 do governo federal. A matéria ainda deverá ser submetida a ampla discussão e a deliberação do Congresso Nacional.
Os órgãos técnicos e jurídicos do governo federal têm a plena convicção de que não existem motivos legais para a rejeição das contas. Além disso, entendem ser indevida a pretensão de penalização de ações administrativas que visaram a manutenção de programas sociais fundamentais para o povo brasileiro, tais como Bolsa Família, Minha Casa Minha vida. Também entendem não ser correto considerar como ilícitas ações administrativas realizadas em consonância com o que era julgado, à época, adequado pelo Tribunal de Contas da União.
Os órgãos técnicos e jurídicos do Executivo continuarão a debater, com absoluta transparência, as questões tratadas no parecer prévio do Tribunal de Contas, para demonstração da absoluta legalidade das contas apresentadas.
Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República”