Vivemos esta semana uma “página infeliz de nossa história”. O Senado Federal decidiu pelo afastamento definitivo de Dilma Rousseff do cargo de Presidenta da República, para o qual foi legitimamente eleita pelo voto de mais de 54 milhões de brasileiros e brasileiras.
As últimas semanas foram valiosas para quem, como juízes que fomos nesse processo, se entregou de fato, honesta e integralmente, à busca da verdade. Votei de acordo com minha história, meus princípios, minha trajetória de vida e de lutas e com meus compromissos para com a defesa da democracia, da liberdade, dos direitos humanos, dos trabalhadores e dos menos favorecidos – direitos esses hoje seriamente ameaçados.
Disse NÃO ao impedimento, pois este processo se caracterizou como um verdadeiro golpe parlamentar. Votei contra essa farsa que se impôs à Nação brasileira.
Presenciamos um quadro composto por depoimentos de testemunhas e informantes; pela argumentação dos advogados de acusação e defesa; pelo pronunciamento de senadores e senadoras em todas as etapas; e, principalmente, pela corajosa defesa da Presidenta Dilma que, durante 15 horas, respondeu a todos os questionamentos de forma incansável.
Infelizmente, o resultado mostra que muitos capítulos dessa história ainda não foram revelados. Os bastidores seguem – em muitos aspectos – nas sombras. Mas o tempo, implacável, acabará por trazer tudo à luz.
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Durante todo o processo, muitos fatos foram desnudados, cristalinos e evidenciados:
Publicidade– o patrocínio para a acusação do partido derrotado nas urnas em 2014;
– a revanche política de um presidente da Câmara dos Deputados, verdadeiro gangster político, Eduardo Cunha, que vislumbrou oportunidade para alçar seu partido ao governo;
– o oportunismo político em seu momento de maior intensidade na nossa história;
– o conluio entre técnicos do Tribunal de Contas da União (TCU) para a construção de uma tese;
– a traição de um vice-presidente que conspirou e articulou para derrubar a Presidenta;
– a deslealdade desassombrada de pessoas que exerceram cargos e usufruíram das benesses do poder e, subitamente, desembarcaram do governo de Dilma para reembarcarem pelas portas do fundo no governo provisório.
Tudo isso, abraçado pela grande mídia, que agiu como um verdadeiro partido político, para espanto da imprensa mundial.
Em todo esse processo ficou demonstrado que Dilma não cometeu nenhum crime de responsabilidade. E apelou-se para a narrativa de criminalizá-la pelo “conjunto da obra”. A ausência de provas foi substituída pela retórica falaciosa.
Impeachment sem crime de responsabilidade comprovado, queiram ou não os defensores do afastamento da Presidenta, não tem outro nome: é golpe parlamentar! Um jogo de cartas marcadas. Farsa como a que se viu no Plenário do Senado na fase final do julgamento, quando os senadores que apoiaram o impedimento simplesmente viraram as costas e taparam os ouvidos aos depoimentos das testemunhas de defesa.
Este momento lembra uma repetição farsesca do roteiro arquitetado por Carlos Lacerda, em 1950, quando iniciou campanha contra a candidatura de Getúlio Vargas, e disse: “…não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar”.
O impeachment foi apenas um instrumento para a consumação do golpe. Para entregar o poder a políticos, partidos e programas derrotados nas urnas, impondo a precarização das relações trabalhistas, o primado do negociado sobre o legislado e o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, entre outros retrocessos.
Àqueles que traíram a Presidenta, depois de se locupletar durante anos das benesses do poder que dividiram e das políticas que ajudaram a aplicar e das quais não fazem nem mea culpa, temos agora que dizer: – Vamos #LutarSempre! Vamos trazer à tona a verdade dos fatos.
Ao aprovar o impedimento de Dilma, esqueceram-se de que, no regime presidencialista, quem cassa o mandato de um governante é o povo, nas urnas. O impeachment, nas condições em que foi decidido, não resolverá a crise política e econômica do País, a aprofundará. É uma opção pelo confronto, pelo radicalismo, pela divisão do país. Em qualquer regime parlamentar, quando cai um gabinete, convocam-se novas eleições. A democracia não é um acessório do processo político. Nas sociedades modernas, a República não basta. Há de ser uma República democrática.
Entendo a democracia num sentido mais amplo. Não é apenas a garantia das liberdades políticas, mas a garantia do acesso de todos ao bem comum, ao direito à vida melhor, à saúde, à educação e à dignidade humana. A democracia é um substantivo (e feminino!). Exige o respeito à vontade soberana do povo. Exige a existência de dois lados e o respeito à decisão da maioria. Defendemos agora o caminho da pacificação e da união nacional, com a convocação de um plebiscito para consultar o povo sobre a antecipação das eleições presidenciais. Ao contrário do que alardearam as cassandras do golpe, o povo tem dado sinais de que essa é sua vontade. Recente pesquisa de opinião pública revelou que 60% dos brasileiros apoiam a proposta de uma saída democrática e que sejam realizadas novas eleições antes de 2018.
Reitero: escreveu-se, esta semana, mais uma “página infeliz da nossa história”. Lamento com tristeza a postura de alguns senadores que, apesar de saberem que Dilma não cometeu nenhum crime que justificasse sua cassação, preferiram rasgar suas biografias e virar as costas para o passado. Para mim, não há possibilidade de negociar o conceito de democracia. Ele já foi decidido como caminho pelo povo brasileiro. E nós haveremos de retomar este caminho.