Osvaldo Martins Rizzo*
Desarrumada pelas altas do petróleo na década de 70, a economia dos EUA viveu um período de estagflação com a inflação anual beirando os 15%. Nixon tabelou preços e salários. Uma forte recessão baixou os preços. Mas foi durante os anos 80 – na gestão do republicano Ronald Reagan (ex-ator de Hollywood) – que a economia norte-americana sofreu uma importante mudança estrutural.
As teorias neoliberais da Escola de Chicago foram aplicadas para mudar o principal foco da política econômica que passou a ser a alta artificial dos preços dos ativos, e não mais a preservação do poder aquisitivo dos salários reais. Antes da sideral alta dos preços do petróleo, a keynesiana ação governamental buscava o pleno emprego e a real alta da remuneração do trabalho como contrapartida aos ganhos empresariais da produtividade obreira, um desenvolvimento sustentado e socialmente justo.
A doutrina liberal/monetarista prega que moeda na mão do povo infla os preços. Para contê-los, o presidente/ator escolheu o que favorecia aos interesses do grande capital. Deveras, o que reduz a inflação é o excesso de oferta. Reprimir a demanda só adia o fenômeno. Ao estagnar os salários e subir os preços dos ativos, concentrando riqueza, Reagan gerou o embrião das várias “bolhas” que se seguiram (dos imóveis; dos junk bonds; das empresas ponto-com; das hipotecas; etc). A próxima bolha a explodir será a das commodities que viraram ativo financeiro especulativo deixando de ser simples matéria-prima.
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Para se reeleger e eleger seu sucessor (Bush pai), o ator/presidente trocou o ganho real dos salários pelo farto crédito ao consumo. O eleitor médio foi tapeado com a ilusão de que prosperava quando, contabilmente, empobrecia. O auto-sustentável ciclo keynesiano foi mudado para o rito neoliberal do endividamento crescente da população, alegrando banqueiros ávidos pelos lucros obtidos ao emprestarem dinheiro caro para as pessoas comprarem qualquer coisa. O sistema produtor/distributivo foi substituído pelo financista/concentrador.
Mesmo originando uma hoje indisfarçável massa de pobres no país mais rico do mundo – como efeito de um sistema instável onde o crescimento econômico depende do crescente endividamento do cidadão médio junto com a especulativa alta do preço dos ativos –, o canastrão Ronald fez discípulas algumas autoridades econômicas de certos países presunçosamente ditos “emergentes”, como o Brasil.
Combater o desemprego compõe o rol dos deveres constitucionais dos governantes brasileiros regrado pela Carta Magna Pátria que, em seu artigo 170/VIII, inclui a busca do pleno emprego entre os princípios gerais que devem reger a atividade econômica. Todavia, só trabalho não basta. É preciso remunerá-lo dignamente para, concretamente, ter-se desenvolvimento sem imitar as bolhas especulativas estrangeiras, como a atual da construção habitacional nas grandes cidades.
Do início dos anos 80 até meados desta década, o trabalhador foi oprimido por um gigantesco arrocho salarial de fazer corar até mesmo os velhos udenistas. O real poder aquisitivo do salário médio do brasileiro caiu cerca de 20%. Só entre 1.995 e 2.005 os ganhos salariais despencaram 4% em proporção ao PIB.
Os bons empregos minguaram e a rotatividade explodiu. Para ilustrar: em 2007, 14,3 milhões de pessoas foram admitidas e 12,7 milhões, demitidas. Crescem os gastos com seguro-desemprego e abono bancados pelo estoque do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), ameaçando a sua solvência e o funding do BNDES.
A classe obreira empobreceu, sendo a única vítima dos erros crassos das diversas equipes econômicas que se revezaram no estéril exercício acadêmico de testar teorias liberais em cobaias brasileiras. Estranhamente, o Poder Judiciário calou-se sobre isso, e esses impuníveis algozes continuam soltos e, pasmem, prestigiados.
A pouca produtividade e especialização são causas dos baixos salários conseqüentes do pouco tempo de permanência no emprego. O desemprego vem caindo como fruto da proliferação dos empregos de má qualidade remunerados indignamente. Noutras palavras, ocorre a “asiatização” dos empregos onde cada vez mais trabalhadores recebem salários medíocres. A quinta maior empregadora brasileira é uma call center que ocupa mão-de-obra jovem e baratíssima sem qualquer perspectiva de aprendizado e melhoria remuneratória.
Paralelamente, como manda o modelo Reagan de troca de bom salário por dívidas, o grau de endividamento do cidadão comum disparou. Segundo a Federação do Comércio paulista, metade dos paulistanos está fortemente endividada. Os mais mal remunerados (ganham até três salários mínimos) lideram o ranking dos maiores pagadores de juros bancários que, de tão altos, fazem inveja a qualquer agiota.
*Osvaldo Martins Rizzo é engenheiro e ex-conselheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).