Hoje, durante o almoço, estava conversando com uns colegas (um alemão e uma espanhola) e eles me perguntaram se eu tinha vontade de voltar para casa. Daqui a um mês estou voltando, e no momento essa é a minha maior felicidade. Então, sem hesitar, respondi um sim bem grande. Espantados, os dois me perguntaram o porquê de eu querer voltar tão apressadamente para o Brasil. Eu simplesmente respondi: “Porque o Brasil é melhor que o Canadá”. Obviamente, eu não estava levando em consideração nada além do meu amor pelo meu lar. Essa viagem me ensinou que, por mais utópica que seja a tão famigerada America do Norte, meu lar sempre vai ser o Brasil.
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Após ter dito a minha resposta, um dos funcionários da escola que estava passando por nós no momento ouviu, e ainda fez questão de fazer um comentário. “No Brasil, vocês tem favelas e muita pobreza. Pensa bem antes de falar que o Brasil é melhor que o Canadá, você deveria procurar mudar o seu país antes de dizer essas coisas.”
Eu fiquei em choque. Eu não consegui responder nada além de “Eu amo meu país, vou fazer meu melhor”. Eu pensei em trinta milhões de respostas depois que o cara foi embora. Trinta milhões de maneiras de dizer o quanto ele é ignorante e o quanto é fácil pra um estrangeiro falar sobre as favelas do Brasil (o que demonstra claramente que esse era o único conhecimento dele sobre o nosso país, já que todo mundo por aqui sabe o que é uma favela brasileira).
De fato, nós temos problemas. Estamos passando pela maior crise política que já tivemos, e o Brasil chega longe de ser um país perfeito. Eu, como cidadã brasileira, entendo isso. Entendo que existem diversos outros problemas no nosso país, que devem ser consertados com muita urgência. Mas a ganância do funcionário me incomodou, e isso despertou em mim um espírito patriota que eu não sabia que eu tinha. Algum tempo atrás, se alguém falasse mal do Brasil eu simplesmente concordaria. Agora, eu entendo cada vez mais que a parte da ruína do brasileiro é não reconhecer ou lembrar das coisas boas que a nossa terra tem para nos oferecer.
Existe uma parte do Brasil que precisa ser redescoberta por nós, brasileiros. Nós temos em mãos um país lindo, com gente linda. Aqui no Canadá, o simples fato de se puxar assunto com uma pessoa aleatória na rua te rende olhares de julgamento. O Canadá, por mais lindo que seja, é um país com gente bastante individualista. Eu costumo dizer para os meus amigos aqui: “The people here are polite, but they are not kind”. Polite e kind, duas palavras que podem ser confundidas muito facilmente… Educado e gentil.
As pessoas aqui são educadas por obrigação. Sim, todos devemos ser educados por obrigação. Mas aqui isso é levado muito no sentido literal. Ninguém realmente se importa com ninguém por aqui. Eu tenho uns colegas mexicanos que descrevem o Canadá como sendo um lugar incrível, mas ao mesmo tempo muito chato. E na minha sincera opinião, eles estão cobertos de razão. O cotidiano aqui acaba se tornando “chato” com o passar do tempo. Isso acontece porque (no meu caso e dos outros internacionais) não se consegue manter uma conexão profunda com ninguém que seja canadense. Tudo bem que nossa estadia por aqui é curta, mas todos nós concordamos que em nossas terras natais alunos internacionais seriam muito mais bem aceitos do que aqui.
O comentário daquele funcionário poderia até ter sido verdade. Mas foi uma atitude rude, primeiramente porque eu não estava dirigindo minha palavra a ele, e em momento algum eu falei mal do Canadá. Eu disse que o Brasil é melhor pelo simples fato de ser o meu lar, o lugar onde me sinto confortável. O que mais me incomodou, no entanto, foi ele ter me apontado defeitos sobre meu próprio país como se eu fosse ignorante e ele, como canadense, soubesse mais sobre a minha pátria do que eu. A maioria das pessoas por aqui acha que eu falo espanhol, for God’s sake. É muito fácil falar de favelas porque é a única coisa que as pessoas de outros países se dão o trabalho de saber sobre o Brasil.
Eu, como brasileira, sei que é muito difícil focar nas qualidades no nosso país nas circunstâncias atuais em que vivemos. Porém, tanto nós quanto pessoas de outros países só vêem defeitos no Brasil porque de fato essa é a única coisa que enfatizamos em nosso país. Entretanto, a situação contrária também existe. O contrário também existe. Essa semana, por exemplo, estava conversando com um dos professores, que era imigrante dos Estados Unidos, Mr. Atkinson. Eu perguntei para ele porque ele havia escolhido sair de lá, e ele me respondeu simplesmente que não queria criar seus filhos num ambiente em que cultuavam armas e violência. Ele falou que os Estados Unidos têm uma imagem perfeita aos olhos de pessoas estrangeiras, que sonham com todas as suas forças em viver lá, porque lá é a “terra dos sonhos” (isso acontece demais no Brasil).
Mas essa foi uma imagem que foi criada e muito bem construída nas mentes da população mundial; um estereótipo que só pode ser quebrado se você de fato vive nos Estados Unidos e convive ativamente com as questões socioeconômicas de lá. O professor me disse que a maior população carcerária do planeta pertence aos Estados Unidos, e todos os cárceres, uma vez presos, nunca mais possuirão o direito de votar. Um terço da população afrodescendente norte-americana não tem nem o poder de votar. Ele me disse, também, que a população não participa ativamente da democracia nos Estados Unidos, porque muitas pessoas simplesmente não se importam com o destino do país (ele se surpreendeu quando eu disse que no Brasil somos todos obrigados a votar após os 18 anos).
Eu e professor conversamos um bocado, eu falando para ele sobre as favelas do Rio de Janeiro e ele me contando sobre os bairros mortíferos de Los Angeles. Conversamos de igual para igual, sem comparar aspecto algum entre um país e outro, fazendo justamente o contrário. E por mais que estivéssemos discutindo sobre aspectos negativos de nossas respectivas pátrias, foi uma discussão gostosa, porque nós pensamos juntos em soluções que se aplicariam em ambas as situações, tanto a do Brasil quanto a dos EUA. Isso foi incrível.
O comentário do funcionário canadense mostrou apenas o quão ignorantes as pessoas podem ser ao pensar que de fato podem ser superiores à outras só por morar em países que possuem estatísticas melhores. Não sei se era a intenção dele passar essa mensagem, mas já conversei com algumas outras pessoas (na maioria delas alemães) que falaram comigo com esse mesmo tom somente pelo fato de eu ser brasileira.
Eu cheguei à conclusão de que eu amo meu país, e a minha responsabilidade enquanto cidadã, por enquanto, é tentar ser um individuo melhor para ter a possibilidade de fazer a diferença no futuro, nem que seja minimamente.
* Aos 16 anos, a estudante Gabriela atualmente mora em Victoria BC, no Canadá, onde participa de programa de intercâmbio a ser concluído em julho. Texto originalmente publicado no blog Blanc Poetry Photographie.
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