Associações de diversas categorias do serviço público repudiaram a declaração do ex-presidente Lula de que políticos são mais honestos do que concursados porque têm de “encarar o povo e pedir voto”, dita quinta-feira (15) ao se defender da denúncia do Ministério Público Federal.
Veja o vídeo:
“Eu, de vez em quando, falo que as pessoas achincalham muito a política. Mas a profissão mais honesta é a do político. Sabe por quê? Porque todo ano, por mais ladrão que ele seja, ele tem que ir para a rua encarar o povo, e pedir voto. O concursado não. Se forma na universidade, faz um concurso e está com emprego garantido o resto da vida. O político não. Ele é chamado de ladrão, é chamado de filho da mãe, é chamado de filho do pai, é chamado de tudo, mas ele tá lá, encarando, pedindo outra vez o seu emprego. E muitas vezes consegue, outras vezes não consegue”, discursou o petista.
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Acusado por procuradores de ser o “comandante máximo” do petrolão, Lula mirava em seu discurso os integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato. “Eu vi eles falarem dos partidos políticos, dos governos de coalizão, vocês sabem que muita gente que tem diploma universitário, que fez concurso, é analfabeto político”, acrescentou em outra crítica aos seus acusadores.
A reação foi imediata, ganhou as redes sociais, com memes e mensagens que viralizaram, e manifestações de repúdio por parte de entidades de classe:
Em nota, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita do Brasil (Anfip) lamentou as declarações de Lula e disse que os servidores públicos atuam para o Estado, e não para governos temporários. “Os servidores públicos concursados atuam para o Estado, para a nação, para seu povo, e não para governos temporários, sejam eles compostos por ladrões ou não. Os políticos passam, o Estado e seus servidores ficam.”
PublicidadeO Sindicato dos Trabalhadores do Judiciário Federal (Sintrajud) também repudiou a comparação feita por Lula e lembrou outros episódios em que presidentes atacaram o funcionalismo. “Não é a primeira vez que presidentes ou ex-presidentes agridem os servidores públicos para defender seus interesses. Em 1989, Fernando Collor criou o factoide ‘caçador de marajás’ para se eleger presidente e derrotar, justamente, o operário Lula. Em 1994, Fernando Henrique Cardoso chamou aposentados e servidores de ‘vagabundos’. Não são ataques gratuitos, é bom que se diga. Obedecem à lógica de que o que é público é ruim e atendem, assim, ao setor privado”.
Para a Associação Paulista de Magistrados (Apamagis), o petista ofendeu a todos que ingressaram no serviço público por concurso público e não se comportou como um ex-presidente. “A fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 15 de setembro sobre o serviço público não é digna de quem já ocupou o cargo mais alto da República. Dizer que o servidor público é um analfabeto político e que os eleitos pelo voto obrigatório nas urnas são os trabalhadores mais honestos do país é uma ofensa a quem por meio de concurso ocupa cargo público nas estruturas dos três poderes.”
Uma mensagem de autoria desconhecida também se espalhou pelas redes sociais como espécie de carta aberta de um servidor público ao ex-presidente. “Não usei verba desviada de nenhuma empresa estatal para financiar a taxa de inscrição do concurso que fiz. O salário que recebo não me permite comprar sítios ou triplex. Não disponho de imunidade parlamentar, não disponho de auxílio moradia, nem paletó. Não sou financiado por empresas privadas e bancos”, diz o texto, que conclama, ao final, Lula a passar por um concurso público.
A íntegra da nota da Anfip:
“Nota pública de repúdio: servidor de Estado, não de governos
A ANFIP – Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil lamenta profundamente os ataques descabidos e injustos aos servidores públicos proferidos nesta quinta-feira (15) por um ex-presidente da República.
O referido político – atividade esta, segundo ele, destinada a ladrões – fere toda a sociedade ao investir contra milhares de trabalhadoras e de trabalhadores que optaram, de forma constitucional e após rigorosos concursos públicos, por servir ao conjunto da população.
No caso específico do Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil, registre-se que é a atuação direta do integrante da carreira que garante a arrecadação dos recursos investidos em toda e qualquer política social implantada no Brasil. É o trabalho do Auditor da Receita Federal que assegura o financiamento da Previdência, da Saúde, da Assistência Social e de tantas outras iniciativas essenciais para os mais de 200 milhões de habitantes do País.
Os servidores públicos concursados atuam para o Estado, para a nação, para seu povo, e não para governos temporários, sejam eles compostos por ladrões ou não. Os políticos passam, o Estado e seus servidores ficam.”
A nota do Sintrajud:
“Servidores receberam com espanto e indignação a declaração do ex-presidente Lula comparando os trabalhadores concursados dos serviços públicos a políticos corruptos. Aliás, apontando-os como corruptos potenciais, ao mesmo tempo em que elege o político como “a profissão mais honesta” que existe. Muitos tomaram conhecimento da declaração com incredulidade, diante do teor não apenas desrespeitoso com milhões de trabalhadores, mas estapafúrdio da mensagem. Vejamos, palavra por palavra, o que disse o ex-presidente petista:
‘A profissão mais honesta é a do político. Sabe por quê? Porque todo ano, por mais ladrão que ele seja, ele tem que ir pra rua e pedir voto. O concursado, não: se forma na universidade, faz um concurso e tem emprego garantido para o resto da vida.’
Lula acaba de ser denunciado pelo Ministério Público por participação em um suposto esquema de corrupção. É direito seu e é legítimo que se defenda. Mas não pode fazer isso atacando toda uma categoria de forma leviana. Ao que parece, no entanto, nem o ex-presidente nem o PT, que em 2003 se empenharam para aprovar a reforma da Previdência que cortou direitos justamente do servidor público concursado, não veem problemas nisso. Faz pouco tempo, para defender a então presidente Dilma, o PT atacou os servidores do Judiciário Federal que lutavam pela reposição das perdas salariais.
Não é a primeira vez que presidentes ou ex-presidentes agridem os servidores públicos para defender seus interesses. Em 1989, Fernando Collor criou o factoide ‘caçador de marajás’ para se eleger presidente e derrotar, justamente, o operário Lula. Em 1994, Fernando Henrique Cardoso chamou aposentados e servidores de “vagabundos”. Não são ataques gratuitos, é bom que se diga. Obedecem à lógica de que o que é público é ruim e atendem, assim, ao setor privado – o das empreiteiras, banqueiros, do envenenado agronegócio, setores que todos esses governos, aliás, se relacionaram muito bem, até bem demais. É um discurso que faz coro com as privatizações, com o fim da estabilidade e com a divulgação da imagem do “servidor privilegiado”.
Tudo isso num momento em que a categoria enfrenta um dos mais brutais ataques das últimas décadas – com ameaça de retirada generalizada de direitos. Repudiamos tal declaração e convidamos o conjunto do funcionalismo a dar, nas ruas, a resposta a todos os que investem contra a defesa de serviços públicos, gratuitos, de qualidade e com profissionais concursados e não apadrinhados.”
A íntegra da nota da Apamagis:
“Apamagis repudia discurso do ex-presidente Lula
A fala do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 15 de setembro sobre o serviço público não é digna de quem já ocupou o cargo mais alto da República.
Dizer que o servidor público é um analfabeto político e que os eleitos pelo voto obrigatório nas urnas são os trabalhadores mais honestos do país é uma ofensa a quem por meio de concurso ocupa cargo público nas estruturas dos três poderes.
A Associação Paulista de Magistrados repudia esse discurso e reafirma sua confiança nos servidores públicos de todas as esferas, e muito especialmente da Magistratura paulista e brasileira.
O serviço público é fundamental para o funcionamento das instituições democráticas e o respeito aos servidores uma exigência de todo homem público e de todo cidadão.
A Apamagis externa seu respeito aos servidores e aos valores da República brasileira.”